A posse de bola virou inimiga da percepção geral na Copa do Mundo. Os toques infrutíferos de seleções tradicionais como Espanha e Alemanha, eliminadas precocemente no Mundial, geraram a impressão de que manter o controle do jogo é um fator quase antagônico ao resultado. E a visão é reforçada com um número curioso: as quatro seleções com maior média de posse de bola na Copa — Espanha, Alemanha, Argentina e Arábia Saudita — já deram adeus à competição.

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— Um time só faz gol se tiver a bola. Ou seja: é preciso ter posse de bola, sim. Mas se a posse de bola significa apenas toque lateral, sem agressividade, sem penetração, sem iniciativa, aí a posse de bola se torna inútil. Ninguém troca a criatividade pela posse de bola, até porque a criatividade só aparece com a bola. É que criatividade não se ensina, não se treina, nem se compra. Criatividade, ou se tem ou não se tem. O problema não é o excesso de posse de bola, é a falta de criatividade — analisa o jornalista David Coimbra.

Os números de domínio de posse de bola e finalizações são relativamente similares. Até os jogos desta segunda-feira (2), que incluem toda a fase de grupos e parte das oitavas de final, os times com mais posse de bola conseguiram 26 vitórias, 10 empates e 17 derrotas. Enquanto isso, os times com mais chutes a gol tiveram as mesmas 26 vitórias, além de 11 empates e 15 derrotas.

Os destaques em efetividade ofensiva são Brasil e Bélgica, que duelam na sexta-feira (6) pelas quartas de final da Copa. Os dois estão empatados em sexto lugar em posse de bola, com média de 55,25% por jogo. Sobem para o segundo lugar quando a estatística trata de finalizações, com 19,25 por jogo.

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Para o jornalista esportivo André Baibich, a posse de bola não é indicativo da qualidade da atuação, mas sim da proposta de jogo feita pela equipe.

— Há uma confusão no modo que se interpreta o número de posse de bola. Como houve um período, iniciado na década passada, em que modelos que valorizavam a bola dominaram as competições, há quem veja alto percentual de posse como prova de que um time joga bem. Não é verdade. É preciso entender o tempo que se fica com a bola como um indício da proposta de uma equipe, se toma a iniciativa ou espera mais. Não há como medir se essa proposta é bem executada apenas com a estatística de posse — explica.

A inefetividade não se aplica apenas nas estatísticas de posse de bola. A Alemanha, por exemplo, fica em segundo no ranking da posse (67%) e é a equipe que mais finalizou por jogo (22,33). Mesmo assim, perdeu para México e Coreia do Sul e ficou em último no grupo. A questão passou mais pela má qualidade dos chutes a gol do que pelo toque de bola sem a criação de chances.

Na avaliação do colunista de GaúchaZH Leonardo Oliveira, a inefetividade de alguns times com maior posse de bola também se deve à competência dos retrancados.

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— Ao mesmo tempo em que se privilegiou o toque de bola, também se construíram defesas mais sólidas, sistemas de marcação quase uniformes, com barricadas diante da área e, em vários casos, uma linha de cinco zagueiros a proteger o goleiro. A Espanha, contra a Rússia, é outro exemplo. Teve 75% de posse de bola e trocou incríveis 1.137 passes, quatro vezes mais do que o adversário. Arrematou 25 vezes, contra seis do adversário. Ou seja, teve a bola, entregue pelos russos, que adotaram uma estratégia simples: se fechar e rezar. Só faltou o gol, que vem da precisão fina, da frieza na hora em que um país inteiro está sob os ombros do atacante. Diante dos números, não se pode dizer que a posse de bola foi improdutiva. Pode-se dizer que uma estratégia de retranca, de apostar na perícia do goleiro e dos zagueiros, no caso dos russos, funcionou — pondera.

Diogo Olivier também opina que as defesas bem postadas obrigam os times de postura diferente a trocar um número grande de passes.

— O problema é que os times com menos qualidade aprenderam a se fechar. As tais linhas de cinco, e outra de quatro à frente, antes chamadas de retranca. Quando um time adota essa postura, a de não querer a bola, naturalmente cabe ao outro trocar passes. Não tem outra maneira. A menos que inventam o futebol com os dois times apostando no contra-ataque. Em algum momento, um lado tem de jogar — assegura.

Para Baibich, a Seleção Brasileira conseguiu adaptar sua estratégia na troca de passes para furar as retrancas. Depois de empatar com a Suíça na estreia, venceu Costa Rica e Sérvia com domínio na posse de bola. Contra o México, teve menos posse (47%), mas finalizou mais vezes (21 a 13).

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— O “tiki-taka”, até aqui, foi um fracasso. Modelos defensivos que juntam cada vez mais as linhas dificultam muito a progressão com passes curtos, que depende da utilização dos espaços entre ataque e meio, e meio e defesa do adversário. Estes espaços são raríssimos nessa Copa. Por isso, a forma de atacar é com ligações diretas, usando o pivô dos centroavantes, ou a aposta na bola parada. Até o Brasil fez adaptações: tem trocado passes mais atrás, perto do próprio gol, para “chamar” o adversário. Quando o rival sai lá de trás, aproveita o espaço atrás dos volantes e acelera — observou.

Ranking de posse de bola por jogo (em %)

1. Espanha 68,5

2. Alemanha 67

3. Argentina 63,75

4. Arábia Saudita 58

5. Suíça 55,33

6. Brasil 55,25

6. Bélgica 55,25

8. Inglaterra 55

9. México 54,25

10. Portugal 53,75

11. Japão 52,75

12. Croácia 52,25

13. Peru 51,67

14. Austrália 51

14. Tunísia 51

14. Colômbia 51

17. Marrocos 49,67

18. Uruguai 49,75

19. França 49,5

20. Polônia 49,33

21. Nigéria 46

22. Sérvia 45,33

23. Dinamarca 45,25

24. Egito 45

25. Senegal 44

26. Costa Rica 41,33

27. Coreia do Sul 39,67

28. Rússia 39

29. Panamá 39

30. Suécia 38,67

31. Islândia 37

32. Irã 32,67

Ranking de finalizações por jogo

1. Alemanha 22,33

2. Brasil 19,25

2. Bélgica 19,25

4. Espanha 17,5

5. Croácia 15,25

6. México 14,25

7. Inglaterra 14

8. Argentina 13,25

9. Portugal 13

9. Nigéria 13

11. Suíça 12,67

12. Uruguai 12,5

13. Arábia Saudita 12

13. Islândia 12

13. Suécia 12

13. Tunísia 12

17. Marrocos 11,67

18. França 11

18. Coreia do Sul 11

20. Austrália 10,67

20. Peru 10,67

20. Sérvia 10,67

23. Japão 10,5

24. Dinamarca 10

24. Polônia 10

24. Senegal 10

27. Egito 9,67

28. Costa Rica 9,33

29. Colômbia 8,33

30. Rússia 8,25

31. Panamá 7,67

32. Irã 7