Digamos que você decida trocar de carro. Vai até uma concessionária e escolhe modelo e cor que mais lhe agradam. As economias que você tem são suficientes para pagar à vista, mas sua conta no banco vai ficar zerada. O vendedor lhe oferece, então, uma proposta tentadora: parcelamento da compra com taxa de juro ínfima. O que você faria? Quitaria a compra para fugir da cobrança extra ou parcelaria para garantir algum resguardo financeiro em caso de imprevisto?
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Qualquer conclusão a que você tenha chegado não terá sido tão racional como parece. Depende de cálculos financeiros, mas também da relação que você tem com dinheiro e até dos seus hormônios. Pelo menos é o que defende o pesquisador americano Paul Zak. Ajudou a criar uma nova disciplina – a neuroeconomia – e é conhecido como Dr. Love por realçar o papel de uma substância identificada com o amor e a moral, a ocitocina. Ele vem a Porto Alegre no dia 4 de novembro para falar sobre o tema no Fronteiras do Pensamento (leia entrevista completa). Em seus estudos, Zak tenta comprovar como a química cerebral define as relações de confiança na sociedade e na economia.
– A ocitocina nos diz quando confiar e quando desconfiar, quando gastar e quando poupar – afirma o pesquisador.
Zak ainda vai além: por estar mais presente no sexo feminino, o hormônio tornaria as mulheres biologicamente mais generosas e confiáveis. Nos homens, a ação da substância seria inibida pela alta presença de testosterona, deixando-os mais propensos a correr riscos e fazer maus negócios.
Escolha rápido
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A diferença de gêneros na tomada de decisão também é tema de pesquisas no Brasil. Armando Freitas da Rocha, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coautor do livro Neuroeconomia e processo decisório: de que maneira o cérebro toma decisões,
realizou experiências no país e em Portugal com economistas e operadores do mercado financeiro para identificar de que maneira as escolhas eram processadas no cérebro. Profissionais de ambos os sexos e com diferentes níveis de experiência foram submetidos a um jogo que simulava compra e venda de ações na bolsa de valores enquanto eletrodos mapeavam o funcionamento cerebral.
– Já imaginávamos que homens e mulheres utilizavam diferentes partes do cérebro quando estavam diante da incerteza, mas o que a experiência nos mostrou é que mulheres se saem melhor em decisões de curto prazo: elas obtiveram mais lucro quando o espaço de tempo era apertado. Conforme os testes iam avançando, os resultados ficavam bastante semelhantes, demonstrando que no longo prazo não há diferença de gêneros – conta Rocha.
A hipótese do médico para explicar o resultado é biológica. Entre os mamíferos, a fêmea geralmente é a responsável por proteger a prole. Como os filhotes não podem ficar por muito tempo sozinhos, ela seria obrigada a tomar decisões rápidas quando saía à procura de alimentos.
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– Ainda não se sabe exatamente de que maneira o cérebro opera, mas sabemos que o ser humano é bem menos racional do que pensa que é. O levantamento dos dados se processa na parte cerebral, mas a avaliação se dá no âmbito emocional – completa o especialista em neurolinguística Fábio Theoto Rocha, que também coordenou a pesquisa.
Opção racional, conclusão certa?
O resultado é visto com ceticismo por Ana Meireles, agente no mercado de ações em Porto Alegre. Tanto que costuma levar bastante tempo para fazer uma escolha. Única mulher na empresa em que atua, conta que tem outras vantagens em relação aos colegas, mas não a agilidade.
– O ambiente real é bem diferente do laboratório. É difícil fazer uma comparação. Mas tenho qualidades que me diferenciam como profissional, como qualquer uma da equipe em que trabalho, independentemente do sexo – afirma.
Doutor em Finanças Comportamentais, Jurandir Sell Macedo concorda que os aspectos biológicos têm influência, mas ressalta que os fatores culturais tendem a deixar a separação de gêneros mais difusa.
