O olhar assustado que Maria da Rosa, 76 anos, ainda mantinha ontem à tarde, traduzia os momentos de pavor que ela passou durante a noite. Moradora do Bairro Nossa Senhora das Graças, em Itajaí, Maria viu a terra deslizar atrás da casa onde vive sozinha. Diz que se salvou por pouco e teme permanecer na residência _ mas, embora tenha passado a noite na casa de uma vizinha, não tem para onde ir. Dona Maria faz parte de uma longa lista de espera por uma nova moradia. Segundo levantamento da secretaria Municipal de Habitação, o volume do déficit habitacional em Itajaí chega a seis mil residências.
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Nos últimos 10 anos, apenas 555 casas foram entregues pelo município a famílias de baixa renda. No mesmo período, a população da cidade cresceu 24,5%. _ Itajaí teve um boom de desenvolvimento, que atraiu muitas pessoas nos últimos anos e isso acaba trazendo problemas sociais. O município não consegue acompanhar a demanda _ diz a secretária de Habitação, Neusa Maria Girardi.
Além de moradias em áreas de risco, como a de dona Maria, também entram na lista ocupações irregulares, assentamentos precários, famílias que pagam aluguel acima da renda que têm, e outras que perderam a casa nas últimas enchentes, e ainda não conseguiram se recuperar. O levantamento foi feito pela secretaria Municipal de Habitação, em dois anos de pesquisa. O resultado foi uma meta de 500 casas entregues ao ano, que dependerá de vontade política e de jogo de cintura para driblar a burocracia, para que funcione.
Hoje há pelo menos quatro projetos em andamento, com quase mil moradias previstas. Desses, apenas dois estão em fase adiantada: o Loteamento Dona Mariquinha, que deve entregar 89 casas em breve, e a Recuperação da Foz do Ribeirão da Murta, com 223 unidades previstas. _ Temos dois desafios pela frente, a complexidade da questão habitacional e a burocracia _ diz a secretária de Habitação.
A demora causa situações como a de Andreia Regina Carvalho de Paula, 40 anos. Mãe de nove filhos e moradora do alto do Morro do Matadouro, no Bairro Nossa das Graças. A casa dela balançava a cada ventania, e já não tinha condições de ser habitada. Foi demolida há três meses e, desde então, Andreia e as crianças estão vivendo numa casa emprestada, enquanto aguardam uma nova moradia.
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_ Minha casa chacoalhava toda, eu não dormia à noite. Tudo o que eu quero é morar no baixo com as crianças. O Ministério Público (MP) tem oito inquéritos instaurados para investigar a questão habitacional em Itajaí. Até agora, quatro termos de ajustamento de conduta (TAC) foram assinados, envolvendo os loteamentos Murta, Dona Mariquinha, Beira Rio, Padre Schmidt, Parque Residencial Carla, Promorar 3, Rio Bonito, Nilo Bittencourt e Bambuzal. A maioria diz respeito a regularização.
Por meio da assessoria, o MP informou que a questão habitacional passa por políticas públicas de planejamento urbano e aprimoramento das leis de zoneamento urbano.
Áreas ocupadas expõem moradores a riscos
Em março, um incêndio consumiu sete moradias e deixou 20 pessoas desabrigadas. Embora a causa das chamas não tenha sido identificada naquele momento, as ligações irregulares dificultaram o combate ao incêndio e fizeram com que alastrasse com maior facilidade. Rosângela Correa, 32 anos, foi uma das vítimas do fogo. A casa onde ela estava, com os dois filhos pequenos, foi totalmente consumida pelo incêndio. Hoje vivendo em uma casa reconstruída, ela não vê a hora de sair do Beco:
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_ Não gosto de morar aqui, não tem luz, água, nem esgoto, e minhas crianças podem pegar doenças.
Na casa onde vivia antes de se mudar para o Imaruí, no Bairro Cordeiros, Rosângela pagava um salário mínimo de aluguel _ o mesmo que sua renda mensal. _ Todo mundo tem medo de um curto-circuito, não se dorme bem à noite. Se eu tivesse condições, já teria ido embora faz tempo _ diz o auxiliar de pedreiro Marcio Francisco de Meira, que vive há seis anos no Beco do Imaruí.
Mas é grande quantidade de outros animais que chama atenção dos moradores. O mangue é área de preservação permanente, lar de várias espécies que já se acostumaram à presença dos moradores.
_ Tem capivara, gato do mato e muita cobra _ diz Débora Florêncio Mario, 35 anos, que deixou São Paulo para ganhar a vida em Itajaí. Enquanto observa os pássaros que descem ao córrego em busca de alimento, ela diz que não gostaria de sair dali. A proximidade do Centro e das vagas de trabalho é o principal motivo para que moradores como ela resistam à ideia de mudança.
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_ Há 28 anos ouço que vão tirar os moradores daqui e nada acontece _ diz o vizinho de Débora, Robson Ricardo Rodrigues. A área reservada para a remoção dos moradores é na região do Loteamento Santa Regina, na área oeste da cidade, oposta à Barra do Rio_ algo que desagrada a comunidade do mangue.