Diversos fatores, alguns previsíveis, outros nem tanto, convergiram para causar a brusca redução nos incentivos recebidos pelos atletas. Há o ineditismo de uma Olimpíada em casa que, historicamente, atrai investimentos recordes para o país-sede – e não se sustentam após o evento. O primeiro ano do ciclo olímpico é, geralmente, mais afetado pelas turbulências financeiras. Contribuiu também a forte crise econômica do Brasil, que começou a tirar dinheiro dos atletas antes mesmo da cerimônia de abertura no Rio.
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– É comum que o primeiro ano do ciclo seja de rearrumar a casa, olhar para trás para analisar o que deu certo e errado – afirma Agberto Guimarães, novo diretor executivo do Comitê Olímpico do Brasil (COB) – Nós não contávamos, no Brasil, que a gente iria viver um momento de dificuldades econômicas e, também, de problemas que não têm a ver com o esporte, mas que acabam impactando. O esporte é das áreas mais afetadas quando há qualquer sinal de crise – completa.
A falta de dinheiro repercutiu, inclusive, na estrutura física deixada pela Olimpíada. Recentemente, reportagens do jornal o Globo e da TV Globo mostraram o Parque Olímpico da Barra da Tijuca com sinais de abandono, como uma área de piscina com água suja acumulada.
Agberto diz encarar com naturalidade o período difícil. Tem se reunido com dirigentes das confederações de cada modalidade, de modo a entender como planejam atravessar a preparação para Tóquio sem as mesmas condições do último ciclo. Na pauta dos encontros está, também, o novo critério para distribuição das verbas da Lei Agnelo/Piva.
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O COB formulou um cálculo baseado em 10 critérios – a maior parte ligada ao desempenho esportivo – para definir quanto cada modalidade ganha. A tendência é de que esportes com grandes resultados no passado recente tenham mais dinheiro à disposição.
A Lei, que vigora desde 2001 e destina ao esporte 2% da arrecadação bruta das loterias federais, ajudou o Brasil a mudar de patamar no quadro de medalhas: antes de entrar em vigor, o país só havia conquistado 10 ou mais medalhas em duas edições dos Jogos. Depois, garantiu no mínimo uma dezena em todas as Olimpíadas. A crise comeu uma fatia importante dos recursos. Em 2016, foram repassados R$ 98 milhões às confederações, valor que caiu, por conta da menor arrecadação do ano passado, para R$ 85 milhões.
No Ministério do Esporte, há otimismo com o orçamento previsto de R$ 588 milhões para 2017 e a manutenção de programas como o Bolsa Atleta e o Bolsa Pódio, que pareciam fadados ao fim após a Olimpíada. A pasta reconhece que pode haver atrasos nos pagamentos, mas lembra que as bolsas devem ser vistas como auxílio, e não como principal fonte de remuneração. Ao mesmo tempo, reúne-se com estatais que deixaram de investir para buscar a recuperação desses recursos.
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– O esporte ficou extremamente dependente do dinheiro público. Hoje a gente tem seis fontes abastecendo o esporte de alto rendimento: a Lei Agnelo/Piva, a Lei de Incentivo ao Esporte, o Bolsa Atleta, convênios com o Ministério, patrocínio de empresas estatais e as Forças Armadas. O Brasil é um dos países que mais investem dinheiro público na preparação dos atletas – analisa Luiz Lima, secretário de alto rendimento do Ministério do Esporte.
Lima destaca que houve um desconforto entre os atletas provocado por uma lei de 2015 que inclui os beneficiários do programa como contribuintes da previdência. Quando começou a ser aplicada, já no início deste ano, 20% da remuneração passou a ser retido na fonte. Os atletas foram surpreendidos com a ¿mordida¿ e protestaram.
O secretário critica ainda a inércia de algumas confederações na busca por investimentos da iniciativa privada:
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– Em razão deste vício de dependência do poder público, temos várias confederações que não souberam aprimorar a venda do seu próprio produto.
Com o objetivo de angariar maior apoio das empresas, a Lei do Incentivo ao Esporte foi criada em 2006. Ela permite a corporações ou pessoas físicas investirem no esporte parte do que pagariam de imposto de renda. No caso de pessoas jurídicas, podem investir até 1% do valor dos tributos, enquanto o patamar para pessoas físicas é de 6%.
O deputado federal João Derly (Rede-RS) é um dos ferrenhos defensores da legislação. Ano passado, apresentou projeto para aumentar as alíquotas de isenção, de 1% para 3% para empresas, e de 6% para 9% para pessoas físicas. Sua intenção é solucionar a principal dificuldade da Lei: captar, junto às corporações, o teto previsto de R$ 400 milhões anuais em recursos.
