O laudo pericial sobre a composição do produto que causou queimaduras em um menino de 10 anos em Três Barras, no Planalto Norte, é a peça-chave para a Polícia Civil concluir o caso. O resíduo saiu de uma indústria de papel da cidade e foi depositado em um terreno onde a criança brincava quando sofreu os ferimentos, no dia 17 de maio. O garoto ficou internado por duas semanas e passou por cirurgias que futuramente, de acordo com a família, podem até dificultar a locomoção.
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Menino sofre queimaduras graves com resíduo de indústria em SC: “Muita dor”, diz mãe
Segundo o delegado Nelson Nadal, a família da vítima, representantes da empresa Mili e o proprietário do terreno já foram interrogados. Por se tratar de uma investigação que corre em sigilo, no entanto, Nadal não comentou o teor dos depoimentos. Ele apenas destacou que a identificação do material que ocasionou as queimaduras é imprescindível, principalmente para indicar se houve ou não crime ambiental.
— Porque, a partir desta identificação, nós vamos poder, por exemplo, analisar se a empresa tinha ou não autorização pra produção desse material, se o manuseio desse material foi feito respeitando as normas estabelecidas, e se o eventual descarte também foi feito de acordo com a legislação já estabelecida — detalha o investigador.
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Uma amostra do resíduo que causou os ferimentos no garoto foi coletada no dia do acidente e enviada para análise na sede da Polícia Científica de Florianópolis. Nadal explica que a inspeção ficou a cargo de peritos da Capital por se tratar de um procedimento que exige equipamentos de maior complexidade. Por este motivo, também, pode ser que haja demora na conclusão dos resultados, que não tem data para serem divulgados.
Laudo médico aponta que criança sofreu queimaduras com produto químico de indústria em SC
Enquanto ainda estava no Hospital Infantil Joana Gusmão, a reportagem do A Notícia teve acesso ao laudo médico do menino, que apontou que ele sofreu “queimaduras com produto químico”. O prontuário também descrevia a medicação prescrita durante o período e a lista conta com remédios de alto poder analgésico, como a morfina, por exemplo.
A ficha médica, conforme o delegado, também foi encaminhada à perícia para que seja confeccionado um laudo de lesão corporal que pode ser anexado ao inquérito policial.
De onde vem o resíduo que queimou o garoto
A Mili é uma indústria que produz papel de uso doméstico com sede em Três Barras e possui como diferencial a celulose de pínus e uma quantidade considerável de aparas de papel reciclado como fonte de fibras.
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No entanto, conforme informativo da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), parte desta massa reciclada não é absorvida no processo de produção do papel e esta “sobra” acaba sendo enviada para as Estações de Tratamento de Efluentes (ETE’s). Lá, o resíduo, chamado de lodo de ETE, deve passar por tratamento para remover possíveis poluentes e químicos para então ser distribuído.
Por se tratar de um produto com 60% de umidade, precisar ser incorporado ao solo e ser distribuído em grande quantidade, há dificuldades operacionais como altos custos de transporte, o que acaba gerando prejuízo financeiro. Por este motivo, a Mili desenvolveu um sistema de calcinação do resíduo para adequá-lo ao uso agronômico e, ao mesmo tempo, diminuir o passivo ambiental e o consumo de energia.
Em nota enviada no dia 26 de maio, a Mili informou que o produto, um pó fino similar ao calcário, é doado regularmente há mais de uma década para agricultores da região, que o utilizam para correção de acidez do solo.
A indústria ainda argumentou que o uso deste resíduo na agricultura foi estudado pela Epagri e também aprovado pelo Ministério da Agricultura, que não acusou “condições perigosas ao manuseio”. Após o ocorrido, no entanto, a companhia informou que passaria a alertar os trabalhadores rurais sobre o caso.
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Epagri diz que produto foi classificado como “não perigoso”
A reportagem procurou a Epagri para comentar sobre o acidente com o menino. Por nota, o órgão disse que não teve acesso às investigações e aos laudos de análise do produto que causou as queimaduras e, por este motivo, “não pode se manifestar quanto ao lamentável incidente”.
A Epagri também relata que analisou e testou o resíduo em questão em 2003 e em 2011, conforme escreveu a Mili. De acordo com análises químicas e físicas da época, o material foi classificado como Classe IIA (não perigoso e não inerte), “bem como apresentou potencial para uso agrícola como corretivo da acidez do solo”.
“A Epagri destaca ainda, que após o período de avaliação do resíduo em casas de vegetação e no campo experimental é gerado um relatório técnico sobre limite de doses, culturas indicadas e métodos de aplicação no solo, e que todo o processo de controle e destinação correta dos resíduos, além do processo de registro e distribuição aos agricultores ficam sob responsabilidade da indústria ou empresa licenciada”, termina o texto.
Relembre o caso
O acidente aconteceu na tarde do dia 17 de maio. Sabrina Cornelsen, 35, mãe da criança, conta que, neste dia, dois amiguinhos do filho foram à casa da família convidá-lo para brincar. Apenas o pai estava no local e foi ele quem autorizou a saída. Os três, então, seguiram de bicicleta e pararam no terreno em que em este resíduo foi despejado, próximo de um lago.
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Sabrina disse ao AN que o filho adora mexer na areia e, como viu algo semelhante, se aproximou do material e afundou os pés, quando teve queimaduras instantâneas. Ele foi socorrido por um dos meninos que estava com ele, que o ajudou a retornar para casa.
Conforme a reportagem do Jmais, que esteve no local, o produto realmente se parece com uma areia, tem cheiro de cinzas e, quando em contato com algo, levanta fumaça. O veículo ainda flagrou, logo após o ocorrido, três caminhões despejando mais da mesma substância no terreno. Ainda segundo o jornal local, semanas antes, um cachorro morreu por ter tido contato com o mesmo produto.
Sabrina, que estava em uma escola onde trabalha como professora, soube da situação quando o filho já estava sendo atendido no posto de saúde. Para ela, a atitude da empresa representa um “descaso ambiental e com a vida com a vida das pessoas”, já que o terreno só foi cercado após o filho ficar ferido. O garoto sofreu queimaduras de terceiro grau nas mãos, parte dos braços, pernas e pés.
— Teve que acontecer uma coisa dessas com meu filho pra isolarem o local. E e nenhum momento a empresa nos auxiliou. Apenas entrou em contato e mais nada. Graças a Deus temos bons amigos e familiares que estão nos apoiando nesse momento tão difícil — destacou em entrevista.
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