Anunciada como a refundação do capitalismo, a reunião de cúpula do G-20, que ocorre hoje, convocada pelos Estados Unidos, reúne os países mais ricos e os principais emergentes. O primeiro encontro de cúpula do grupo – até agora só havia instância ministerial – foi precedido tanto por intensa expectativa quanto por forte ceticismo. Com recessão na Europa e nos EUA, líderes de 42 países têm o desafio de adotar medidas efetivas de combate à crise e, ao mesmo tempo, lançar as bases para a reestruturação do sistema financeiro global.

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As conversas começaram ontem à noite, no jantar oferecido pelo anfitrião, George W. Bush, que disse apoiar mais regulação. Existe o risco de não haver efeito prático imediato, mas um molde para redesenhar o futuro. Confira seis motivos de prestar atenção a esse fórum que representa cerca de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta.

1 Novo Bretton Woods

Essa comparação só será possível se os líderes forem capazes de fundar as bases de um novo sistema financeiro mundial. Afinal, Bretton Woods foi o local do acordo histórico que formatou a economia do pós-guerra, em 1944 – criando o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O que fazer com o atual FMI, aliás, é um dos assuntos do encontro – pois o organismo não foi capaz de antever crises e não tem poder suficiente para lidar com a turbulência.

O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, admitiu ontem que as ações coordenadas até agora não foram suficientes para solucionar a crise. Há expectativa da criação de um novo órgão de supervisão das instituições financeiras globais. Chamado de “colégio de supervisores”, esse xerife planetário deverá unir reguladores internacionais para coordenar a supervisão das 30 maiores instituições financeiras. Também ontem o presidente George W. Bush disse que é essencial reformar o sistema, mas avisou que rejeita um banco central com atuação planetária.

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2 Palco das vaidades

Ok, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não estará presente. Mesmo assim, há candidatos para disputar a atenção da mídia. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, já avisou que deseja firmar um acordo para iniciar amplas reformas com prazo de cem dias. Com o currículo de ter oferecido um rumo em meio a turbulência, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, cobra a reforma de organismos como FMI e Banco Mundial. Já a argentina Cristina Kirchner avisou que vai defender os interesses da América Latina – resta saber se o continente tem uma posição única sem conflitos.

3 Ausente muito presente

O presidente eleito Barack Obama não estará na reunião, mas os participantes do encontro querem se reunir com os dois emissários que indicou: a ex-secretária de Estado Madeleine Albright e o ex-legislador republicano Jim Leach.

Será também a última oportunidade para ver Bush como anfitrião e como líder da maior potência econômica e militar do mundo. Afinal, está de saída. Não por acaso, já há uma nova reunião do G-20 marcada para fevereiro ou março, possivelmente na Grã-Bretanha, quando Obama estará na presidência dos EUA.

4 Ascensão dos emergentes

A cúpula deverá dar o primeiro passo para a integração dos países emergentes na nova ordem mundial. Existe consenso de que essas nações precisam ter mais influência nas decisões globais, refletindo o poder econômico que ganharam nos últimos anos.

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– A crise nos países desenvolvidos aumenta o apelo para que os emergentes tenham mais presença nas decisões, até porque a Ásia e o Oriente Médio são vistos como parte da solução pelo tamanho de suas economias – avalia Francisco Panizza, professor da London School of Economics.

Esse ganho de poder, alertam os especialistas, também terá seu preço. Os emergentes serão convidados a contribuir mais para o resgate da crise econômica.

5 Lula: mais gastos e menos juros

É a chance de ver como Luiz Inácio Lula da Silva se comporta diante da possibilidade de ter maior espaço político numa nova ordem internacional. Fiel ao seu pragmatismo, já alertou que não espera muito do fórum e decidiu ontem investir em reuniões bilaterais, como com o britânico Gordon Brown e o japonês Taro Aso.

Nos encontros, um consenso é a necessidade de sintonia internacional na definição de políticas fiscais e monetárias, como mais gasto público e menos juros, disse ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O Brasil está hoje na presidência do G-20.

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6 E o emprego?

Será a oportunidade de ver se os empregos, que estão sendo cortados aos milhares desde o agravamento da turbulência financeira, ganharão espaço nos debates.

Como afeta sua vida

Por Lúcia Ritzel

Não é pelo fato de que o encontro ocorre em Washington e reúne nomes familiares apenas pelas manchetes que a cúpula do G-20 deixará de mexer com o bolso de todos os cidadãos, inclusive o seu.

Pode não ser na próxima semana ou no mês que vem, mas em algum momento as decisões deste fim de semana – ou a ausência de iniciativas – terão reflexos no cotidiano de todos.

Como demonstram as férias coletivas da General Motors (GM) em Gravataí, a suspensão dos projetos de produção de celulose na Metade Sul, as demissões nas financeiras locais, os juros mais altos dos financiamentos nas concessionárias e nas lojas de eletrodomésticos, o Rio Grande do Sul sente o impacto da crise.

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A unidade da GM de Gravataí, por exemplo, fixou 19 dias úteis de férias coletivas nas linhas de produção em novembro para reduzir os estoques de veículos no pátio.

Agora que os principais líderes mundiais estão dispostos a agir conjuntamente e a encaminhar medidas capazes de reequilibrar o eixo da economia internacional, é provável que também haverá conseqüências boas ou ruins para empresas e trabalhadores gaúchos, ainda que leve tempo.

Por isso, a recessão nos Estados Unidos e na Europa também é um problema gaúcho. Os países que integram a União Européia (UE) compraram 19,2% de tudo que o Estado vendeu ao Exterior de janeiro a outubro deste ano. Se as companhias européias diminuírem as compras das gaúchas, as empresas locais produzirão menos e os trabalhadores locais ficarão mais ociosos, correndo mais riscos de ficar sem emprego.

Caso os líderes tomem decisões que ajudem a revitalizar as economias dos países ricos, os mais abalados pela crise até agora, poderão também estar ajudando a salvar vagas no Brasil.

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