Iberê Camargo tinha pressa. Celebrado como um dos maiores pintores brasileiros e consciente da proximidade da morte, dedicou seus últimos anos a deixar um legado. Escreveu memórias, reunidas no livro Gaveta dos Guardados (Cosac Naify, 2009), que mostram que a brevidade da vida o levou a se aproximar da infância interiorana. Em um texto, diz: “O clima de meus quadros vem da solidão da campanha, do campo, onde fui guri e adolescente. À medida que envelhecemos, parece que a infância fica mais perto. Sentimos vontade de reencontrar os primeiros amigos e tudo que foi nosso”.

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A sensação de finitude também levou Iberê a rever seus trabalhos nos momentos finais da vida. O artista Eduardo Haesbaert, seu último assistente, mostrava-os um a um. Quando Iberê aprovava, apenas dizia: “Tomba”. E, se faltava assinatura, autografava.

– Um dia, ele estava na poltrona, e perguntei no que pensava e como se sentia. Ele disse que, se contasse, iria me assustar: “Estou pensando na morte”. Mesmo doente, estava escrevendo memórias, dando entrevistas, se correspondendo e produzindo. Essa força era surpreendente – relembra Haesbaert.

Centenário de Iberê Camargo celebra um dos maiores pintores brasileiros

Em carta de 1979, Iberê Camargo conta o início de sua trajetória no Rio Grande do Sul

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Exposição “Iberê Camargo: Século 21” celebra centenário do artista na Fundação Iberê Camargo

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Jogo: qual das obras é assinada por Iberê Camargo?

Em 2 de agosto de 1994, sentindo que os dias contados se esgotavam – ele morreria na semana seguinte -, Iberê convocou uma coletiva de imprensa sob o pretexto de tomar posições. Enfermo, recebeu repórteres em volta da cama e fez um ataque ao racionalismo da arte contemporânea e também a críticos, galeristas, curadores e às bienais. Seu pensamento já estava prejudicado, a metástase atingira o cérebro. Dias antes, havia concluído sua última tela, Solidão (abaixo), com três figuras fantasmagóricas. “São personagens que vagam no deserto”, disse.

Nestes 20 anos, sua obra tem sido divulgada com exposições e livros, consolidando seu lugar na arte brasileira. Muito por conta do trabalho que a Fundação Iberê Camargo (FIC) realiza desde 1995 e, em especial, desde 2008, com a inauguração do museu desenhado pelo arquiteto português Álvaro Siza, onde está o acervo “tombado” pelo artista. O empresário Jorge Gerdau, um dos incentivadores da FIC e hoje integrante do conselho superior, relembra:

– Iberê sempre falava da preocupação que tinha em divulgar a memória e promover o acesso ao acervo. É um artista cujo legado sempre destacou o Estado.

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