*Por Kate Hutchinson

Lisboa, Portugal – Durante um show íntimo para comemorar o lançamento de um novo EP, a estrela pop angolano-portuguesa Pongo rasgava o ar com chutes de caratê. Pongo adora dar chutes altos. Ela consegue chutar dezenas de vezes em uma única canção, além de rebolar para fazer com que os paetês do figurino brilhem contra a luz.

Continua depois da publicidade

As músicas de Pongo são uma versão forte e segura do kuduro, um gênero musical que mistura ritmos africanos com batidas eletrônicas e rap. Suas canções quase sempre falam sobre como superou as dificuldades que enfrentou como uma jovem mulher africana em busca de fama na cena musical portuguesa.

Pongo ficou conhecida em Portugal em 2008, quando tinha apenas 15 anos e gravou um rap chamado "Kalemba (Wegue Wegue)" com o coletivo de música eletrônica Buraka Som Sistema. A música foi ouvida mais de 11 milhões de vezes no YouTube. Mas, quando Pongo deixou o grupo, sua carreira andou para trás e ela não sabia se teria outra chance.

música
(Foto: Ana Brigida / The New York Times)

Em uma entrevista antes de se apresentar, Pongo, atualmente com 27 anos, se referiu a uma famosa igreja portuguesa que demorou séculos para ficar pronta e que, por coincidência, tem o mesmo nome que ela: Engrácia. (Seu sobrenome é Silva.)

Continua depois da publicidade

"Quando alguma coisa demora muito tempo para ficar pronta, dizemos que é como a Igreja de Santa Engrácia. Minha carreira também foi assim", comentou.

Agora, sua paciência trouxe recompensas. Recentemente, Pongo venceu o Music Moves Europe Talent Awards, um novo prêmio da música pop na União Europeia, que tem o objetivo de celebrar "o som europeu de hoje e de amanhã". A artista está cada vez mais conhecida em todo o continente, especialmente na França, onde começará uma turnê solo, e no Reino Unido, onde participará de festivais este verão.

música
(Foto: Ana Brigida / The New York Times)

Os dois lançamentos mais recentes assinados por Pongo, incluindo "Uwa", o EP publicado no dia 7 de fevereiro, pretendem fazer para o kuduro o mesmo que a estrela pop espanhola Rosalía fez para o flamenco. Rosalía apresentou canções em espanhol para um público mais amplo e, da mesma maneira, Pongo não costuma cantar em inglês e prefere o português e o kimbundu, uma das principais línguas faladas em Angola.

O kuduro é um empolgante encontro de gêneros transatlânticos – incluindo hip-hop, house, zouk e soca – e Pongo ainda acrescenta outras camadas, unindo o gênero a vertentes contemporâneas da música eletrônica e do pop.

Continua depois da publicidade

Mário Lopes, colunista de música do diário português "Público", afirmou por e-mail que Pongo "trata o kuduro como um gênero onívoro", o que talvez explique por que sua música tem tanto sucesso em outros países.

música
(Foto: Ana Brigida / The New York Times)

Lopes acrescentou que ela está expandindo a "paleta sonora do gênero ao incorporar outras linguagens musicais, como sons eletrônicos e alguns floreios latinos".

Pongo tinha oito anos quando sua família deixou Angola, nos anos 1990, durante um período de tensão política e social. Sua mãe trabalhava como faxineira em Portugal, seu pai era funcionário da construção civil e a família de cinco pessoas viveu em um único quarto de albergue por cinco anos, afirmou. Nesse período, ela e as duas irmãs dormiam na mesma cama.

Quando a família se mudou para um bairro predominantemente branco na zona norte de Lisboa, a integração foi difícil, conta Pongo, acrescentando que sofria discriminação racial por parte dos colegas de sala na escola. "Era difícil fazer amigos, porque eles me viam como uma pessoa diferente, como se eu fosse algo estranho", contou.

Continua depois da publicidade

Em casa, seu pai era rígido e não permitia que Pongo e as irmãs tivessem uma vida social. Mas sua vida mudou para pior quando, aos 12 anos, ela se jogou da janela do sétimo andar. "Era uma mistura de tudo: a dificuldade de integração, a falta de amigos com quem conversar e a ditadura imposta por meu pai", disse Pongo.

Ela quebrou uma perna, mas foi essa experiência que a colocou no caminho da música. Para chegar até a clínica de fisioterapia, do outro lado da cidade, Pongo descia na estação de trem de Queluz, um bairro onde muitos imigrantes africanos costumavam viver. Foi lá que ela viu pela primeira vez o grupo de kuduro Denon Squad se apresentando no meio da rua.

música
(Foto: Ana Brigida / The New York Times)

Quando se recuperou dos ferimentos, ela começou a dançar com o grupo e, depois, a cantar rap. "Foi por meio da música que percebi o que eu queria da vida", afirmou. Sua participação no Denon Squad a levou a conhecer o Buraka Som Sistema, e ela se apresentou com o grupo por dois anos.

Mas as coisas começaram a dar errado, e houve uma disputa em relação aos royalties da canção "Wegue Wegue", contou Pongo. Após o sucesso da canção, "eles começaram a me tratar muito mal", acrescentando: "Eu era tão jovem que não entendia muito bem o que estava acontecendo." João Barbosa, integrante do Buraka Som Sistema, afirmou que Pongo era apenas uma vocalista convidada pelo grupo e que os outros integrantes haviam decidido trabalhar com outra cantora, que também dançava.

Continua depois da publicidade

Pongo saiu do grupo e começou a realizar trabalhos braçais para ajudar na educação das irmãs, depois que o pai abandonou a família. Mas, certo dia, ela teve uma epifania. "Eu estava limpando uma casa e ouvi 'Wegue Wegue' no rádio. Naquele momento, senti que era hora de lutar por minha carreira", disse.

A reinvenção de Pongo como artista solo surgiu no mesmo momento em que muitos músicos lisboetas originários dos países de língua portuguesa da África resolveram dar importância a suas raízes. A cena da cidade oferece uma variedade única de nacionalidades pós-coloniais – da Guiné-Bissau, de Moçambique, de Angola e de Cabo Verde, entre outras – e a música reflete essa mistura.

Pongo disse que pessoas de todas as origens frequentam seus shows. "Embora eu tenha participado do Buraka por um tempo, compreendi que não se trata de atrair o grande público, mas de unir as pessoas e as comunidades para quebrar tabus como o preconceito racial. Para mim, isso é o mais importante. Sentir a música, sem ver a cor do cantor."

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

Continua depois da publicidade