As crianças brincam despreocupadas pela sala de espera, enquanto a dona de casa Maria Helena Lopes de Lima, 32 anos, respira aliviada ao ver a tranquilidade dos filhos. Nos últimos 14 anos, a sala de espera do hospital é sua segunda casa. Praticamente todas as semanas ela percorre o caminho de 28 quilômetros que separa Samambaia Norte, onde mora, do hospital onde dois de seus seis filhos fazem o acompanhamento da anemia falciforme – doença que não tem cura e atinge cerca de 2 mil pessoas só no Distrito Federal.

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Depois de dois filhos saudáveis, o teste do pezinho feito no terceiro, Felipe, hoje com 14 anos, acusou que ele era portador da doença. O mal tem origem genética e se manifesta em cerca de 1% de todos os bebês que nascem no Brasil. Dois anos mais tarde, veio Sthefane, hoje com 12. Mais uma vez, o mesmo diagnóstico.

– Depois dela, eu ainda tive mais dois, mas graças a Deus eles nasceram sem a doença – conta a mãe.

O marido, desempregado, não pode acompanhá-la. Fica em Samambaia, fazendo pequenos trabalhos para ajudar a complementar o benefício que os filhos recebem do INSS. Quando Felipe e Sthefane nasceram, Maria teve que deixar o emprego de garçonete para se dedicar integralmente aos filhos.

– Eles ficavam mais no hospital do que em casa. Se já é difícil cuidar de uma criança doente, imagina quando são dois, como é o meu caso – conta a mãe. – Difícil mesmo é quando eles têm as crises de dor. Se pudesse, sentiria a dor no lugar deles.

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A dor a que ela se refere são as crises de vasoclusão comuns à pacientes com a doença.

Histórias como a de Maria Helena são comuns. Uma pesquisa do chefe do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, Cristiano Guedes, mostra que mães de crianças com anemia falciforme têm papel importante no sucesso do tratamento, mas, por terem que se dedicar totalmente aos filhos, acabam desamparadas pelo Estado.

– São essas mães que viabilizam o tratamento, cuidam para que os filhos tenham o melhor atendimento possível. O problema é que, na maioria dos casos, elas não recebem nenhuma ajuda psicológica ou econômica dos governos – conta o pesquisador.

A doença permanece silenciosa nos primeiros meses de vida da criança. É por volta dos seis meses que as primeiras crises acontecem. No entanto, o tratamento deve começar antes que os sintomas apareçam. É aí que as mães têm que superar o primeiro obstáculo: o descaso.

– Muitas vezes, elas têm que convencer a família de que a criança precisa de tratamento. Antes que a primeira crise aconteça, é comum elas terem que lidar com pessoas que negam que a criança realmente tenha o problema – explica Guedes.

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Diagnóstico

? A principal forma de se detectar a presença da anemia falciforme logo após o nascimento da criança é por meio do teste do pezinho, que deve estar disponível em toda a rede pública de saúde de todo o país. Nele, é possível saber se a criança tem o traço falciforme, que não necessariamente indica que a criança tenha a doença.

? Com o traço, a criança tem 25% de chance de ter a doença, mas, caso isso não aconteça, ela leva uma vida completamente normal, explica a diretora do Hemocentro do Rio de Janeiro, Clarisse Lobo.

? O Ministério da Saúde mantém o Programa Nacional de Triagem Neonatal, que é responsável por manter uma base de dados únicas sobre a ocorrência de anemia falciforme e das outras doenças detectadas pelo teste do pezinho.

O que é

? A anemia falciforme resulta de uma alteração genética, que implica na presença de um tipo anormal de hemoglobina. Com isso, as hemácias adquirem a forma de foice (daí o nome, falciforme). Isso dificulta a circulação dos glóbulos vermelhos, provocando a obstrução vascular.

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Sintomas

? O principal sintoma da anemia falciforme são as crises de dor, que podem durar de quatro a seis dias. Outras sinais são a icterícia (quando a urina fica escura e o branco dos olhos amarelado), infecções, febre e anemia.