O Relatório do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) fez revelações assustadoras para o planeta por conta do aquecimento global. O documento estima que dez anos antes do que se estimava, por volta de 2030, a temperatura do planeta alcançará o limite de aumento de 1,5° C em relação à era pré-industrial, com riscos de desastres “sem precedentes” para a humanidade, já sacudida por ondas de calor e inundações.
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Em Santa Catarina, que já é um palco de fenômenos climáticos, os eventos ficarão ainda mais extremos: estiagem, enchentes, ondas de calor, ondas de frio, e praias inteiras engolidas pelo mar, impactando a economia, alimentação e saúde dos catarinenses.
As principais atividades econômicas de Santa Catarina sofrem diretamente com o aquecimento global. Conforme a pesquisadora e professora de Oceanografia da UFSC, Regina Rodrigues, os períodos de estiagem ficarão mais prolongados, levando a secas severas. Além disso, as chuvas torrenciais (grandes volumes em curto espaço de tempo) também vão aumentar.
> Relatório do Clima ONU: entenda o documento e o “alerta vermelho”
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Esses dois fatores são extremamente prejudiciais para a produção agropecuária e geração de energia, principalmente no Oeste do Estado. Ao mesmo tempo, tempestades ficarão mais frequentes e intensas, o que afeta o turismo.
— Veremos mais ciclones bombas no Estado, por exemplo. Com ventos mais fortes, essas tempestades levarão a ressacas mais frequentes e intensas (ondas mais altas, por exemplo) no litoral, causando erosão das praias e retração da linha de costa. Já estamos vendo esses problemas aqui em Florianópolis. Isso aliado a um aumento do nível do mar causará uma destruição ainda maior da zona costeira, afetando a indústria do turismo como um todo — explica a especialista.
Risco de inundações
O geógrafo e integrante do Laboratório de Climatologia Aplicada (LabClima) da UFSC, Lindberg Nascimento Júnior alerta que em até 30 anos grandes áreas da costa catarinense serão engolidas pelo mar. Em Florianópolis, a Praia da Daniela, Ponta das Canas, Matadeiro, e Morro das Pedras (área que já é atingida pela erosão) não vão mais existir.
A informação é com base na ferramenta de risco costeiro do Climate Central, uma ONG de pesquisadores e jornalistas do mundo inteiro que estudam mudanças climáticas. A plataforma usa informações de satélite da Nasa e corrige detalhes de elevação e nível do solo. Os dados foram cruzados com novas projeções de aumento do nível dos oceanos.
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A ferramenta mostra que uma larga área costeira das cidades de Joinville, São Francisco do Sul e Araquari, no Norte de Santa Catarina, têm risco de inundações constantes. Bairros da cidade mais populosa do Estado como Jardim Iririú, Comasa e até os arredores do Aeroporto Lauro Carneiro de Loyola teriam áreas atingidas pelo avanço do nível do mar.
Situação parecida pode acontecer em Tijucas, Laguna e Tubarão e, em escala menor, em Itajaí e Balneário Camboriú.
Impactos na alimentação e saúde dos catarinenses
O aumento na intensidade e frequência de eventos extremos, como ondas de calor, alternadas por eventos de frio extremo e períodos de estiagem mais prolongados é bastante prejudicial para plantas de clima temperado, por conta da variação drástica de temperatura e disponibilidade de água.
A agropecuária é uma das principais áreas que precisará se adaptar às mudanças climáticas, como explica Cristina Pandolfo, pesquisadora da Epagri/Ciram.
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— Os cenários agrícolas mostram que haverá deslocamento das áreas potenciais de cultivo e modificação nas janelas da semeadura ou plantio para algumas espécies avaliadas, como milho, feijão, soja, maçã, banana e uva. Uma alternativa importante para aumentar a possibilidade de adaptação das culturas, é a pesquisa em melhoramento genético e o desenvolvimento de experimentos de adaptação de novas espécies em vários locais do Estado — destaca Pandolfo.
> 2020 foi o ano mais quente da história
Gabriel Leite, pesquisador da Epagri, cita como exemplo as variedades de macieira que foram desenvolvidas em Caçador, com médio requerimento em frio e que são resistentes à “Mancha de Glomerella”, principal doença da maçã em regiões com temperaturas médias de verão acima de 19 °C.
Outra pesquisa é feita com o arroz, uma espécie que é afetada drasticamente quando exposta a temperaturas baixas ou muito altas, especialmente quando a lavoura se encontra na fase de floração ou pouco antes.
Segundo o pesquisador da Epagri, Rubens Marschalek, em 2023, uma nova variedade de arroz irrigado será disponibilizada pela Epagri para cultivo em Santa Catarina, que consegue se adaptar melhor quando exposta a extremos de temperatura.
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Proliferação de mosquitos
Enquanto o aquecimento global pode provocar a morte de algumas espécies de plantas e animais, o relatório da ONU aponta que a quantidade de insetos deve aumentar 16% em até 50 anos, porque eles são mais adaptáveis. Consequentemente, a população estará mais suscetível a doenças causadas por vetores, como o mosquito — dengue, febre amarela, malária, chikungunya etc.
O risco para essas doenças tende a aumentar na região sul, incluindo Santa Catarina, pois o número de meses em que há maior proliferação do mosquito também aumenta, explica o professor do Departamento de Saúde Pública da UFSC, Sérgio Freitas.
Segundo o especialista, há probabilidade também de ter mais casos de doenças pulmonares em regiões de produção de poluentes atmosféricos, pois o aquecimento tende a deixar o ar mais seco e quente. Embora o Estado não tenha áreas especialmente concentradas, polos siderúrgicos e de porcelanas e olarias devem ficar atentos.
— Regiões com focos de proliferação de mosquitos, como a região de Joinville e Extremo-Oeste, que é região endêmica para febre amarela, assim como cidades que concentram fábricas de cerâmicas/olarias, devem planejar estratégias especiais para políticas mais agressivas de prevenção, seja no combate aos vetores, na diminuição dos poluentes e mesmo na estrutura dos serviços de saúde — observa Freitas.
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O que Santa Catarina precisa fazer
É consenso global que precisamos diminuir o mais rápido possível as emissões de gases dos efeitos estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis, fazendo uma transição para fontes energéticas limpas, como solar e eólica.
Rodrigues e o geógrafo Lindberg Nascimento Júnior destacam que mesmo se conseguirmos frear o avanço do aquecimento global, é necessário se adaptar à nova realidade. Não há mais como formular um novo Plano Diretor para as cidades sem levar em consideração as mudanças climáticas.
— Esses gases ficam muito tempo na atmosfera (mais de 200 anos). Esse aquecimento que estamos vendo hoje junto com o aumento dos extremos, irá continuar mesmo que as emissões sejam reduzidas a zero agora. Então, temos que nos adaptar a essa nova realidade de extremos mais frequentes e intensos, construindo infraestrutura que comporte, planejando nossas cidades de acordo, preservando ecossistemas para que a sociedade catarinense fique menos vulnerável a esses eventos — aponta Rodrigues.