A superlotação no sistema prisional afeta a vida do cidadão comum muito mais do que ele imagina. Ela compromete serviços de emergência da região. A reportagem flagrou, nesta terça-feira, uma situação em São José que comprova a precariedade do sistema e o risco ao qual os moradores da Grande Florianópolis ficaram expostos.
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Na manhã desta terça, moradores de Palhoça, São José, Biguaçu, Santo Amaro da Imperatriz e Alfredo Wagner contavam apenas com uma ambulância dos Bombeiros de Biguaçu para emergências. A ambulância de Palhoça estava em manutenção, e a de São José ficou mais de três horas com um preso aguardando vaga.
De manhã, o detento recebeu alta do Hospital Regional de São José – onde teve a perna operada – e foi para a 1a DP de São José, de onde iria a Palhoça, fazer exame de corpo de delito. De lá, seria transferido a uma unidade prisional – ele é condenado por associação ao tráfico de drogas.
Mas não havia vaga na central de triagem do Estreito. Ontem, a central estava com 150 presos, mais do que o dobro da capacidade – 60 detentos.
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Às 10h20min, a ambulância dos Bombeiros estava estacionada em frente à delegacia. Dentro, o detento – com cem pontos na perna – reclamava de dor, deitado na maca. Três PMs que faziam a escolta e quatro bombeiros esperavam, parados, sem atender ocorrências.
Serviço de emergência ficou comprometido
Enquanto isso, o chefe da investigação da 1a DP, Sérgio Safanelli, tentava, por telefone, uma vaga com o Deap. Investigadores pediam que o legista fosse até a delegacia fazer o exame.
– Me sinto impotente. Viemos prestar apoio e comprometemos o serviço de emergência. Só não é pior porque temos o Samu, a ambulância de Biguaçu e o resgate da AutoPista Capital na rodovia – disse o comandante do 10o Batalhão do Corpo de Bombeiros, Luiz Gustavo dos Anjos.
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– Vamos pessoalmente à central tentar a vaga. É uma emergência – observou Safanelli.
Às 11h10min, ambulância e policiais chegaram à central do Estreito. Quatro horas após ter alta, o preso chegou ao destino temporário, a sala de visitas, onde fica até surgir vaga.
Safanelli disse que há cinco anos havia o projeto de construir uma central em São José, que não saiu. E que o único lugar para presos temporários na cidade é na 2a DP.
Sujeira e falta de comida na Central
A reportagem foi na sequência até a Central de Polícia de São José. Os dois agentes prisionais que trabalhavam lá foram removidos. No lugar deles, dois ex-monitores do Centro Educacional São Lucas, que não tem capacitação para cuidar dos presos. Policiais da 2a DP de SJ disseram que não há estrutura para esses presos.
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Uma das celas estava desativada servindo como depósito. A outra com capacidade para quatro pessoas estava com 14 detentos. Um lugar fétido, imundo, sem ventilação nem luz do sol. Os presos estavam almoçando e disseram que a comida estava horrível. A aparência era desagradável.
Eles disseram que dormem amontoados e em cima do lixo. Todos contam com apenas um vaso sanitário apelidado de “boi”. E vive entupindo. O tal do “boi” fica na meio da cela. Um preso mostrou a perna ferida. Ele reclamou de falta de assistência médica. Mas o pior foi a denúncia que os 14 detentos fizeram: eles ficaram dois dias sem comer. No sábado e no domingo passado, dias 16 e 17.
– Passamos fome – disseram.
Um agente prisional do Deap confirmou a história. O agente disse que não havia funcionário para levar as marmitas até a 2a DP de São José.
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O Ministério Público Estadual (MPE) informou que mandou ofício ao delegado a 2a DP, a Delegacia Regional e ao Deap com prazo de 24 horas para esclarecimentos.
– É gravíssima a situação se for confirmada. Abrimos procedimento investigativo. Se for comprovado, podemos entrar com ação civil pública contra os responsáveis – observou o promotor Fabiano Garcia, do MPE em São José.