Uma proposta que cria novas regras às corporações militares tem trazido preocupação ao Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, a instituição mais antiga do Brasil. Isso porque as normas estabelecidas pelo Projeto de Lei 4363/01 afetam e podem colocar em risco o trabalho de socorristas que atuam de forma voluntária.
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Apresentado na Câmara de Deputados em março de 2001, o projeto caminhou a passos lentos no Congresso Nacional até ser aprovado de forma repentina na última semana. Trata-se de um projeto extenso, com mais de 150 páginas, que dispõe de regras para polícias e bombeiros militares. No decorrer dos mais de 20 anos, passou por diversas tramitações. No início de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência e, em seguida, a proposta passou em plenário.
Matheus Cadorin, deputado estadual eleito pelo Novo em Santa Catarina e atual diretor executivo dos Bombeiros Voluntários de Joinville, explica que, inicialmente, o texto original tratava apenas da estruturação e padronização de hierarquias no que diz respeito a polícia e bombeiros militares. No entanto, “no apagar das luzes”, diz, foram inseridos dispositivos que também afetam a estrutura de instituições que atuam como voluntárias no Brasil.
Os artigos aos quais Cadorin se refere são:
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Art. 6º XXVII § 4º As funções constitucionais dos corpos de bombeiros militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios somente serão exercidas pelos militares que os integram, admitida a celebração de convênio e de acordos de cooperação técnica, nos casos autorizados em lei.
Art. 35. § 3º É vedado o uso dos nomes “polícia militar”, “brigada militar” e “força pública”, bem como “bombeiro”, “bombeiros” e “corpo de bombeiros”, por instituições ou órgãos civis de natureza pública, vedado também o seu uso isolado ou adjetivado pela expressão “civil” por pessoas privadas.
Ele explica que, caso aprovado, os trechos recém-acrescentados impedem que sejam usados os termos “bombeiro” e “corpo de bombeiros” pelas instituições voluntárias de todo país. O diretor executivo argumenta que as palavras são de domínio público e, portanto, não entende a proibição.
Outra crítica que faz é que o texto prevê que todas as corporações, instituições de ensino e tudo que estiver envolvido com prevenção, combate a incêndio e relativos estariam sujeitos, de certa forma, a fiscalização e controle das corporações militares.
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— O que nos assusta é por que que esse tipo de termo foi colocado nessa lei sem qualquer tipo de aviso, sem qualquer tipo de consulta prévia. Por isso toda essa nossa reação, porque realmente fica algo estranho. Que tipo de controle que vai ter? Vai ter um militar dentro da corporação? A gente não sabe, nada disso foi discutido antes, por isso essa nossa reação enérgica com relação ao projeto que passou Congresso — explica.
Em Santa Catarina, além do quartel de Joinville, outros 30 batalhões que atendem a 50 municípios podem ser afetados com a nova lei.
Repercussão negativa
A falta de detalhes sobre a execução da lei, caso aprovada, gerou até nota de repúdio da Confederação Nacional dos Bombeiros Voluntários (Conabov), que declarou que o texto ignora a tradição dos 130 anos de existência da corporação voluntária no país e inviabiliza a atuação dessas instituições “no modelo perpetuado desde 1892”.
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A Associação dos Bombeiros Voluntários no Estado de Santa Catarina (Abvesc) também manifestou-se contrária à PL 4.363/01 e escreveu que, “em uma sociedade que se entenda como desenvolvida”, iniciativas como a dos bombeiros deveriam ser “incentivadas e multiplicadas, não tolhidas em nome do corporativismo, da busca por mais postos de comando e, consequentemente, oneração do Estado e cidadão”.
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“O projeto de lei se torna praticamente criminoso em um país onde mais de 80% dos municípios sequer contam com serviços próprios de bombeiros”, cita a instituição, que termina pedindo que “a luz do bom senso e da humanidade” ilumine os senadores que terão a chance de reformular o texto da proposta.
Andamento da proposta
Depois de aprovada na Câmara dos Deputados, a proposta vai ao Senado e, caso passe, a lei ainda precisa ser sancionada pelo presidente da República.
