Em meio ao mar calmo e ao cantar dos pássaros, o barulho da bateira anuncia que tem gente chegando. Nico, o cachorro da praia, se apressa para recepcionar o pescador. Carros e motos não são vistos por lá e a vida passa mais devagar em meio à natureza. Assim é a Praia de Araçatuba, um pedaço do paraíso localizado ao sul de Palhoça. A cidade comemora nesta terça-feira 124 anos de emancipação. Nesta data, a Hora traz as histórias contadas por seu moradores que se lembram do tempo em que o local era uma vila de pescadores, do rancho com mais de 100 anos e suas lendas.

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Chegar à Praia de Araçatuba é uma aventura. A única estrada que leva ao destino é de chão, cheia de pedras e buracos. Para quem vai pela BR-101, no sentido Norte, é a segunda entrada à direita após a ponte sobre o Rio Maciambu. Há quem prefira descer a pé os quase dois quilômetros. Mas a distância e as condições da via valem a pena quando se chega à praia, que hoje abriga apenas oito famílias.

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É lá onde Maria Aparecida de Souza, a Cida, 47 anos, nasceu e cresceu. Foi na pequena vila onde conheceu o marido Carlos Renato Kniss, 50, e hoje mantém uma casinha para passar as férias e o fim de semana. Os pais, também nativos, e dois dos sete irmãos, que são pescadores, não pensam em trocar esse pedacinho de terra por nada.

– Esse terreno era todo do meu avô, o vô Jubica, pescador mais conhecido da região, que morou a vida inteira em Araçatuba – conta Cida.

Em 1979, Carlos e a mãe se mudaram de Itajaí para Palhoça. Segundo ele, muita coisa mudou de lá para cá, principalmente em razão da falta de estrutura na comunidade.

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– Se tu andar nesse morro vai ver que tá cheio de chão de casas. Isso aqui era uma vila com mais de 100 casas e hoje dá pra contar nos dedos quem são os moradores. Eu sei que em 1975 em diante o pessoal começou a ir embora pra Passagem do Maciambu, Praia do Sonho e outros lugares, porque aqui não tinha luz, o acesso é muito difícil e até a escola isolada que tinha lá no final, fechou.

O próprio casal se mudou para outro bairro de Palhoça após o casamento. Cida trabalha como copeira no Hospital de Caridade há 17 anos e Carlos é vendedor. Mas ainda são guardiões das histórias de Araçatuba.

Caminho histórico

— Esse aqui é aquele caminho que o pessoal chama de Peabiru, já ouvisse falar? — pergunta Carlos.

Ele conta que isso não é lenda e já faz parte da história do município. O Caminho de Peabiru era uma rota indígena com cerca de quatro mil quilômetros de extensão que vai de Santa Catarina até o Chile. Ela também foi percorrida pelos portugueses. Mas o que muita gente não sabe é que esse caminho histórico passa por Araçatuba.

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— Se tu olhar aqui, ela vem desde o Rio Maciambu, passa por aqui, sobe o morro e o caminho continua até a Enseada de Brito. Na Enseada tem uma casa onde tinha a inauguração cravada na pedra. Mais de 200 anos que tem isso aí. Antes da BR-101, essa é que era a estrada. É um caminho bem antigo.

Lendas e contos de fantasma

Sob a luz do luar, muitas histórias foram contadas em Araçatuba. Algumas carregadas de mistérios. Carlos, que jura de pés juntos não acreditar nessas lendas, lembra que, nos tempos de namoro, os pais e irmãos de Cida contavam que tinha fantasma em meio à mata e muita gente tinha medo de sair à noite.

– Eles falavam ‘puxa, mas tu vais embora agora nessa escuridão? Fica aí’. Mas por que eu não posso ir? ‘Aqui é cheio de fantasma, de parência’ – diz Carlos.

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Em Araçatuba, histórias de fantasma e lendas são o que não faltam. Na curva da praia, onde tem um pé de figueira, pescadores antigos contavam que não passavam sozinhos à noite. Dizem que sempre tinha uma mulher andando de camisola branca. E você já ouviu falar da Toca da Jorda?

– A dona Jorda era uma índia e diziam que ela morava aqui, numa toca como se fosse uma casa. Eu já entrei lá duas ou três vezes quando era pequeno. Ali morava uma índia que assustava o pessoal local – conta Carlos.

O rancho com mais de 100 anos

Bernardino Joaquim de Souza, 54, leva o nome do avô, o pescador mais conhecido de Araçatuba. Bernardino Onofre dos Passos ou, como era conhecido, o vô Jubica, que faleceu em 1980 ou 1982 – a família não soube precisar a data – aos 78 anos, foi quem construiu o rancho mais antigo da comunidade. A data em que foi erguido ninguém sabe, mas a certeza é que ele tem pelo menos 100 anos.

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Mas, com a ação do tempo o rancho, construído em madeira de canela, como conta Bernardino, não sobreviveu em pé. Ele foi reconstruído em pedra após ser vendido para outro dono. O local mexe com os sentimentos de Bernardino, que guarda na memória os tempos de menino quando corria e pescava com o avô.

– Foi ele quem me ensinou a pescar, desde pequeno. Até hoje estou aqui pescando no lugarzinho dele, que tá num lugar melhor.

Bernardino é irmão de Cida. Atualmente, ele mora na Passagem do Maciambu. Porém, Bernardino atravessa a praia todos os dias de bateira e passa o dia pescando nas águas calmas de Araçatuba.

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