Em março, no dia 8, o mundo celebra o “Dia Internacional da Mulher”. Nessa data, se você é mulher, pode ser comum que flores ou até mesmo uma caixa de chocolates façam parte da sua rotina. Porém, especialistas e lideranças feministas indicam que chegou a hora de superarmos essa lista e de oferecermos aquilo que as mulheres pedem, inclusive, desde a criação da data. Então, em 2023, é o momento de presentearmos os femininos ao nosso redor com o fim da desigualdade de gênero.
Continua depois da publicidade
Receba notícias de Santa Catarina no WhatsApp
Pode até parecer complicado oferecer esse presente para as mulheres ao seu redor. Mas, acredite, há simplicidade também. Quem explica é Cristina Wolff, pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Quando questionada sobre qual o melhor presente para a data, a estudiosa feminista foi muito objetiva: “respeito”. Palavra pequena, de apenas oito letras, com um significado compreensível pela maioria da população brasileira, e que pode facilmente ser aplicada em ações cotidianas para proporcionarmos às mulheres.
Como exemplo, a estudiosa cita três atitudes práticas para o enfrentamento da desigualdade entre gêneros. Como primeiro ponto, a pesquisadora destaca a importância da ampliação dos direitos reprodutivos para que mulheres possam, de fato, decidir se desejam ou não exercerem a maternidade, por exemplo. A segunda luta é a necessidade urgente de igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil. E por fim, ela coloca a luta contra a violência como um ponto central.
— Essas violências, principalmente os diversos assédios, seja no trabalho ou na rua, fazem com que as mulheres vivam com medo. Sempre precisam se proteger, saber aonde vão, não podem sair em qualquer horário. Isso tudo limita muito a vida das mulheres — comenta.
Continua depois da publicidade
Por que devemos incentivar meninas e mulheres na tecnologia?
Liberdade para receber qualquer presente
E se o mundo em que vivemos insiste em colocar limitações às mulheres, elas também persistem em quebrá-las. A superação dos limites no dia a dia feminino foi justamente a principal motivação para o trabalho que Jaqueline Souza Ribeiro, de 33 anos, presidente e fundadora da Associação das Mulheres Empoderadas do Monte Cristo (AMMO) executa na comunidade.
Natural do Piauí, ela chegou em Florianópolis, Santa Catarina, com cinco filhos e nenhuma rede de apoio. Quando se separou do esposo, precisou manter a renda familiar, cuidar dos filhos e ainda buscar encontrar o seu espaço mulher. Dessa luta, surgiu a associação que hoje apoia outras mulheres.
Jaqueline recebeu a reportagem do NSC Total no novo centro de tecnologia AMMO. O espaço é exemplo de como ela insiste na transformação de vida das mulheres, e da comunidade em que vive, por meio do serviço comunitário. No local, cursos de introdução à informática e ao empreendedorismo digital serão oferecidos para que as moradoras do Monte Cristo possam desenvolver novas habilidades para o mercado de trabalho.
Quando a pergunta foi sobre o presente ideal para o dia das mulheres, mais uma resposta na ponta da língua: “Liberdade”. Para Jaqueline, somente a libertação de todas as mulheres fazer com que as desigualdades possam, aos poucos, sumir.
Continua depois da publicidade
— A mulher é a estrutura de uma casa, de uma família, da construção familiar. Ela é a que gera, a que cuida. E aí, essa mulher é privada de liberdade, desde o momento em que ela nasce. Então, se fosse pra dar um presente, eu daria liberdade. A liberdade de não ser tão cobrada em uma sociedade como ela é. A mulher que não quer ter filho, é cobrada. Se quer ser empresária, é cobrada. A mulher que não quer se casar, é cobrada. Desde o momento em que ela nasce, ela é privada de ter a liberdade dela de escolher —, disse.
10 fotos marcantes para celebrar o Dia da Mulher
Para garantir a frequência “livre” de todas as alunas nos cursos, Jaqueline criou até uma espécie de “babá Uber” para as mães que querem participar. Através de um grupo em um aplicativo de mensagens, as alunas podem pedir para que outras moradoras cuidem de seus filhos enquanto estão na aula. O pedido não costuma demorar para ser atendido e a liberdade que só uma rede de apoio pode proporcionar, que um dia faltou para a vida de Jaqueline, é aplicada na realidade de todas que fazem parte da associação.
E as dificuldades enfrentadas pelas mulheres do Monte Cristo também são uma dura realidade em todo o país. No último estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os dados são preocupantes. Lançado em 2021, o levantamento aponta uma desigualdade crítica entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Enquanto mulheres representam cerca de 54% da força de trabalho do Brasil, os homens são mais de 73%. Como força de trabalho, o estudo considera as pessoas empregadas ou procurando emprego.

Para as mães, o problema é ainda maior. Mulheres que possuem crianças de até três anos de idade vivendo no mesmo lar tem menos participação no mercado trabalho, comprovando que as diferenças entre as responsabilidades de cuidar dos filhos acaba por prejudicar mais o sexo feminino. De acordo com o estudo, mães com filhos de até 3 anos são 54% da força de trabalho. Já as que não possuem, chegam a 67%.
