Mãe, filha, irmã, amiga, trabalhadora e alegre. Essas são algumas palavras que definem Eveline Schmitz. Ela, porém, ainda queria ser muito mais. Tinha sonhos, desejava abrir um salão de beleza, criar os filhos e vê-los crescer. Mas não poderá. Ela teve a vida interrompida aos 38 anos ao ser morta pelo próprio companheiro em Blumenau.
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— Ela tinha muitos sonhos, sempre pensava nos filhos, queria dar o melhor a eles sempre. Ela ia abrir o salão de beleza dela, me convidou para ir junto. Sempre uma mulher batalhadora, guerreira, trabalhadora, honesta. Qualquer desafio ela ia com garras e dentes — conta Ingrid Schmitz, irmã quase 20 anos mais nova que Eveline.
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A diferença de idade não impedia a relação de amor e carinho entre elas. A caçula conta que a mais velha era a confidente, que desabafavam juntas e compartilhavam os momentos bons e difíceis da vida.
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— Ela é minha metade para sempre. Estou sem chão.
Além dos três filhos, Eveline também era considerada uma mãe por Kathryn dos Santos Ricardo, que é meia-irmã do filho mais velho de Eveline. O apoio e cuidado instigaram a admiração.
— Ela era uma mulher incrível, guerreira, independente. Desde quando a conheci aprendi muito com ela e a tinha como uma mãe. Ela era uma pessoa que transmitia alegria onde chegasse. Por mais que houvesse problemas, ela sempre dizia que havia solução — lembra Kathryn.
O jeito carinhoso de Eveline era evidente. Por isso, nos dias que antecederam a morte, Ingrid sentiu um estranho afastamento da irmã, que respondia com poucas palavras. Ela não sabe dizer se era apenas a correria do dia a dia ou se o companheiro de Eveline, preso em flagrante pelo assassinato, tinha proibido que ela falasse com a caçula.
A mais nova não via o relacionamento com bons olhos. A irmã e o homem ficaram juntos por cerca de 4 anos, mas sempre com interrupções. Ingrid conta que Eveline era agredida e que a família já havia pedido que terminassem.
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— Ele agredia ela quando estava grávida. Ela dormia comigo no colchão no chão para não ter contato com ele, contava que mandava ele embora, porém não ia, falava que tinha direito nas coisas dela, sabendo que ela conquistou tudo o que tinha antes de conhecê-lo. Queria tirar a guarda das crianças — afirma Ingrid.
Kathryn também reforça que o companheiro de Eveline era agressivo com ela e, inclusive, já havia sido mandado embora pela esposa. Ele, porém, não aceitava e, de acordo com a amiga, usou os filhos como desculpa para as reaproximações e voltas ao relacionamento.
O ciclo de violência psicológica e física imposto pelo marido teve fim de forma trágica. No último dia 5 de março, ele tirou a vida de Eveline, dentro de casa e na frente dos filhos pequenos de um e quatro anos.
— Minha sobrinha e afilhada de 4 anos faz muitas perguntas: “Por que o papai fez aquilo com a mamãe?”. Falamos que a mamãe virou uma estrelinha que está brilhando lá no céu.
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Feminicídios em sequência
No mesmo dia em que Eveline foi morta, outras três mulheres também foram vítimas de feminicídios em Santa Catarina. Somente este ano, que nem chega a três meses completos, já são 15 vítimas. Joinville e Blumenau são as cidades que mais registram mortes de mulheres, com três e dois casos, respectivamente.
Também na região do Vale do Itajaí, Eunice Bertoldi, chamada apenas de Nice, era uma dessas mulheres. As amigas lembram que Nice iluminava o ambiente com sua alegria.
— Ela saía com a gente para festas, coisas assim, só alegria, só riso, só coisas bacanas. Assim, era uma mulher contente, uma mulher alegre e brincalhona — lembra a amiga Maria de Lourdes Poffo.
