*Por Gina Kolata
Enquanto o coronavírus assola os EUA, os cientistas se questionam se algumas pessoas podem ser mais infecciosas que outras: será que existem aqueles que parecem "exalar" o vírus, tornando-os especialmente propensos a contaminar os outros?
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Tudo indica que a resposta é sim. Parece mesmo haver os "supercontagiantes", um termo que define vagamente quem infecta um número desproporcional de pessoas, seja consequência da genética, dos hábitos sociais ou simplesmente de estar no lugar errado na hora errada.
Mas, segundo os pesquisadores, esses portadores de vírus responsáveis pelos já chamados "eventos de supercontágio" podem impulsionar e ter impulsionado epidemias, tornando assim essencial a definição de meios de identificação desses eventos ou a prevenção das situações em que podem ocorrer – em salas lotadas, por exemplo.
Muito importantes também são aqueles que estão do lado oposto do espectro, ou seja, os infectados que têm poucas probabilidades de transmitir a infecção.
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"A diferenciação entre os dois grupos pode fazer uma diferença enorme na intensidade e velocidade de contenção de um surto. Se o infectado for um supercontagiante, o rastreamento de contato é especialmente importante; já se for o oposto, alguém que por uma razão ou outra não transmite o vírus, esse monitoramento pode ser desperdício de tempo. O problema é que não necessariamente sabemos quem é quem", diz Jon Zelner, epidemiologista da Universidade do Michigan.
Martina Morris, professora emérita de estatística e sociologia da Universidade de Washington, explica: "Há dois fatores em jogo; o primeiro é que tem de haver uma ligação entre as pessoas para a transmissão da infecção; ela é necessária, sim, mas não suficiente. O segundo é o grau de 'contaminabilidade' do indivíduo. Praticamente não temos dados independentes de nenhum dos dois."
Ela também ressalta que é muito fácil atribuir, de forma equivocada, múltiplas infecções a uma pessoa – inclusive talvez a expondo a ataques públicos –, quando o contágio não tem nada a ver com seu grau de infecciosidade.
"Se você for o primeiro, em uma sala lotada, a ser infectado por uma doença de fácil disseminação, vai parecer que é supercontagiante; na verdade, porém, qualquer um ali teria o mesmo impacto. Você só calhou de ser o precursor", completa.
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Apesar disso, parece haver, sim, situações em que um indivíduo gera grandes surtos. No caso da Covid-19, ainda não se sabe se essas pessoas altamente infecciosas incluem as que nem sabem que estão doentes, segundo o dr. Thomas Frieden, ex-diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e executivo-chefe da Resolve to Save Lives, iniciativa da Vital Strategies. "É mais provável que os eventos supercontagiantes envolvam pessoas com sintomas persistentes, mas que não estão se sentindo tão mal a ponto de ficar de molho", informa.
"Ou talvez envolvam infectados que espalham um volume incomum do vírus – fator pouco estudado que se deve a variações no volume de organismos nas gotículas da tosse do paciente ou nas fezes, por exemplo. Qualquer que seja a causa, medidas de saúde pública como impedir aglomerações e incentivar a chamada 'etiqueta da tosse' podem impedir eventos de supercontágio."

A história da medicina está repleta de histórias de supercontágio em surtos de doenças parasitárias, tuberculose, sarampo e outras. Um exemplo é o de Mary Mallon, uma cozinheira mais conhecida como Mary Tifoide, que espalhou a febre para mais de 50 pessoas no início do século XX. Ela mesma não ficou doente, pois era assintomática – e justamente por isso infectou os outros silenciosamente.
O supercontágio também foi um fator decisivo nos surtos de outros dois coronavírus: o que causa a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês), e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers).
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"O surto do Mers-CoV na Coreia do Sul foi motivado basicamente por três indivíduos infectados; aproximadamente 75 por cento de todos os casos partiram desses agentes superinfecciosos, que contaminaram um número desproporcionalmente alto de pessoas", escreveu George Gao, imunologista e virologista do Centro Chinês de Prevenção e Controle de Doenças de Pequim, em artigo recente.
O surto em questão começou em 2015, quando um homem de 68 anos foi infectado com a Mers durante uma viagem que fez ao Oriente Médio. Ao voltar para a Coreia do Sul, infectou diretamente outras 29 pessoas, duas das quais, por sua vez, infectaram outras 106. O número total de casos no país, na época, era de 166, ou seja, o evento de supercontágio contou praticamente sozinho como foco de contaminação.
Em 2003, no caso da Sars, o primeiro paciente em Hong Kong parece ter contaminado pelo menos 125 pessoas. Outros eventos de supercontágio envolveram 180 pessoas em um conjunto habitacional da cidade e outras 22 em um avião que foi de Hong Kong a Pequim.
No surto de ebola que atingiu a África entre 2014 e 2016, três por cento dos infectados foram responsáveis por 61 por cento dos casos.
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O supercontágio também parece ter gerado surtos do novo coronavírus como o do fim de fevereiro, quando 175 executivos da Biogen se reuniram para uma conferência no Boston Marriott Long Wharf Hotel. Pelo menos um estava infectado. Duas semanas depois, 75 por cento dos residentes contaminados de Massachusetts foram associados à empresa; as infecções partiram dali para outras partes da região e também para outros estados.
"Por que naquela conferência? Na época, foram realizadas diversas, pois foi antes do distanciamento social. Alguma coisa aconteceu ali", especula o dr. Eric Topol, diretor do Scripps Research Translational Institute, de San Diego, na Califórnia.
No outro extremo da curva de sino da transmissibilidade estão os infectados que parecem não contaminar ninguém – como foi o caso do surto de Mers na Coreia do Sul, em que 89 dos pacientes não passaram a doença para outras pessoas.
No caso da pandemia da Covid-19, um casal de Illinois é um exemplo incrível dessa não infecciosidade: em 23 de janeiro, a mulher, que acabara de voltar de uma visita a Wuhan, na China, se tornou o primeiro caso confirmado por laboratório da Covid-19 no estado. Em trinta de janeiro, o marido adoeceu. Foi o primeiro caso de transmissão de pessoa para pessoa conhecido nos EUA. Os dois ficaram em estado grave, foram hospitalizados e se recuperaram.
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As autoridades estaduais de saúde rastrearam seus contatos: 372 pessoas, incluindo 195 profissionais da saúde. Nenhuma foi infectada.

Para a dra. Jennifer Layden, diretora médica do Departamento de Saúde Pública de Chicago, é provável que essa incrível ausência de contaminação se deva a diversos fatores: o casal estava no decurso da infecção quando entrou em contato com essas pessoas? Estava espirrando ou tossindo? Esses contatos eram íntimos? Simplesmente eram pessoas menos suscetíveis a infecções?
Por mais morbidamente atraente que seja procurar esses supertransmissores, há armadilhas no processo. Para Zelner, há grandes chances de que um núcleo de infecções seja atribuído a um deles quando, na verdade, a culpa é das autoridades, que não contam ou deixam escapar as transmissões de outras pessoas. Sem contar as consequências sociais dessas histórias.
"A natureza atual da nossa sociedade é o grande interesse no aspecto catastrófico; para isso, nada melhor do que ter algo que se pareça com uma história de zumbis. É uma narrativa poderosa", diz Samuel Roberts, historiador médico de Columbia.
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E completa: "O público em geral não precisa nem saber se uma única pessoa é responsável por um surto; o que interessa é saber como se proteger. Determinar o 'paciente zero' não ajuda em nada, apenas estimula o medo do outro."
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