A ideia era de que os senadores avaliassem o projeto ainda neste ano, no entanto, a Federação Nacional dos Bombeiros Voluntários mobilizou os parlamentares e Esperidião Amin entrou com um requerimento para que a votação aconteça após o recesso de férias, em fevereiro.
— Isso nos dá mais algum tempo a mais aí para nos movimentarmos e trabalhar em prol do movimento voluntário no no Brasil — destaca Matheus Cadorin. A expectativa da corporação voluntária é de que os artigos recém-acrescentados sejam retirados do texto.
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Qual a saída, caso o projeto seja aprovado?
Mesmo se após a discussão a lei seja sancionada, segundo Cadorin, a alternativa da corporação será construir um decreto regulamentador que não prejudique a atuação dos socorristas e leve em conta as particularidades do modelo seguido em SC.
O diretor executivo dos bombeiros de Joinville ainda cita que há outra disputa jurídica relacionada à corporação. Ele diz que na cidade e em Jaraguá do Sul, por exemplo, os voluntários têm o poder de vistoriar e inspecionar imóveis e documentos dos locais e uma proposta foi posta em discussão no STF que contesta a legalidade deste trabalho. O ministro André Mendonça, no entanto, pediu vistas do projeto.
— Não há nada de ilegal, uma vez que nós somos um serviço contratado, assim como o serviço de recolhimento de lixo, enfim, transporte público e outros serviços particulares que são feitos e fiscalizados pela própria prefeitura. Não há irregularidade, é uma contestação jurídica que nós estamos defendendo em prol do empresariado e do cidadão catarinense que quer manter o serviço de qualidade e gratuito como a gente vem fazendo aqui na nossa cidade — afirma.
Cadorin ainda reforça que, em Joinville, o trabalho dos voluntários não é apenas “apagar incêndio”, mas há toda uma questão cultural por conta da banda, que tem mais de 180 integrantes, e o projeto com os bombeiros mirins, que já capacitou mais de 6 mil jovens.
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Ele também cita que, pela terceira vez seguida, a corporação da cidade ganhou o título de Melhor Organização Não Governamental (ONG) de Santa Catarina pelo prêmio Melhores ONGs.
— Só em Santa Catarina, 60% municípios não tem bombeiro nenhum, nenhum tipo. E no Brasil é ainda pior, 80% dos municípios não tem bombeiro, depende de um caminhão vir de outra cidade. Então, esse é um modelo que não pode ser extinguído, ele precisa ser ampliado. Nós não queremos ir nas cidades onde tem militar, nós queremos ir onde não tem ninguém, esse é o nosso projeto futuro — finaliza Cadorin.
O que é o PL 4.363/01
O Projeto de Lei 4.363/01, de autoria do Poder Executivo, cria a Lei Orgânica das polícias e dos bombeiros e estabelece normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares de todo país.
O texto aprovado na Casa é um substitutivo do relator, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), e, conforme a nova versão, as corporações continuarão subordinadas aos governadores, e os detalhes da organização serão fixados em lei de iniciativa desses governantes, observadas as normas gerais do projeto e os fundamentos de organização das Forças Armadas.
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Segundo a Agência Câmara, a todo caso, caberá ao Executivo federal definir por decreto termos usados no projeto, como segurança pública, ordem pública, preservação da ordem pública, poder de polícia, polícia ostensiva, polícia de preservação da ordem pública, Defesa Civil, segurança contra incêndio, prevenção e combate a incêndio, pânico e emergência, busca, salvamento e resgate, e polícia judiciária militar.
O texto de Capitão Augusto ainda lista 37 garantias para os ocupantes desses cargos, sejam da ativa ou da reserva remunerada ou reformados (aposentados), como uso privativo dos uniformes, insígnias e distintivos; porte de arma; assistência jurídica quando acusado de prática de infração penal, civil ou administrativa decorrente do exercício da função ou em razão dela; seguro de vida e de acidentes quando vitimado no exercício da função ou em razão dela; e assistência médica, psicológica, odontológica e social para o militar e seus dependentes.
O texto fixa ainda como garantia o recebimento, pelo cônjuge ou dependente, da pensão do militar ativo, da reserva ou reformado correspondente ao posto ou patente que possuía se perdê-la, com valor proporcional ao tempo de serviço; e auxílio funeral por morte do cônjuge e do dependente.
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