Danieli dos Santos Cidral, recorda os sonhos que a amiga tinha, que gostava de dirigir e, assim como Eveline, era uma mãe dedicada.
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— Como amiga era presente, conselheira, querida por todos. Não tinha tristeza onde ela chegava. Jamais esquecerei o sorriso. Sobre sonhos, era dirigir o caminhão, inclusive ela já estava fazendo as pequenas viagens dela. No dia a dia era corrido com a profissão, ter filhos, ser mãe e dona de casa — recorda Danieli.
Nice também teve a vida e sonhos interrompidos pelo próprio companheiro com quem tinha um relacionamento há pouco mais de um ano. Assim como no caso de Eveline, o homem já tinha um histórico violento. Maria lembra que ele era grosseiro com a mulher e a ofendia, não só entre quatro paredes, mas na presença de outras pessoas. Além das palavras, a amiga Danieli conta que Nice já havia relatado que sofria agressões.
— Nunca gostei dele. A gente cansou de falar para ela para não ficar com ele, só que eu acho que ele já estava ameaçando os filhos dela, por isso ela continuava com ele — afirma Maria.
A violência deixou marcas na alma de Nice e nem mesmo o semblante não era igual, recordam as colegas. A amiga Maria lembra que era visível o mal que o homem fazia para a companheira.
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— Ela sempre foi uma mulher alegre, mas desde que estava com ele, ela se transformou, não se cuidava mais, se ela se ajeitava um pouco, ele brigava, queria ela toda relaxada. Ela estava totalmente ao avesso do que ela era — diz a amiga.
Em janeiro deste ano, Nice foi assassinada. O homem atirou contra a mulher enquanto ela estava no chuveiro. Após o crime, o marido e suspeito do crime teria ligado para o irmão, confessado o assassinato e pedido que ligasse para o 190. Ele foi preso pelo feminicídio.
Famílias pedem por justiça
— Tenho certeza que o que mais vou me lembrar dela é a mãe maravilhosa que ela era, que apesar de todas as dificuldades que temos na vida ela criou o filho mais velho praticamente sozinha e infelizmente não pode terminar de criar seus dois filhos mais novos. Daqui para frente espero que haja justiça, para que os filhos dela possam crescer tranquilos — diz Kathryn.
Com o coração partido, Ingrid quer ser força pela irmã Eveline e defendê-la mesmo após a morte.
— Espero que a justiça seja feita. Mas a justiça de Deus não falha e ele vai pagar, eu tenho certeza disso. Ela não está mais aqui para se defender, mas eu estou em nome dela. Ele não tinha esse direito, tirar a vida de uma pessoa que nunca fez mal para ninguém, a mãe dos filhos dele.
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As amigas de Nice também clamam por justiça. Maria espera que o homem seja julgado e permaneça preso. Danieli também pede proteção para que outras mulheres não sejam vítimas.
— Até quando?
Quem são as mulheres vítimas do feminicídio
Conforme dados da Polícia Civil, a maior parte das vítimas dos feminicídios que ocorreram neste ano tem idade entre 35 e 59 anos, possui o ensino médio completo e é branca. Das 15 mulheres mortas, três moravam em Joinville, duas em Blumenau e as outras em Chapecó, Balneário Camboriú, Itapema, Araranguá, Gaspar, Içara, Araquari, Dona Emma, Balneário Rincão e Ponte Alta do Norte.
Por outro lado, há menos ocorrências de mortes entre mulheres com 25 a 34 anos e com ensino superior. Segundo o delegado-geral Ulisses Gabriel, há uma maior conscientização e independência financeira maior, portanto, as mulheres não ficam reféns dos companheiros devido à necessidade financeira e sobrevivência.
— Identificamos que as mulheres ficam com esses indivíduos por questão financeira, vergonha de estarem separadas. E hoje é uma cultura que estamos conseguindo reverter — cita o delegado.
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