Especular sobre os critérios que deixaram Tilda Swilton fora do grupo de indicadas ao Oscar de melhor atriz, a esta altura, vale menos para lembrar uma injustiça do que para sublinhar que este é um dos melhores trabalhos de uma intérprete reconhecida por entregar com frequência performances de alto nível (vide Conduta de Risco, pelo qual ganhou o Oscar de atriz coadjuvante em 2008, ou títulos como Até o Fim, de 2001). Precisamos Falar Sobre o Kevin, em cartaz nos cinemas, é o tipo de filme que exige uma atriz como Tilda, capaz de sustentar um registro em permanente alta tensão transitando entre a altivez quase arrogante e a fragilidade que comove sem exigir comiseração, moeda de troca da dramaturgia para estimular a empatia do espectador pelo personagem.

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Tilda vive Eva Khatchadourian, mulher em estado permanente de torpor que tenta se recompor do baque que arruinou sua vida. Eva parece não compreender bem o que aconteceu entre o momento epifânico que abre o filme, ilustrativo do espírito independente e aventureiro de sua juventude, o sucesso profissional, o feliz início da vida a dois, o nascimento dos filhos e este solitário fundo do poço em que se encontra agora. Compreender implicaria em aceitar a culpa, em tentar encontrar um sinal de alerta que teria impedido sua desgraça, e remoer tudo em retrospectiva desafia sua razão.

Eva é mãe de Kevin, jovem psicopata que massacrou colegas de escola. Do nascimento ao dia da tragédia, ela viveu com o guri um calvário marcado pelas mais terríveis provações. Talvez Eva não estivesse preparada para ser mãe, provavelmente foi uma concessão ao marido (vivido John C. Reilly). Mas, acredita ela, a maternidade foi abraçada com empenho e afeto. Kevin cresceu cercado de carinho e conforto. Como poderia, então, se explicar que aquele bebê insuportavelmente chorão – como de hábito podem ser os bebês – tenha se tornado um monstro?

Não espere encontrar a resposta no filme, e é isso que faz de Precisamos Falar Sobre o Kevin uma experiência de impacto e desconforto incomuns. Essa genuína manifestação do mal, que independe do ambiente e das condições de uso para germinar, assusta por mostrar, a pais e educadores sobretudo, que ninguém em nenhum lugar está imune a ela, não há prevenção plenamente segura.

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Traduzir em imagens a complexidade da relação de um filho que cresce alimentando pela mãe nada além de repulsa e raiva, e de uma mãe que odeia um filho sem deixar de amá-lo, relação essa toda erguida de forma epistolar no livro homônimo, pelas cartas que Eva escreve ao marido ausente, foi um desafio plenamente cumprido pela diretora escocesa Lynne Ramsay. Esse exasperante torvelinho emocional foi traduzido por ela numa estrutura narrativa fragmentada e visualmente inventiva, que flerta com seu interesse pelas artes plásticas, num registro onírico que por vezes emula uma fábula de horror.

Repare no uso pontual que a diretora faz da cor vermelha. E na maneira como as pontas entre passado e presente vão sendo amarradas até um nó cego levar ao estado de suspensão pela expectativa diante do massacre – do qual Lynne tira a característica de clímax ao fazer dele um mosaico com pedaços colados no decorrer da trama. E ainda na trilha sonora original assinada por Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, a sublinhar com seus climas e suas dissonâncias a tortuosa errância de uma Eva que, se um dia pareceu ter direito ao paraíso, acabou condenada ao mais doloroso inferno da existência.

Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin)

De Lynne Ramsy. Com Tilda Swinton, John C. Reilly e Ezra Miller.

Drama, EUA/Grã-Bretanha, 2011. Duração: 110 minutos. Classificação: 16 anos.

Em cartaz no circuito (confira as salas, os endereços e os horários em www.guiadasemana.com.br).