A população LGBTI+ detida no sistema prisional de Santa Catarina estaria submetida à violência institucional e também à hostilidade de outros presos, ameaçada por facções criminosas. O cenário é denunciado por um relatório divulgado nesta terça-feira (19) pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) que trouxe em agosto relatos de tortura do sistema socioeducativo do estado.
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O MNPCT visitou 24 unidades prisionais de 12 estados para elaborar o relatório dedicado aos grupos LGBTI+ entre janeiro e outubro de 2021, com o apoio da Ong Somos. Em Santa Catarina, foram vistoriadas a Penitenciária Masculina de Florianópolis e o Presídio Feminino Regional de Itajaí.
No primeiro deles foi identificado, a partir dos relatos dos próprios apenados LGBTI+, a existência de violência física ou psicológica praticada por outros presos, servidores de segurança e/ou policiais penais e também pelas equipes técnicas, o que se repetiu na maior parte das outras unidades do país.
O presídio em Itajaí foi um dos únicos visitados pelo MNPCT em que não houve relato de hostilidade institucional. No entanto, foi descrito haver violência por parte de outras custodiadas. As internas do estabelecimento informaram ao Mecanismo que grupos ligados a organizações criminosas não aceitam as pessoas LGBTI+, o que faz elas viverem “sob ameaça e tensão no cárcere”.
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“Em todas as unidades inspecionadas, sem exceção, as pessoas relataram que sofreram algum episódio relacionado a preconceito e discriminação. Este cenário reafirma o lugar que o Brasil tem ocupado de liderança entre os países que mais matam a população trans no mundo e ainda impõe a reflexão de que a população LGBTI+ aprisionada sofre com uma vulnerabilidade extremada na prisão”, diz o MNPCT.
Ainda em relação ao preconceito, o relatório menciona que, no presídio masculino de Florianópolis, há dificuldade para a população LGBTI+ conseguir trabalho e oportunidades de estudo.
“Segundo as pessoas presas entrevistadas, isso se dá por três motivos: são minoria da unidade prisional, não são aceitos pela massa carcerária e há um nítido preconceito de incluí-los em tais atividades”, aponta.
Nome social e prevenção a IST
No levantamento, o Mecanismo cita ainda que não havia uma ala específica para a população LGBTI+ nas unidades visitadas em Santa Catarina e que o grupo ficava acolhido nas alas chamadas de “seguro”, onde costumam estar as pessoas ameaçadas por outros detentos e privadas do convívio geral.
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O relatório aponta também que o uso de nome social por pessoas LGBTI+ é desrespeitado nas unidades visitadas em Santa Catarina. Além disso, apenas as pessoas com nome social feminino oficializado teriam direito de manter os cabelos compridos. Isso contraria resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O MNPCT ouviu relatos de que, no presídio de Florianópolis, as pessoas trans e travestis recebem kits de higiene, mas insuficientes, e têm acesso a hormonização. Outras demandas de saúde, no entanto, são demoradas. É o caso de exames de HPV, que não teriam resultados entregues às custodiadas.
As pessoas LGBTI+ ainda ouviriam piadas de cunho ofensivo ao pedir preservativos contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). No presídio de Florianópólis, isso não seria dado de forma geral, mas em um kit feminino apenas às mulheres trans e travestis, mediante insinuações humilhantes.
“Esse relato nos evidencia que além das prisões não manifestarem preocupação com a prevenção de ISTs, reforçam um paradigma antiquado e equivocado de ‘papel’ de gênero, como se a utilização do preservativo coubesse apenas às mulheres”, aponta o documento do MNPCT.
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O NSC Total buscou contato com a Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa (SAP-SC) para entender se o cenário verificado pelo MNPCT nas unidades há mais de dois anos se mantém, mas ainda não obteve retorno. O espaço segue aberto para eventual manifestação.
Projeto de ressocialização em SC ganha destaque
O relatório do Mecanismo também traz, em contrapartida, uma iniciativa elogiosa do sistema prisional de Santa Catarina frente à população LGBTI+: o projeto de ressocialização ReabilitaCão.
Trata-se de um programa de uma policial penal do Presídio Feminino Regional de Itajaí para que apenados aprendam práticas de cuidado animal ao acolher pets resgatados de maus-tratos.
A iniciativa é focada, segundo o relatório, na ressocialização de grupos com experiências específicas de vulnerabilidade no sistema prisional (pessoas trans, com deficiências físicas e diagnosticadas com sofrimentos psíquicos). Ela também visa a reinserção futura dessas pessoas no mercado de trabalho, através de cursos de auxiliar de veterinário, com técnicas de banho e tosa.
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“É essencial pensar ações que contemplem as populações mais vulneráveis para combater a dupla segregação, discriminação e cerceamento de direitos que estas vivem no cárcere”, destaca o relatório.
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