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Em 2014, a LIE chegou ao pico de captação junto à iniciativa privada. No ano seguinte, mesmo às vésperas da Olimpíada, os valores caíram. A crise havia chegado e, para os empresários, investir no esporte tornou-se um luxo, mesmo com as vantagens fiscais.
Além dessa dificuldade, Derly aponta outro problema da LIE: a má distribuição geográfica dos recursos.
– Temos de estudar uma forma de democratizar mais. Talvez a solução seja a obrigatoriedade de investir em outros locais. A região norte é assistida com apenas 1% da Lei de Incentivo. No Sudeste, ficam 81% dos recursos – afirma o parlamentar, que explica que o motivo para a discrepância está na maior presença de empresas em Estados como São Paulo, o que facilita a busca de parceiros.
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Em paralelo à discussão para incrementar as formas já existentes de financiamento, há o debate sobre o sistema de esportes do Brasil. Enquanto potências como Estados Unidos e França têm uma linha de trabalho bem definida – os americanos com investimento privado e foco nos colégios e universidades, os franceses com forte apoio estatal -, os brasileiros ¿passam o chapéu¿. Juntam um dinheiro de patrocinadores, aprovam legislação para garantir algum recurso do Estado e, assim, garantem uma estrutura mínima. A falta de um caminho claro a seguir contribui para a oscilação nos investimentos.
– Este é um ponto importante. Somos totalmente desorganizados quando falamos no longo prazo. Vivemos de planos que funcionam por um tempo. A gente não pensa muito no futuro. A falta de sistematização e planificação faz a gente pecar demais. Essa questão, de um Sistema Nacional de Esportes, nós estamos debatendo junto com atletas, ex-atletas e várias entidades. Acho que, se conseguirmos organizar isso um pouco melhor, teremos um ganho. Mas é algo que tem consequências lá adiante, não agora – conclui Derly.
MESMO AS EXCEÇÕES
VEEM QUADRO DIFÍCIL
Caio Bonfim, Diogo Hubner e Érika Miranda são as três exceções entre os entrevistados por ZH: não tiveram perdas em apoios e patrocínios. A manutenção da estrutura que os levou até o Rio não significa que estejam livres de dificuldades.
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Quarto colocado nos 20km da marcha atlética dos Jogos do Rio, Caio recebe o Bolsa Atleta, do governo federal (o teto de remuneração do programa é de R$ 3,1 mil), e um auxílio de um patrocinador de material esportivo. O clube em que treina, em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília, tem apoio da Caixa Econômica Federal.
– Comigo não houve cortes, o que não significa que recebo bem. Ganho mal para um atleta que já foi quarto colocado em uma Olimpíada. Investimos tudo até os Jogos. Agora, 2016 acabou e sobrevive no esporte quem tiver coragem – reclama.
Caio segue em busca de patrocinadores pessoais e para seu clube, mas desanima quando vê que até medalhistas olímpicos sofrem para incrementar sua rede de auxílios.
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– Temos uma ótima justificativa que é a crise, não? Se congelam gastos na educação, imagina no esporte – alfineta.
Érika Miranda talvez seja a menos impactada entre os atletas ouvidos por ZH. Três vezes medalhista em Mundiais, a judoca recém foi anunciada como novo reforço da equipe da Sogipa. Além do apoio do clube, conta com o Bolsa Pódio e o auxílio das Forças Armadas. Ainda assim, reconhece as dificuldades de muitos de seus pares:
– Estamos em um momento crítico, não só do esporte, mas também do país. Foi feito um esforço muito grande até o Rio. Vai haver uma queda nesse pós-Olimpíada. Só espero que isso não prejudique o esporte. É importante manter a continuidade.
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Diogo disputou o handebol nos Jogos do Rio. Após a Olimpíada, deu por acabada sua trajetória na seleção, o que tirou de seu orçamento auxílios pontuais que recebia nas convocações. Os cortes, porém, foram por opção própria. Em 2017, resolveu mudar de clube e se transferiu para o Pinheiros, mantendo o patamar de remuneração da antiga equipe. Se tivesse ficado no São Caetano, seria surpreendido por uma notícia nada agradável: o time, um dos principais do país, encerrou suas atividades.
– O apoio é cada vez pior. Se investiu muito na pré-Olimpíada. As seleções tiveram um amparo muito grande, mas para os clubes, que lapidam os atletas até chegarem à seleção, o suporte é quase nenhum – critica.