Continua depois da publicidade
Na realidade masculina, o cenário é diferente. Os que vivem com crianças de até 3 anos registram um nível de ocupação que chega a 89%. Chega a ser superior aos que não possuem filhos, cujo percentual alcança pouco mais de 83%. Ou seja, ainda em 2023, são as mães que perdem o emprego ou possuem mais dificuldade de conseguir trabalho para que possam cuidar dos filhos. Dados que, por meio da iniciativa de Jaqueline, podem e devem ser transformado.
Poder de decisão para ir além
Na busca de incluir todos os femininos na lista de presentes do Dia da Mulher, é necessário pensar na pauta de reinvindicações de todas, todos e todes. Quem aborda essa perspectiva é a liderança do movimento feminista 8M, Scarlett Oliveira. Mulher trans, ativista social e em buscas de mais direitos para a sua comunidade, Scarlett reforça a ideia de o Dia da Mulher é um dia luta, de ir pra rua.
O presente ideal para ela vai um pouco além das palavras e parte para a concessão de serviços públicos de qualidade para as mulheres. Conforme os dados apresentados pela ativista, Santa Catarina faz parte de um ranking que não cita as comunidades LGBTQIAPN+ em seus Planos Plurianuais (PPAs). O levantamento foi divulgado em 2022 pelo instituto República.org.
A inclusão das comunidades nesse plano é importante, já que é por meio dele que a administração pública elabora as leis orçamentárias que irão refletir nos serviços públicos. Estar de fora do documento não significa a exclusão de ações, mas a inclusão é uma forma de compromisso. Por isso, podemos compreender que o presente ideal para Scarlett é justamente esse comprometimento do Estado em conceder políticas públicas.
Continua depois da publicidade
— Para combater a desigualdade social que aflige a comunidade trans em Santa Catarina, além de constar nos PPAs, precisamos que o poder público estadual e municipais faça pontes com ministérios e secretarias ligadas ao governo federal, além de outros estados mais desenvolvidos nessa pauta, para aprender com eles a avançar — analisa.
O avanço de políticas públicas desejado pela ativista pode ser implementado, por outro lado, por quem executa a política no seu dia a dia. Esse é o caso das deputadas estaduais Luciane Carminatti (PT) e Paulinha (Podemos), integrantes da Bancada Feminina da Assembleias Legislativa de Santa Catarina (Alesc). Juntas, independente das visões e particularidades políticas, as deputadas possuem a missão de elaborar projetos de lei que possam conceder mais igualdade entre homens e mulheres, o presente mais desejado no 8 de março e também nos outros dias
Embora não tenham respondido os questionamentos da reportagem juntas, ambas as deputadas citaram o “respeito” como o presente a ser destacado na lista do 8 de março. Para Luciane, somente o respeito garante que as mulheres executem o seu jeito de viver, independente da escolha. Com respeito, na visão da deputada, é possível que o feminino se encontro no mundo sem as condições de inferioridades que são impostas pela sociedade machista em que vivemos.
A deputada ainda faz uma reflexão sobre os presentes recebidos no dia dedicado às mulheres. O viés consumista da data, na visão da política, pode expor uma análise ainda mais profunda sobre o que os símbolos através dos presentes podem representar.
Continua depois da publicidade
— A meu ver, o problema do viés consumista não são as coisas materiais em si, mas que elas reforcem as condições impostas e inferiores e que se fique nelas. Por exemplo, quando o dia da mulher tem entrega de flores associando-nos às ideias de beleza e fragilidade e, ainda, sem qualquer reflexão e debate sobre as injustiças de gênero que a sociedade precisa superar — , disse.
Os presentes em si, já para a deputada Paulinha, até podem representar o gesto genuíno de homenagem, de carinho, de atenção. Porém, o gesto não pode parar por aí. Afinal, uma rosa ou um chocolate não irão mudar o contexto, por vezes muito violento, em que as mulheres estão inseridas. Paulinha ainda apresenta uma nova perspectiva para a luta contra a violência: o embate que precisamos fazer contra a violência psicológica.
— Infelizmente, a luta mais importante é a luta contra violência. Não só a violência física, que essa é visceral, direta. Mas a gente tem colhido um número grande de relatos de violência psicológica, que está consumindo a alma das mulheres de uma forma avassaladora —, analisou.
Para avançar nas políticas públicas para as mulheres, ambas decidiram integrar a bancada feminina e estabelecer um grupo de trabalho focado nessa área. Recentemente, Paulinha fez mais um avanço. Integrante da atual Mesa Diretora da Alesc, a deputada fez história na representação feminina como 1ª secretária. A última mulher a integrar um cargo na Mesa foi Antonieta de Barros, em 1937.
Continua depois da publicidade
Ou seja, o parlamento de Santa Catarina demorou 86 anos – sim, mais de 8 décadas – para ter uma mulher na administração da Casa. Agora, como representante, Paulinha afirma querer continuar o legado de Antonieta, a primeira mulher eleita a um cargo no Estado e uma das primeiras de todo o país.
Leia também
O que aconteceu em 8 de março de 1857? Saiba a origem do Dia da Mulher