
*Por Reed Abelson
No início, Kristina Hartman adiou a consulta médica devido à preocupação com o coronavírus. Mas, então, acabou perdendo o emprego de administradora em uma fábrica de caminhões em McKinney, no Texas.
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Ela ainda tem seguro-saúde, mas teme não ter cobertura além de julho, quando estará oficialmente desempregada. “Começou como um medo total de ir ao médico. Definitivamente, estou evitando consultas”, disse ela.
Hartman, de 58 anos, faltou a uma consulta regular com seu médico renal e atrasou a ida ao endocrinologista para acompanhar alguns resultados anormais de exames.
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Hospitais e médicos nos Estados Unidos dizem que muitos pacientes ainda estão evitando seus serviços por medo de contágio – especialmente com o aumento de novos casos –, mas os americanos que perderam o emprego ou que tiveram uma queda significativa na renda durante a pandemia estão agora citando os custos como a principal razão pela qual não procuram os serviços de saúde de que precisam.
“Estamos vendo o efeito da pressão financeira. Isso é uma preocupação real”, comentou o dr. Bijoy Telivala, especialista em câncer em Jacksonville, na Flórida, explicando que as pessoas avaliam a opção entre alimentação e necessidade de tratamento. “Você não quer ver uma criança de 5 anos passando fome.”
Entre aqueles que adiaram o atendimento, segundo o médico, estava um paciente com câncer metastático que foi demitido durante a quimioterapia. Ele planeja parar o tratamento enquanto resolve o que fazer quando sua cobertura de seguro-saúde terminar em algumas semanas.
Os riscos nesta crise – possível infecção e custo do tratamento médico – se tornaram uma realidade assustadora para os milhões de trabalhadores que foram dispensados, demitidos ou pegos em dificuldade econômica. Ela ecoa o cenário existente após a recessão de 2008, quando milhões de americanos ficaram desempregados e não conseguiam sequer pagar por consultas de rotina, nem para si próprios nem para os filhos.
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O horário de expediente de Almon Castor diminuiu. Ele trabalha há cerca de um mês em um armazém de distribuição de aço em Houston. Preocupado com a possibilidade de o dentista não estar tomando todas as precauções necessárias, ele adiava um tratamento de canal.
Mas a despesa acabou sendo grande demais. Ele também trabalha como músico. “Não é viável pagar por procedimentos com a diminuição das horas de trabalho”, disse ele.
Quase metade de todos os americanos diz que eles, ou alguém com quem convivem, adiaram tratamentos desde a chegada do coronavírus, de acordo com uma pesquisa realizada no mês passado pela Kaiser Family Foundation. A maioria desses indivíduos espera receber atendimento nos próximos três meses, mas cerca de um terço declarou que planejava esperar mais ou cancelar tudo definitivamente.
Embora a pesquisa não tenha perguntado às pessoas por que estavam adiando o tratamento, há amplas evidências de que as contas médicas podem ser um impedimento poderoso.
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“Historicamente, sempre vimos grandes parcelas da população que adiam o atendimento por razões de custo”, disse Liz Hamel, diretora de opinião pública e pesquisa da Kaiser.
“Assim como a Grande Recessão levou as pessoas a buscar menos cuidados hospitalares, a atual crise provavelmente terá um impacto significativo. Esta é uma grande recessão econômica. Vai haver um efeito na demanda por cuidados de saúde”, afirmou Sara Collins, executiva do Commonwealth Fund, que estuda o acesso a tratamentos.
“A incapacidade de prestar assistência vai ser uma grande questão daqui para a frente”, comentou Chas Roades, cofundador do Gist Healthcare, que aconselha médicos e hospitais. Executivos hospitalares acreditam que seu volume de pacientes vai permanecer cerca de 20 por cento menor do que antes da pandemia.
“Vai ser uma retomada difícil”, disse o dr. Gary LeRoy, médico em Dayton, Ohio, que é presidente da Academia Americana de Médicos de Família. Alguns de seus pacientes voltaram, mas outros preferem se manter afastados.
