Brasília vive dias de alta tensão neste final de 2022. Acampamentos de apoiadores e opositores do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, montados para acompanhar ou atrapalhar a posse, dividem a mesma região na capital da República.
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Aglomerados em frente ao Forte Caxias, no Setor Militar Urbano (SMU), bolsonaristas clamam por uma intervenção das Forças Armadas que impeça o presidente eleito de subir a rampa do Palácio do Planalto.
A reportagem esteve no local pouco depois das primeiras operações que tentaram, sem sucesso, desmobilizar o ato bolsonarista. Chama atenção a organização do local. Com barracas para alimentação, primeiros-socorros, postos de doação e distribuição de roupas e medicamentos, os manifestantes — em sua maioria brancos e de idade mais avançada — convivem em tom de fraternidade. Se alguém precisa, logo se juntam dois ou três em auxílio. As senhoras são chamadas de ‘tias’ e costumam ter preferência para receber ajuda.
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Bandeiras do Brasil e estampas com o rosto de Bolsonaro, claro, acumulam-se pela Praça dos Cristais, onde está efetivamente montado o acampamento, ou o que restou dele. Depois da transmissão ao vivo de sexta-feira (30), na qual Bolsonaro apenas fez um balanço de seu governo, a maior parte dos manifestantes deixou o local. Os que ficaram garantem que não abandonarão a luta, apesar da dispensa do líder.
— Nosso objetivo é impedir que essa posse aconteça. Acreditamos que houve fraude e, se tivéssemos o voto impresso, não estaríamos aqui — relata Rodrigo*. — Caso aconteça, eu vou respeitar o presidente, será o presidente de todos os brasileiros.

Funcionário da construção civil, como ele próprio se identificou, Rodrigo e deixou filhos no Mato Grosso do Sul para vir a Brasília ainda em 5 de novembro. Sequer tinha barraca, mas ficou. Ele se afasta dos atos de vandalismo vistos na capital nas últimas semanas. Contesta as notícias, diz não ler jornais e que se informa pelo WhatsApp mesmo. E desacredita em punições para si e os outros conflagrados.
As prisões relacionadas à tentativa de invasão da Polícia Federal e à depredação de ônibus às margens da Esplanada dos Ministérios incomodam os acampados. Na quinta-feira (29), a Polícia Federal deflagrou a Operação Nero, que cumpriu 32 mandados de busca e apreensão e de prisão expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Quatro pessoas foram detidas e duas estão foragidas. No dia anterior, o suposto cacique José Acácio Serere Xavante, tido como líder desse ato de vandalismo, também fora detido.
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Um novo Brasil
A tensão arrefece à medida que a equipe se afasta do SMU, onde, além do QG, ficam instalações militares e residências de oficiais verde-oliva. A poucos quilômetros, em diagonal, da aglomeração bolsonarista, no Pavilhão do Parque da Cidade, cerca de 400 pessoas hasteiam bandeiras vermelhas misturadas às do Brasil, e é possível ouvir de longe os famosos coros que embalaram a eleição de outubro. Caravanas não paravam de chegar na manhã deste sábado.
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Paranaense de Terra Boa, Daniela Amorim, 34, enxerga a posse de Lula como uma redenção. Ela conta que enfrentou 24 horas de viagem dentro de ônibus para chegar à capital.
– Lula passou um tempo na prisão lá no meu estado, e agora a gente veio para a posse dele. É surreal –, diz a militante, que acabara de chegar ao acampamento.

Primeiros a chegar no Pavilhão, Raquel Rocha, 36, e Marcos Angelus, 38, vieram no carro próprio direto de João Pessoa. Os quatro dias de viagem pareceram pouco para o casal, que faz parte do corpo petista na Paraíba.
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— Já havíamos planejado em 2018, mesmo com a prisão de Lula — conta Marcos. — A questão da segurança chegou a pesar, mas vimos um forte esquema para proteção e viemos assim mesmo. É um momento histórico de derrota do fascismo.
Raquel conta que a organização do acampamento fornece o necessário para o bem-estar dos acampados. Além dos banheiros da estrutura fixa do Pavilhão, cerca de 500 banheiros químicos foram disponibilizados, além de chuveiros e pias. Há três postos médicos sob as ordens da Secretaria de Saúde (SES), com testagem e vacinação contra a Covid-19 e contra a gripe.
Na entrada, vendedores ambulantes fornecem comida e bebida a preços módicos. Um show é preparado para comemorar a chegada de 2023, e as recomendações de segurança indicam que todos devem descer juntos os cerca de 5 km que separam o Parque da Cidade à Esplanada dos Ministérios.

Este é um dos três principais pontos de encontro para os petistas que viajaram em caravanas. Além do pavilhão, o Estádio Nacional Mané Garrincha, também no centro, e a Granja do Torto, na saída Norte, onde fica uma das residências oficiais da Presidência da República, recebem militantes. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), mais de mil caravanas foram registradas e acompanhadas pela corporação.
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A presença de bolsonaristas na vizinhança, agora espalhados pelo centro da capital e não mais aglomerados num único ponto, não assusta os acampados. Guiados por uma cartilha encaminhada pela organização da posse a todos os líderes de comboios, eles evitam deixar o perímetro sozinhos e não se deixam em cair nas diversas provocações ouvidas direto do Eixo Monumental, a via que se cruza com o Eixo Rodoviário e dá forma ao avião de Lúcio Costa, o urbanista que desenhou Brasília.
No domingo, todos planejam descer a pé, numa espécie de romaria ao novo presidente, que assume para reacender a esperança destes militantes que vêm de todo o país acompanhar a tradicional subida da rampa no Palácio do Planalto.
*Nome preservado a pedido do entrevistado, que teme medidas judiciais.
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