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– Em algumas situações, a biologia pode até preponderar na escolha, mas em geral é o fator ambiental que define. É importante lembrar, no entanto, que decisão racional não significa, necessariamente, decisão acertada.
Daqui em diante, quando você estourar o limite do cartão de crédito já sabe: pode colocar a culpa em seus hormônios. Ou pelo menos parte dela.

Ana Meireles diz ter outras qualidades que não a agilidade
Foto: Camila Hermes, Especial
Cultura também influencia
Apesar de as pesquisas mostrarem que fatores biológicos influenciam na hora da escolha, é consenso entre psicólogos, economistas e neurocientistas que a cultura também tem impacto considerável.
Ainda não há uma resposta definitiva para o fato de algumas pessoas serem mais racionais do que outras. Jurandir Sell Macedo, doutor em finanças comportamentais, explica que pesquisas mostram que as pessoas podem diminuir a impulsividade ao longo da vida, por exemplo, mas não eliminam o comportamento:
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– Isso sugere uma influência biológica forte na personalidade, mas não a única.
Max Alves e Patrícia Brogni sabem bem disso. Os dois são sócios em uma agência de turismo e têm temperamentos diferentes daquele que as pesquisas sugerem: ele é bem mais cauteloso do que ela na hora da decisão.
– Temos ideias parecidas, mas atitudes diferentes. Sou mais ansiosa e imediatista. Só coloco o pé no freio quando é uma escolha com bastante risco envolvido – conta Patrícia, que gosta de ler sobre pesquisas que mostram diferenças entre os gêneros.
Mesmo admitindo certa curiosidade sobre o tema, Max conta que não leva o resultado das pesquisas tão ao pé da letra assim:
– Quando discordamos sobre algum assunto que envolve o futuro do negócio, o que é bastante raro, conseguimos chegar a um acordo. Eu sei me colocar no lugar dela. As diferenças entre nós existem porque os seres humanos não são iguais. Não tem relação com gênero.
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Sócios de uma empresa de turismo, Max e Patrícia dizem que não se enquadram no perfil pesquisado
Foto: Camila Hermes, Especial
Prêmio para teses opostas
Entender o processo de tomada de decisões de consumidores e investidores desafia cientistas de várias áreas. Enquanto neurologistas se esforçam para identificar como o cérebro humano funciona na hora de ativar o bolso, economistas trabalham para descobrir se é possível prever o comportamento dos investidores mesmo sabendo que eles não são tão racionais assim.
Foi por trabalhos que tentaram responder a essa questão que três economistas americanos levaram o prêmio Nobel de Economia para casa em 2013 – com respostas contraditórias, o que evidencia a falta de consenso sobre o tema. O anúncio de que os professores universitários Eugene Fama, Robert Shiller e Lars Peter Hansen foram os vencedores deste ano pegou muitos de surpresa porque os dois primeiros, Fama e Shiller, têm respostas bem diferentes das formuladas por Hansen.
Depois de antecipar a bolha do mercado de ações de empresas de internet nos Estados Unidos, em 2000, e a formação da bolha imobiliária que desencadeou a crise de 2008, Schiller era o favorito para o prêmio. Aliás, ele também disse ter visto “sinais” que o mercado imobiliário brasileiro se encaminhava para uma bolha, embora destacasse não ter provas materiais. Professor na Universidade de Yale, o economista afirma que, como o valor das ações é determinado por expectativas dos investidores em relação ao lucro de cada ativo, é natural que certos movimentos futuros do preço sejam previsíveis.
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Eugene Fama, professor da Universidade de Chicago, tem uma visão completamente oposta e afirma que é impossível prever com clareza o comportamento do mercado. Conhecido pela veia liberal, Fama diz que os preços das ações mudam diariamente por causa das notícias e não por nada que possa ser antecipado. Segundo o pesquisador, neste tipo de mercado, a performance passada não diz absolutamente nada sobre o futuro.