É bonito de ver. Em vários dias das últimas semanas, o céu no amanhecer e entardecer em Santa Catarina assumiu um tom avermelhado, encantando os amantes de fotografias da natureza. Por trás de tanta beleza, porém, o assunto é preocupante — e o fenômeno na atmosfera não é o único impacto para o Estado. É apenas um dos reflexos das queimadas potencializadas pela seca extrema vivida em outros cantos do país e um retrato do futuro, alertam especialistas.
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Estados do Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil passam por uma seca há três meses, a mais crítica em comparação ao mesmo período nos últimos 40 anos, mostra um levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Atrelada à falta de chuva estão as queimadas em diferentes biomas brasileiros, principalmente na Amazônia e Pantanal, cujas fumaças chegam a Santa Catarina.
Surgem então os primeiros impactos aos catarinenses: o céu em tons alaranjados e vermelhos por conta da forma como os raios solares interagem com a fuligem lembra que a fumaça está ali, pronta para afetar a visibilidade e a qualidade do ar. A Defesa Civil emitiu um alerta sobre o assunto quando o material começou a passar pelo Estado, há cerca de um mês.
Conforme o órgão, pessoas mais sensíveis, como crianças, idosos e aqueles que possuem doenças respiratórias, podem ter tosse, dificuldade para respirar ou irritação nos olhos. Além disso, em alguns episódios a poluição se junta com os nevoeiros, e tornam o fenômeno mais denso.
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Na outra ponta estão as consequências diretas aos sistemas meteorológicos. O transporte de umidade da Amazônia influencia na formação de chuva no Sul do país. Com a falta de precipitação e os níveis de água baixos, os chamados rios voadores não conseguem atravessar o Brasil e desempenhar corretamente o papel deles, detalha a pesquisadora do Cemaden especialista em seca, Ana Paula Cunha.
No lugar da esperada umidade vem a sujeira, que não contribui na combinação de fatores necessária para a formação de nuvens.
— Toda a região da Bacia do Prata acaba sendo afetada pelo baixo transporte de umidade. Não tendo vapor disponível da Amazônia, os jatos de baixos níveis (rios voadores) acabam transportando poeira — explica a estudiosa.
Nesta semana, uma onda de calor fez o termômetro de cidades principalmente do Oeste catarinense chegar à casa dos 40ºC. A massa de ar quente e seco vindo do Norte brasileiro ganhou mais força por conta do aquecimento causado pelas queimadas, o que potencializou o verão fora de época em Santa Catarina, explica a meteorologista da Defesa Civil estadual, Nicolle Reis. O que se viu foram dias de baixa umidade, em níveis próximos e até abaixo dos registrados no deserto do Saara, na África, que ficam em torno dos 20%. O recomendado para a saúde é 60%.
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Assim, novamente textos emitidos pela Defesa Civil alertaram para os riscos, especialmente aos moradores do Oeste e Planalto Norte, que ficam longe da umidade trazida pelo mar. Desidratação, insolação e agravamento de doenças cardiorrespiratórias, além de outros transtornos associados às condições climáticas severas, estavam na lista do órgão.
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Ondas de calor são evento que mais mata
Uma opinião é unanimidade entre os quatro especialistas ouvidos pela reportagem: o que tem acontecido com o tempo em Santa Catarina e outros Estados nos últimos dias é uma amostra do que o futuro reserva em relação às mudanças climáticas. Isso porque, ações humanas como as queimadas potencializam essas alterações na interação oceano-atmosfera. Com o planeta aquecendo em uma velocidade que a ciência ainda tenta entender, as perspectivas são de aumento no número desses extremos, incluindo as ondas de calor, que são o fenômeno que mais mata no mundo, afirma o cientista Carlos Nobre.
O retrato da seca em boa parte do Brasil impacta SC, mas não deve evoluir mais do que foi visto até agora, ao menos em curto e médio prazo, prevê o Cemaden. A previsão indica um provável atraso no início da próxima estação chuvosa, o que resultará na prolongação do período de estiagem nos rios de todo o país, exceto no Sul.
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Santa Catarina, inclusive, começa a registrar chuva com mais frequência a partir da segunda quinzena de setembro, comenta o meteorologista da Epagri/Ciram, Marcelo Martins. A água que cairá do céu vai “lavar” a fumaça e trazer de volta uma fase mais úmida ao Estado. Não significa, porém, que eventos extremos (desde estiagens a enxurradas) estão descartados. No cenário atual, é impossível garantir que eles deem uma trégua em qualquer ponto do Brasil.
O que explica a seca no Brasil
De acordo com o Cemaden, a estação chuvosa no Centro-Norte do país foi abaixo do esperado no ano passado devido ao El Niño, fenômeno que normalmente causa diminuição das precipitações nesta região enquanto aumenta o volume de precipitação no Sul. Assim, não foi possível repor adequadamente a umidade do solo e da vegetação, nem recarregar os aquíferos, mantendo os níveis dos rios baixos.
Em segundo lugar, a atual estação seca começou de forma antecipada, já em abril, também por conta do El Niño. O solo e a vegetação começaram a perder umidade de forma prematura, e os níveis dos rios foram diminuindo gradativamente, atingindo patamares inferiores aos observados no mesmo período de 2023.
Falta de chuva e solo e vegetação extremamente secos deixaram o ambiente favorável para a propagação de grandes incêndios provocados propositalmente para substituir a floresta por plantações ou áreas de pastagem, afirmou ainda o Cemaden.
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O órgão também destacou a influência das mudanças climáticas, que a longo prazo estão gerando aquecimento progressivo da atmosfera, o que tende a produzir sequências mais longas de dias sem chuva.
Agora, o atraso na chegada da chuva na maior parte do Brasil está sendo explicada por um aquecimento no Oceano Atlântico, em uma região da América Central. As águas aquecidas favorecem a evaporação e o desenvolvimento de chuvas mais intensas que o normal nessa região, o que, por compensação, resulta em uma diminuição das chuvas sobre a maior parte da América do Sul, incluindo o Brasil.
Como resultado, a situação de seca deve persistir ou até se agravar na maioria das bacias hidrográficas brasileiras.
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