Na noite fria do dia 8 de agosto, às 23h, um homem usando casaco e boné, ergueu e retirou do pedestal de granito, o busto em bronze e oco do poeta catarinense Cruz e Sousa. A Praça XV estava vazia. O homem barbudo, a princípio um catador de latinhas, aparentemente não teve a menor dificuldade de saquear a obra do ponto onde a antiga Desterro foi fundada. A ação ocorreu em segundos e foi filmada pelo sistema de videomonitoramento da Polícia Militar.
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A câmera revela apenas o furto do poeta em bronze, mas o secretário de Segurança Pública de Florianópolis, Raffael de Bona Dutra, confirmou que na mesma noite foram furtados outros três bustos de figuras ilustres da história e da cultura de Santa Catarina e do Brasil. São eles: o jornalista, político e militar Jeronymo Coelho, o jornalista, historiador e advogado José Boiteux e o artista Victor Meirelles.
Contudo, o boletim de ocorrência só foi registrado 14 dias depois, nesta quinta-feira, e a Polícia Civil comunicada às 15h30min, quando então instaurou inquérito na 1a DP da Capital.
– Só hoje (quinta) chegou a informação do furto. Ninguém tinha prestado atenção. Quando ficamos sabendo, fui ao Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) checar se eles haviam retirado os bustos para manutenção, mas eles não haviam feito isso – disse o secretário.
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A Guarda Municipal – subordinada à Secretaria de Segurança de Florianópolis – é responsável por cuidar do patrimônio da cidade. Raffael Dutra falou que o efetivo é insuficiente e por isso prioriza locais que não são cobertos pela PM.
O secretário de Segurança informou que atualmente trabalham na GM 147 agentes e o ideal seriam cerca de 300. Dutra falou que a gestão passada não fez as contratações estipuladas no cronograma que eram de 1.800 agentes.
– Existem diversos outros locais menos protegidos que temos que atender. Além disso, a PM tem um posto em frente à praça – argumentou Dutra.
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O secretário afirmou que a GM atua na praça, mas não de madrugada.
– A frequência de visitas ali é inexistente esse horário. E é tão improvável que alguém venha a furtar bustos na praça que damos prioridade à segurança das escolas e ao trânsito. Isso consome 100% do nosso efetivo – contou o secretário.
A Chefia de Comunicação da Polícia Militar informou que apenas o comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Araújo Gomes, poderia comentar a ocorrência, mas como ele estava voltando de Brasília à trabalho, nesta quinta à noite, só poderia falar na sexta-feira. A reportagem tentou contato no celular do comandante, sem sucesso.
Furto de bronze para compra de crack
Responsável pela investigação, o delegado Antônio Seixas Joca, da 1a DP da Capital, trabalha com as imagens da PM para identificar o suspeito pelos furtos, entre outros elementos. Ele preferiu não divulgar o vídeo para não atrapalhar as investigações.
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A princípio, não há imagem do furto dos outros três bustos porque a câmera da PM não seria posicionada na direção de todas as peças. Também não há informação de que o sistema tenha registrado o meio de transporte utilizado para levar as peças.
– Acreditamos que os bustos foram furtados na mesma noite e pela mesma pessoa. Mas é prematuro dar maiores informações – observou o delegado Antônio Joca.
O delegado vai investigar também como as peças foram removidas, já que nos pedestais havia quatro furos do tamanho de uma moeda de 10 centavos cada, o que indica que os bustos eram fixados por parafusos ou peça similar.
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As buscas do delegado Joca e de seu principal investigador, o policial Ricardo Cavalcanti, seguiriam pela noite de quinta. A equipe está atrás não só do ladrão, mas também dos possíveis receptadores.
O delegado não descarta nenhuma linha de investigação, como o furto ter sido cometido por um atravessador a mando de um colecionador ciente do valor histórico das peças. Mas esta é uma possibilidade remota.
Possivelmente o suspeito é usuário de drogas e furtou os bustos para trocá-los por crack, assim como acontece com o cobre – observou o delegado Joca.
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A Polícia Civil trabalha com uma forte hipótese do ladrão ser catador de latinhas.
Mercado negro de bronze está concentrado em SP
Os quatro bustos da Praça XV não foram os únicos monumentos em bronze furtados na cidade, recentemente. De acordo com a prefeitura, a enorme placa do general Antonio Vicente Bulcão Vianna, inaugurada em 1943, na Praça Getúlio Vargas, também desapareceu. Não há registro da ocorrência na delegacia da área, a 1a DP, nem de qualquer outro tipo de furto envolvendo bronze, sem contar os bustos.
Um investigador experiente que preferiu permanecer no anonimato informou que o quilo do bronze no mercado negro custa média de R$ 5. Não há como calcular precisamente o quanto o ladrão da Praça 15 ganhou em troca dos bustos. O Ipuf não soube informar o peso de cada um.
Conforme o policial, este tipo de metal nobre é usado na fabricação de joias, semi-joias, parafusos, buchas e peças de motores e, claro, em estátuas. Os atravessadores costumam reunir cargas grandes de 10 a 15 mil quilos para então transportá-las para São Paulo, o principal mercado ilegal do bronze adquirido de forma ilícita no país.
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O secretário de segurança Raffael Dutra disse que fez levantamento com apoio do serviço de inteligência da PM e descobriu cinco empresas na Grande Florianópolis que trabalham com a fundição de bronze.
– Entramos em contato com essas empresas para que fiquem cientes de que se alguém fosse vender os bustos para elas, o proprietário seria responsabilizado por receptação – concluiu o secretário.