Trabalhar em mais de um emprego ao mesmo tempo é o que define o “polywork”, fenômeno cada vez mais crescente no mercado de trabalho, principalmente entre a geração Z — nascidos entre 1995 e 2009, ou seja, que têm entre 15 e 29 anos em 2024. É o que explica Michelle Wundervald, que é diretora administrativa e tem experiência na coordenação de equipes e alinhamento com as práticas de mercado.

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A especialista esclarece que o polywork é quando uma pessoa faz várias atividades ao mesmo tempo, divide o tempo para diferentes pessoas ou projetos pessoais, ou até mesmo diferentes empresas. É como se fosse o “antigo freelancer“, diz ela.

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No Brasil, 544.691 brasileiros de 14 a 29 anos declararam ter dois empregos, enquanto 27.907 possuíam três ou mais ocupações. Os dados são do levantamento mais atualizado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que corresponde ao terceiro trimestre de 2023.

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Responsabilidade, aprendizado e sobrecarga

É o caso de Fernanda Moraes*, de 21 anos. Estudante de jornalismo em uma universidade de Santa Catarina, Fernanda mantém um estágio e dois freelancers.

O estágio é em um órgão público, onde ela atua desde fevereiro com assessoria de comunicação por quatro horas diárias. Os dois freelancers iniciaram também na mesma época. Nos dois, ela atua como social media: um deles em uma gelateria, e o outro em um sindicato de trabalhadores. Nesses, ela não têm horário fixo.

Fernanda conta que procurou a renda extra por necessidade financeira, mas também para agregar às experiências profissionais e conseguir uma bagagem antes de pegar o diploma.

— É bem difícil organizar os horários. O estágio e as aulas da faculdade são fixos, mas os meus freelancers não, então tenho literalmente que fazer nos momentos que sobram. Isso significa no almoço, no ônibus, à noite, acordar mais cedo, finais de semana ou até mesmo durante o estágio e aulas — relata a estudante.

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Apesar da rotina pesada, Fernanda conta que, com os freelancers, aprendeu a ter muito mais responsabilidade. Nos dois locais, somente ela é responsável pelos conteúdos que vão para as redes sociais.

— Como sou só eu nos dois, se eu não fizer, nada é feito. Então aprendi a ter iniciativa, a ir atrás das coisas e a planejar os conteúdos. Também desenvolvi bastante a criatividade, edição de vídeo, o design… coisas que são super importantes para a minha área — conta.

O estágio, para ela, é um respiro. Lá, ela tem orientação e uma equipe grande, e não é ela quem toma as decisões.

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— Aqui [no estágio], sim, sinto que é o espaço para erros e aprendizados, enquanto nos meus casos de social media qualquer erro é um risco para eu ainda me manter ali. A responsabilidade também é um peso. Não sou formada, tenho pouca experiência, então cair tudo nas minhas costas é muita sobrecarga — diz Fernanda, que deve se formar na universidade em 2026.

A estudante não conhecia o termo polywork, apesar de ele definir a rotina dela. Ainda assim, ela sente que ele é um fenômeno crescente na geração a qual pertence, a Z.

— Não sei exatamente dizer o porquê, mas eu diria que a necessidade financeira e o mercado muito concorrido fazem a gente querer ou precisar trabalhar mais — pontua.

O que explica a busca pelo polywork

A especialista Michelle Wundervald explica que a geração Z valoriza muito a liberdade, e por isso vem buscando a questão das múltiplas experiências.

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— É uma geração que cresceu muito ligada na tecnologia, o que faz com que eles acabem conseguindo, até no trabalho remoto, conciliar vários contratos e com isso crescer, porque eles vão ter múltiplas fontes de renda — opina.

No estágio, Fernanda ganha R$ 1.300. A gelateria onde ela faz freelance paga R$ 1.500, e o sindicato R$ 500. No total, a estudante acumula R$ 3.300 mensais. Como não tem horário fixo, ela frequenta os dois locais de quatro a cinco vezes por mês. A maior parte do trabalho é feita de maneira remota.

— Com certeza, a maior vantagem são as experiências. Aprendi muita coisa em um curto período de tempo e também é muito legal trabalhar com áreas diferentes. Atualmente, trabalho com empresas e instituições que tem públicos e finalidades muito distintas, e é legal dar uma variada naquilo que eu tenho contato no dia a dia — aponta.

— Mas a maior desvantagem é o desgaste emocional, o burnout… Eu gosto do que faço, mas acho que não dá para romantizar ter múltiplos empregos. A necessidade financeira e o constante sentimento de que tenho que acumular experiências para estar apta ao mercado de trabalho me fizeram chegar nesse cenário de três empregos, mas não acredito que eu consiga ficar muito tempo assim — analisa Fernanda.

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Apesar das dificuldades que podem surgir, a especialista pontua que o polywork também pode ser um aliado para o crescimento profissional.

— Por trabalhar com diversos projeto ao mesmo tempo, acaba que a pessoa desenvolve várias habilidades. Ela acaba ganhando experiência em diversos setores, o que é bom, mas se não for bem focado, acaba se tornando difícil se especializar, por exemplo, em uma área. Então tem que ter a questão do jogo de cintura do profissional — diz.

Ela explica que as experiências variadas são fundamentais para o mercado de trabalho, mas que o profissional deve ter a preocupação de focar na especialização de algo que ele realmente tenha interesse, para se aprofundar na área.

Para ela, a tendência do polywork, atualmente, se concentra nas áreas de tecnologia, consultoria, marketing, educação, design, que são mais voltadas para a inovação. Mas como é uma tendência, o esperado é que as empresas percebam a qualidade devolutiva do trabalho desse tipo de colaborador, e que isso passe a servir de exemplo para empresas de outros setores que, hoje, são mais tradicionais.

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— Falando como mentora de liderança e como alguém que faz parte dos recursos humanos de uma empresa, sempre vale apoiar os talentos, sejam eles voltados ao polywork ou ao sistema de trabalho tradicional. Como a empresa pode apoiar? Incentivando o desenvolvimento profissional dessa pessoa, com cursos, enfim. Isso faz com que a empresa acabe tomando uma frente de estar conectada com as novas formas de trabalhar, o que acaba atraindo ainda mais talentos — conclui.

*O nome foi alterado para manter o anonimato da fonte.

**Sob supervisão de Andréa da Luz

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