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Mas as consequências desses atrasos podem ser preocupantes. Em uma análise recente do declínio acentuado das visitas de emergência durante a pandemia, funcionários do Centro de Controle e Prevenção de Doenças observaram que havia sinais preocupantes de que as pessoas que tiveram ataques cardíacos esperaram que suas condições piorassem antes de ir ao hospital.
Sem renda, muita gente sente que não tem escolha. Thomas Chapman parou de receber salário em março e acabou perdendo seu emprego como diretor de vendas. Mesmo com pressão alta e diabetes, Chapman, de 64 anos, não comprou seus remédios receitados por dois meses. “Parei de tomá-los quando não podia mais pagar”, disse ele.

Depois que suas pernas começaram a inchar e ele começou a se sentir “muito, muito letárgico”, entrou em contato com seu médico na Catalyst Health Network, um grupo de médicos de tratamento primário no Texas, para perguntar sobre alternativas mais baratas. Um farmacêutico ajudou, mas Chapman não tem mais seguro, e não tem certeza do que fará até que seja elegível para o Medicare ainda este ano.
“Estamos todos tendo essas conversas diariamente”, disse o dr. Christopher Crow, presidente da Catalyst, que afirmou que a situação foi particularmente difícil em estados que não expandiram o Medicaid, como o Texas. Enquanto alguns dos desempregados se qualificam para a cobertura sob a Lei de Cuidados Acessíveis, eles podem cair na lacuna de cobertura, em que não recebem subsídios para ajudá-los no pagamento.
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Mesmo aqueles que não estão preocupados em perder seu seguro têm medo de grandes contas médicas, dada a agressividade com a qual hospitais e médicos perseguem as pessoas em caso de cobrança de dívida, declarou Elisabeth Benjamin, vice-presidente da Sociedade de Serviço Comunitário de Nova York, que ajuda as pessoas a obter tratamento.
“Os americanos estão realmente muito cientes de que sua cobertura de saúde não é tão abrangente quanto deveria ser, e piorou na última década”, resumiu Benjamin. Após a última recessão, aprenderam a renunciar ao tratamento em vez de incorrer em contas que não podem pagar.
Geralyn Cerveny, que dirige uma creche em Kansas City, no Missouri, contou que teve Covid-19 no início de abril e está se recuperando. Mas sua renda caiu quando algumas famílias pararam de pagar as mensalidades. Embora sua filha esteja pedindo que ela faça o teste de acompanhamento por causa dos sintomas persistentes do vírus, ela o está adiando porque não quer acabar com mais contas médicas se seu plano de saúde não cobrir todos os cuidados dos quais precisa. Ela disse temer uma briga com a companhia de seguros caso não cumpra suas diretrizes.
Outros avaliam quais doenças ou condições merecem uma despesa médica com exames e outros serviços. Eli Fels, instrutora de natação e personal trainer que está grávida, tem tido o cuidado de se manter em dia com suas consultas pré-natal em Cambridge, Massachusetts. Ela e o médico fazem consultas de telemedicina para reduzir o risco de infecção.
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Mas Fels, que também perdeu seu emprego, mas que ainda tem seguro, optou por não tratar seu punho ferido, apesar da preocupação com danos duradouros. “Adiei os tratamentos que não envolvem o bebê”, afirmou ela, observando que o preço que teria de pagar por uma ressonância magnética para descobrir o que estava errado “não é pouca coisa”.
No Maimonides Medical Center, no Brooklyn, em Nova York, os médicos já viram o impacto do atraso no tratamento. Durante o pico da pandemia, pessoas que tiveram ataques cardíacos e fraturas graves evitaram o pronto-socorro. “Era como se tivessem desaparecido, mas não desapareceram. As pessoas estavam morrendo em casa; simplesmente não estavam vindo para o hospital”, disse o dr. Jack Choueka, líder da ortopedia.
Nas últimas semanas, as pessoas começaram a voltar, mas com as condições pioradas por causa do adiamento dos cuidados. Um bebê com um pé torto agora precisará de um tratamento mais complicado porque o problema não foi abordado imediatamente após o nascimento.
Em outra criança que demorou a fazer exames, um tumor foi descoberto. “Esse tumor pode ter crescido durante meses sem controle”, comentou Choueka.
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