Thays
(Foto: NSC Total)

A privacidade não é assunto novo ao meio jurídico. Mas a velocidade e transformação da tecnologia, os recentes escândalos envolvendo vazamento de dados e a criação de novas leis de proteção de dados pessoais intensificaram a discussão sobre esse direito personalíssimo tão importante.

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Para se ter uma ideia, o primeiro artigo que tratou sobre a privacidade foi escrito em 1890 por Samuel Warren e Louis D. Brandeis que denunciaram os tabloides americanos que se utilizavam de câmeras fotográficas e violavam os limites da vida privada e doméstica. Em razão disso escreveram um artigo para a Revista Harvard Law Review protestando pelo direito de ser deixado só (right to be let alone).

O avanço do século XX e a revolução tecnológica contribuíram para modificar o alcance do direito à privacidade. Mas afinal por que a privacidade importa tanto?

Um documentário da Netflix, lançado em julho, chamado Privacidade Hackeada explica um pouco de como a Cambridge Analytica capturou indevidamente os dados de 87 milhões de cidadãos e como isso foi utilizado para influenciar, especialmente, a campanha presidencial dos Estados Unidos.

Na Segunda Guerra foi também pelo processamento de dados pessoais que a política nazista da Alemanha, por meio de bancos de dados, pôde distinguir quais cidadãos seriam de raça pura ou não. Por esse mesmo motivo que as legislações posteriores naquele país, e até mesmo em outros que sucederam aos sistemas ditatoriais, inauguraram leis para proteção do desenvolvimento da personalidade dos indivíduos (como é o caso da própria declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948).

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Em 1982 um importante julgamento na Alemanha sobre a Lei de Recenseamento de População, Profissão, Moradia e Trabalho julgou inconstitucionais dispositivos que autorizavam a comparação dos dados coletados com outras bases e que compartilhavam dados com outros órgãos da administração. A justificativa foi apoiada na existência de um direito à “autodeterminação informativa” para garantir o livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos e com isso atribuir aos mesmos o poder para decidirem sobre o fluxo dos seus dados perante a sociedade.

Este emblemático julgamento da Alemanha – de novo, da década de 70! – já considerava o processamento automático dos dados como um fator de risco à proteção da privacidade. E o que falar agora em tempos de Big Data e Inteligência Artificial? Nunca a nossa sociedade possuiu e tratou tantos dados.

Assim, o que se pode perceber destes dois casos emblemáticos (Cambridge Analytica e os Nazistas) e dos outros tantos que envolveram o tratamento indevido dos dados pessoais é a violação do direito dos titulares manterem o controle deliberado sobre as suas informações pessoais, para quem serão concedidas e para quais fins.

Da violação à vida doméstica e íntima, à segregação racial, ameaça à democracia, excesso de vigilância por governos e plataformas (denúncias do Snowden) são alguns dos exemplos para demonstrar o quanto a privacidade importa.

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Em tempos de alta velocidade de processamento de dados e infindáveis formas de captura de informações e dados, não se pode perder de vista garantias individuais, como a privacidade. Deve ser garantido aos indivíduos o direito de domínio sobre os seus dados para que tenham a livre escolha de compartilhar com quem lhe interessar, escolher conteúdos que são do seu interesse, debater temas, promover pesquisas. Assegurando-lhes a liberdade.

Para isso o desenvolvimento e aprimoramento das tecnologias devem ser pautados na harmonia com esses direitos individuais. A mudança cultural e a valorização da privacidade e proteção dos dados precisam estar inseridas nas corporações como fator preponderante, integrando suas propostas de valor. Certamente esse é um grande desafio de transformação aos atores que promovem e fomentam a atual sociedade da informação: utilizar a tecnologia como ferramenta de garantia dos direito individuais.

*Thays Joana Tumelero é especialista em Proteção de Dados e Privacidade, pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e atua como vice-presidente da Comissão de Direito das Startups da OAB/SC.