Na explicação de propriedade privada tem um trecho onde diz que é o direito que um cidadão tem de usar, gozar e dispor de uma determinada coisa, desde que não interfira no direito do outro. É dever do poder público limitar até onde vai o poder de cada um.
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Uma sequência de fatos durante esta semana no Bairro Rio Vermelho, Norte da Ilha, levou a teoria à prática e expôs mais uma vez os transtornos causados pelos loteamentos clandestinos, que pipocaram em Florianópolis durante as últimas décadas.
Postes na rua
Da Rua Cândido Pereira dos Anjos, popularmente chamada de Travessão, parte uma servidão sem saída de 651 metros de extensão, intitulada servidão Maria Clara de Jesus e homologada pela Câmara de Vereadores pela lei Nº 8924, de 15 de maio de 2012.
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Do lado direito desta via, que não tem calçada ou asfalto e tem rede de iluminação e esgoto só até pouco mais da metade, a proprietária Sônia Soares, de 59 anos, resolveu cercar seu terreno.
Moradores protestam
Depois de alguns buracos e postes de madeiras instalados, os moradores que vivem do outro lado da tal servidão, em terrenos de 250 metros quadrados, resolveram protestar.
É que os postes do futuro cercado estavam sendo fincados na estreita servidão, diminuindo ainda mais a largura.
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– O caminhão de lixo agora não entra aqui. Eu pago IPTU e tenho direitos sobre a rua também. Eles podiam recuar mais um metro e liberar o acesso. A prefeitura tem que dar um jeito – exigiu a auxiliar de serviços gerais, Maria Siqueira, 47 anos.
A reclamação foi ouvida de perto por Juceimar Soares, irmão de Sônia e que detém parte do terreno da direita, fruto de herança deixada pelo pai.
– Eles (os vizinhos do outro lado da via) moram em um loteamento clandestino e construíram em cima da servidão. A nossa escritura é pública e vai até onde estão colocando a cerca – rebateu.
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Prefeitura embargou cerca
Isto foi na quarta-feira passada. No dia seguinte, após denúncia registrada na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, um fiscal de obras foi até o local e embargou a cerca. Não havia liberação da prefeitura _ o chamado alinhamento de muro.
No mesmo dia, à noite, os moradores arrancaram os postes, sem autorização do poder executivo.
Pra quê cercar?
A aposentada Sônia Soares mora no Estreito e quase não vai ao terreno no Norte da Ilha. Não tem nada construído por lá. A área foi dividida entre os irmãos Juceimar e Clara Alice, fruto de uma herança. Sônia resolveu cercar sua parte, depois que soube que estavam jogando entulho por ali.
– Minha irmã tirou seis contêineres de entulho de lá – conta, ela.
Agora, depois que os vizinhos tiraram os postes onde seria erguido o cercado, ela pretende se defender na Justiça.
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– Estou vendo com meu advogado, pois não vou discutir com os moradores. Os documentos para liberação da cerca já estão encaminhados na prefeitura e eles não tinham o direito de retirar os postes. Vou registrar um boletim de ocorrência, inclusive – relatou.
Os moradores alegam que o terreno estava abandonado até poucos dias atrás.
– Um fogo tomou conta do mato aqui e a gente que teve que chamar os bombeiros – conta Maria Siqueira, vizinha de servidão.
A prefeitura agora vai analisar as escrituras dos herdeiros e os contratos de compra e venda dos moradores que protestam contra a cerca. Uma solução deve ser dada na próxima semana.
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Loteamentos irregulares, um problema crônico na Capital
Problema crônico do crescimento desordenado da Capital, os loteamentos clandestinos seguem sem uma solução concreta. São áreas vendidas sem obedecer critérios legais como o Plano Diretor dos Balneários. No Rio Vermelho, por exemplo, um lote tem que ter no mínimo 450 metros quadrados e possuir rede de água, energia, postes, pavimentação, drenagem e rede de esgoto. Algo que elevaria o custo de um terreno na hora da venda.
Esta é uma das causas para o surgimento destes loteamentos, segundo o diretor de arquitetura e urbanismo da SMDU de Florianópolis, Rodolfo Matte.
– Nossa legislação de loteamento é muito elitista. As exigências são grandes para o loteador, que acaba burlando. Ao mesmo tempo, o planejamento não acompanhou na mesma velocidade que a cidade cresceu. O Plano Diretor dos Balneários, que regula o parcelamento do solo, é de 85.
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Para o diretor, a regularização dos loteamentos é o único caminho e ao mesmo tempo o mais difícil.
– A lei federal 6777/1989, que pune até com prisão para quem promove loteamento clandestino, não abrigou esta população. Existe dispositivo legal para as favelas, mas não tem para a classe média. A solução seria modificar a legislação buscando regularizar estes terrenos – afirma.