Nos últimos anos, quando se falava na surfista de Florianópolis Jacqueline Silva, invariavelmente referia-se ao acidente de carro sofrido por ela na Austrália, em 2011, ao afastamento do esporte para se recuperar da fratura exposta no joelho direito, às dificuldades em retomar a carreira na elite do surfe mundial e à falta de patrocínio para um dos maiores nomes do surfe feminino brasileiro. Página que a atleta catarinense espera ter virado com uma conquista inédita alcançada no último final de semana, aos 36 anos: o título de campeã brasileira.

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Catarinense Jacqueline Silva é campeã brasileira de surfe

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Jacque é bicampeã do WQS – divisão de acesso para a elite do surfe mundial – com conquistas em 2001 e 2007, e tem um vice-campeonato na elite do circuito mundial, de 2002, mas na época não podia disputar o circuito brasileiro por uma proibição da entidade internacional de surfe. Após o acidente, e com o fim do SuperSurf, viu o circuito nacional se enfraquecer e o surfe feminino ficar dois anos sem nenhuma etapa para coroar a campeã brasileira.

Em 2015, por iniciativa do atleta Wiggoly Dantas, foi realizada uma única etapa na praia de Itamambuca, em Ubatuba (SP), vencida com folga no último domingo pela surfista de SC. De volta a Florianópolis, ela falou ao Diário Catarinense sobre a emoção da conquista, a injeção de ânimo para dar continuidade à carreira e, em contraste, a crise no surfe feminino.

Como foi conquistar Itamambuca?

Foi a única etapa do ano, então a campeã, além de levar o título do evento, levava o título brasileiro e, segundo o livro de regras da Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp), a vaga para a etapa do Rio do Circuito Mundial no ano que vem. Fui com esse pensamento. A vaga no Rio era o que mais importava para mim. Fui ganhando confiança a cada round. Na final, fiquei em primeiro praticamente do começo ao fim da bateria. Foi muito emocionante, fazia uns três anos que não ganhava um evento assim. Saí realizada, feliz.

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No fim do ano passado você cogitou parar de competir.

No circuito mundial é bem provável que não vá continuar mais. Estou sem patrocínio faz um tempo, então tudo o que estou fazendo eu é quem estou investindo. Esse ano participei de três etapas do WQS, mas fui sem muita cobrança, mais para sentir aquele gostinho de competição de novo. Ainda faço tudo isso porque amo. Independentemente do que vá acontecer daqui para frente, se vai ter mais campeonato feminino, se vou conseguir um patrocínio ou não, eu gosto do que faço, é o que fiz minha vida toda. Se for para continuar profissionalmente competindo, show, ainda tenho disposição, me cuido bastante. Se não for, paciência. Mas essa vitória me deu uma injeção de ânimo para continuar.

O acidente de 2011 é página virada?

Tive uma consulta com meu ortopedista essa semana e ele disse que estou 100%. Com certeza foi um período complicado, uma situação que não esperava nunca passar e me prejudicou bastante, fiquei um ano parada. Enquanto as outras meninas foram evoluindo, eu parei, depois foi difícil acompanhar o ritmo delas, até porque a nova geração tem 17, 18 anos. Mas não posso ficar me lamentando, porque mesmo assim continuei surfando. E consegui provar no último final de semana que ainda estou bem e tenho condições de disputar campeonatos, ganhá-los. Realmente é página virada. Nos últimos anos não estava conseguindo fazer resultados, tive que fazer campanha para arrecadar dinheiro e continuar competindo, e agora, quando eu menos esperava, tudo já estava no final, acabando, eis que acontece isso. Veio para provar que não está na hora de parar não, tem muito para acontecer ainda.

Você e outras atletas se mobilizaram nas redes sociais em repúdio a uma declaração do diretor da Abrasp, Pedro Falcão, afirmando que o surfe feminino precisa de uma surfista linda, que seja modelo.

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O cara estava lá no campeonato, viu a expressão na cara das meninas de felicidade por competir, e ele me manda uma dessas? O surfe não exige esses padrões “tem que ser bonita, tem que ser modelo”, o importante é dentro da água, é surfar bem. Nossa mobilização na internet é justamente para as pessoas não desistirem do surfe feminino. O surfe masculino está em evidência, os holofotes estão todos voltados para eles. Acabaram esquecendo das meninas que se dedicam tanto quanto eles.Nosso objetivo principal hoje é ter as competições femininas de volta, um circuito nacional pelo menos, que não seja só uma etapa. Este ano não foi nem a ABRASP que organizou o evento, foi um atleta, o Wiggoly Dantas, que cansou, tem uma irmã que é competidora e vê toda a dedicação dela para praticamente nada, já que não tem campeonato.

Na época em que você conquistou seus principais títulos era diferente?

O surfe feminino nunca foi visto como deveria, embora a gente tenha tido um circuito brasileiro muito bom por uns 10 anos, o espaço maior foi sempre dos homens, e agora a gente está vendo que isso não mudou. Estamos há quatro anos sem campeonato feminino. Eles também perderam o circuito principal, o SuperSurf, ficaram três anos sem ter, mas nunca deixaram de ter campeonato brasileiro. Diminuiu o número de eventos, mas não a zero como no caso do feminino. Ficamos dois anos sem ter nada, aí ano passado tivemos uma etapa e esse ano também. Não teve nem regional, nada. É complicado para se manter motivada. Mas não desisti ainda, e se tiver que lutar pela categoria a gente vai lutar.

Então qual o caminho hoje para uma menina chegar ao circuito mundial?

Teoricamente não tem caminho, o caminho é força de vontade, dedicação, sem passar pelo circuito de base que é super importante. O ritmo de competição é super importante, eu senti isso agora, o último campeonato que tinha competido tinha sido no ano passado, em outubro, depois fui competir no WQS em junho, então senti aquela falta de ritmo. Por isso sem ter campeonato é muito ruim. Não quer dizer que seja impossível. É só ter recurso para ir para as etapas. O primeiro ano é mais difícil porque a surfista não tem pontuação, não tem ranking, mas ai ela vai somando uns pontinhos e no ano seguinte entra com uma melhor colocação.

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