Armas de grosso calibre e balanças de precisão começam a ser substituídas por discursos envolventes e documentos falsos no mundo do crime, em Santa Catarina. É a migração de quadrilhas de assaltantes e traficantes de drogas para o estelionato.
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A tendência foi diagnosticada pela Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) durante o novo mapeamento deste tipo de crime. Carros, bilhetes premiados e até acesso a cirurgias são fraudados, como o caso do estelionatário preso ontem e que fingia ser policial da própria Deic.
Um crime limpo, ou seja, sem derramamento de sangue ou violência explícita, de difícil solução, com pena branda e ganho expressivo tem mudado o perfil do criminoso em SC. A conclusão é da delegada Aline Zandonai, titular da Divisão de Defraudações da Deic. Em apenas dois anos de investigações, mais de 20 autores de estelionato presos em flagrante pela Defraudações – fora os presos por mandado – tinham condenação por assalto ou tráfico de drogas.
A delegada Aline percebeu também que muitas apreensões realizadas por outras divisões como a de Repressão à Entorpecentes envolvem, além de droga, documentos falsos.
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– Nos últimos dois anos, todas as quadrilhas presas em flagrante por nós tinham entre seus membros pessoas originárias de outras condutas delitivas como o roubo e o tráfico. Há uma migração dos que praticavam esses crimes violentos para o estelionato – observou Aline.
Um dos presos neste ano fraudava contratos de financiamento e tinha condenação por tráfico internacional de drogas. Conforme a delegada, o Litoral Norte de SC é a “meca” dos estelionatários, talvez por ser um bom destino para se gastar dinheiro fácil.
A ganância é a principal característica das vítimas enganadas pelos golpistas. Gente que quer ganhar vantagem, pagar R$ 10 mil num bilhete de loteria para ganhar R$ 100 mil.
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– Quando alguma coisa é muito fácil, tem que desconfiar. Se algo está fora do preço de mercado, suspeite da procedência. Dinheiro não dá em árvore. Não existe negócio extremamente vantajoso – observa a delegada.
Aline comanda uma espécie de força-tarefa no combate ao estelionato no Estado. Desde o início do ano, a Defraudações está centralizando todas as ocorrências que ultrapassam o limite dos municípios. As informações são a matéria-prima de um mapeamento, em produção, com o perfil do estelionatário em Santa Catarina.
“Eles não têm sentimento por ninguém”
Especialista em crimes de estelionato, a titular da Divisão de Defraudações da Deic, a delegada Aline Zandonai, alerta que este tipo de crime, aparentemente de menor potencial ofensivo, é tão grave quanto os delitos envolvendo sangue.
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Diário Catarinense – Qual o perfil do estelionatário, de modo geral?
Aline Zandonai – São extremamente inteligentes. Geralmente são pessoas agradáveis e com alto poder de convencimento. Gosto de interrogá-los por três, quatro horas. Eles vão construindo uma versão e depois acabam se perdendo. O criminoso contumaz, aquele que vive disso, atua em diversos tipos de golpes. São frios e vaidosos e não gostam de trabalhar.
Apreciam a vida boa com carros e restaurantes caros. Não gostam de nada falsificado. Só usam relógios grandes e roupa de marca. Trabalham em horário comercial e vivem apenas o dia, não tem nada em seu nome. A maioria usa documento falso. São meio nômades, mudam de endereço com frequência. Normalmente alugam imóveis caros. Eu brinco que só faço buscas de salto porque os criminosos que eu prendo não moram em morro, só em prédios maravilhosos (risos).
DC – Como é a investigação de um crime de estelionato?
Aline – O estelionato é um crime complexo, de difícil elucidação. Por usarem documento falso e mudarem de endereço, é difícil localizá-los. Não temos um objeto material como uma carga de droga ou um malote de dinheiro. Temos que demonstrar a materialidade com depoimentos, por exemplo. Muitas vezes demora para se comprovar a materialidade no inquérito. O flagrante também é difícil por causa do uso do documento falso.
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DC – Por que aparentemente o estelionato é um crime menos nocivo à sociedade?
Aline – Por causa da pena que é muito branda – um a cinco anos – e por não envolver violência. Mas ele destrói famílias e sonhos. Já vi gente perder tudo o que tinha. Valores que chegam a R$ 1 milhão. Entre as vítimas, há todas as classes sociais. Para mim, o estelionatário é o pior tipo de criminoso que existe porque não respeita ninguém. É capaz de usar o nome da própria mãe nas fraudes. Ele não tem sentimento por ninguém.