A execução de um brasileiro condenado por tráfico de drogas na Indonésia mobilizou o Brasil na semana passada. Motivou debates acalorados nas redes sociais, extensa cobertura da imprensa e até telefonemas da presidente Dilma Rousseff ao país asiático, em busca de clemência para o compatriota.

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O fuzilamento de Marco Archer, aos 53 anos, legou ainda um tema para debate: por que tantas outras mortes, ocorridas em solo brasileiro, não despertam interesse social ou político equivalente? A cada hora, seis brasileiros são assassinados. Isso totalizou, segundo a publicação oficial Mapa da Violência, 56,3 mil vítimas em 2012, período mais recente com dados disponíveis. É como se a população de um município do porte de Taquara, no Vale do Paranhana, fosse dizimada a cada ano. Exceto casos esporádicos, que chamaram a atenção por algum detalhe de crueldade, essa multidão foi enterrada sem grande alarde.

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O perfil da maioria das vítimas cotidianas pode explicar em parte o silêncio seletivo: 53% dos crimes tiveram como alvo jovens negros, de 15 a 29 anos, geralmente moradores de periferias distantes.

– É um número altíssimo, que tem começado a chamar mais a atenção. Parte da justificativa para ter sido tratado como uma questão secundária são a nossa desigualdade social e a percepção de que há indivíduos que são considerados subcidadãos, sem nem mesmo direito à vida. Quando a polícia é cobrada, a justificativa é de que são bandidos matando bandidos ou mortes ligadas ao tráfico – avalia o professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da PUCRS Rodrigo de Azevedo.

O fato de os assassinatos serem frequentes, segundo o psicanalista Robson de Freitas Pereira, dilui seu impacto no imaginário e confirma a frase atribuída ao ditador Josef Stalin de que “a morte de uma pessoa é uma tragédia. A de milhões, uma estatística.”

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Já o caso de Marco Archer, segundo Azevedo, tornou-se ainda mais notório por ter sido a primeira vez em que um brasileiro foi morto a mando do Estado em tempo de paz e pelo fato de a punição ter como alvo um homem de classe média.

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– O debate ganhou força também porque o brasileiro foi punido com a morte pelo crime de tráfico, que é um tema sempre polêmico e envolve a discussão sobre a descriminalização das drogas – complementa.

Nas redes sociais, as opiniões se dividiram em relação à justiça da pena de morte – tema, por si só, polêmico. Alguns aproveitaram a oportunidade para condenar no Twitter esse tipo de punição. Um internauta escreveu: “Morte com dia e hora marcados. Até que ponto a humanidade chegou. Perdoa, Pai”. Outros apoiaram o castigo: “Me desculpem os defensores dos direitos humanos de plantão, mas eu não estou com pena do Marco Archer”, registrou uma mulher.

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A tentativa da presidente Dilma de reverter o fuzilamento também virou motivo de discussões. A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cristina Pecequilo sustenta que esse tipo de procedimento é normal quando um país onde não existe a pena capital tem um cidadão à espera da morte em outra nação.

– A maioria dos países no Ocidente é signatária de convenções que proíbem a pena de morte, e se manifestam quando um cidadão seu é condenado – diz.

A defesa dos direitos humanos, assim como a preocupação com as questões ambientais, é um dos temas que pautam os posicionamentos internacionais do Brasil. Mas os números mostram que há um duro dever de casa a ser cumprido dentro do próprio país.

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A VIOLÊNCIA COTIDIANA

Homicídios no Brasil

A cada hora, pelo menos seis brasileiros são assassinados

2002 49.695

2003 51.043

2004 48.374

2005 47.578

2006 49.145

2007 47.707

2008 50.113

2009 51.434

2010 52.260

2011 52.198

2012 56.337

Ranking internacional

O Brasil é o sétimo país mais violento do mundo

País Taxa de homicídios (por cem mil hab.)

1 El Salvador 62,4

2 Guatemala 46,4

3 Trinidad e Tobago 46,1

4 Colômbia 45

5 Venezuela 36,9

6 Guadalupe (ilha no Caribe) 29,3

7 BRASIL 27,4

8 Belize 27,3

9 Porto Rico 25,7

10 Bahamas 24,9

Fonte: Mapa da Violência 2014