Fede muito nos arredores da Fábrica Ana Cecília Vieira Indústria e Comércio Ltda (ACV), a 18 quilômetros do Centro de Biguaçu, na localidade de Estiva, de aspecto rural. Lembra churume e ovo podre, com pitadas de aroma de peixe. O vapor expelido no processo de produção de farinha de pescado, usado na alimentação de gatos e cachorros, revira o estômago e muda o gosto na boca. É o que a reportagem da Hora percebeu em três visitas ao local, em horários diferentes, num período de dez dias.

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O problema é antigo. Vem desde o início dos anos 2000 e acumula denúncias ao Ministério Público (MPSC) e órgãos de fiscalização ambiental, troca de donos da fábrica e até suspensão da produção por decisão judicial. Houve melhoras temporárias, dizem moradores, mas, de fato, nenhuma solução. O mau cheiro, que o funcionário da ACV Lauri Matos diz ter se acostumado, é sentido em um raio de 100 metros da sede e estraga frequentemente a refeição da família do pedreiro Deiwson Santos, 25 anos.

– No almoço tenho que fechar as janelas para conseguir comer, mas é difícil não enjoar. Quer ver quando sai uma fumaça preta. Aí que fede pra valer – diz, apontando para a fábrica, avistada da casa onde vive há cinco anos.

3 mil pessoas na vizinhança

A firma está instalada na região bem antes de Deiwson levantar a estrutura de alvenaria, casar e ter um filho. Neste tempo foram três administrações distintas, que assumiram o empreendimento em meio aos protestos das comunidades do entorno, cerca de 3 mil pessoas que vivem nas localidades do Jardim Carolina, da Cachoeira, Estiva e Tijuquinha e parte do município de Governador Celso Ramos.

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Na mesma região ainda está localizado o aterro sanitário da Grande Florianópolis.

Mudanças a partir de 2012

Os moradores reclamam há quase 15 anos, mas a última gestão adquiriu a estrutura em outubro de 2012. É o grupo Farol, empresa com matriz em Chapecó e que movimenta milhões de reais na área de alimentação pet e transformação de resíduos e subprodutos de origem animal. Em seu site, prega como valor o “respeito ao meio ambiente, desenvolvimento de pessoas, qualidade e responsabilidade social”. Princípio que o administrador Joares Albuquerque usa para se defender das reclamações:

– O produto fabricado aqui (cerca de 700 toneladas por mês) serve de matéria prima para a Nestlé. Trabalhamos com Camil, Gomes da Costa. Temos responsabilidades e somos fiscalizados constantemente.

Investimentos pra melhorar a imagem

Desafio, desafio, desafio. A palavra é repetida como mantra por Albuquerque ao falar sobre a gestão da fábrica. Foi com ambição que ele mudou-se com mulher e filhas para Biguaçu, em outubro de 2012. A empresa estava com a imagem arranhada, depois que a comunidade conseguiu na Justiça um embargo de 4 meses.

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– Hoje, geramos 350 empregos diretos e indiretos dentro do município. Produzimos com respeito ao meio ambiente. Queremos exportar e não tem como fazer isto sem respeitar as normas – disse.

Promotor pede vistoria

As adequações que a empresa diz ter promovido não impediram que uma denúncia anônima chegasse em agosto ao Ministério Público e à Fatma, acusando a ACV de poluição atmosférica, do solo e dos rios da região, com danos à saúde dos moradores do entorno. A acusação pedia o fechamento da unidade.

O promotor Marco Antônio Scütz de Medeiros solicitou à Justiça uma nova vistoria técnica para apurar a denúncia – que ainda não foi feita -, mas se mostrou surpreso.

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– Poluir não é crime por si só. Acima da norma é que cabe punição. O Conama estabelece limites e, por mais desagradável que seja o cheiro, se estiver de acordo com a Lei, não tem o que fazer. Pelo que tenho conhecimento, a gestão atual segue todos os requisitos para funcionar – disse.

A Fatma não se posicionou, após inúmeras troca de e-mails e ligações ao longo do último mês.

O QUE A EMPRESA DIZ TER FEITO

– R$ 15 milhões investidos para readequar e reativar a fábrica

– Compra de equipamentos e filtros pra diminuir a intensidade do cheiro.

– 300 toneladas de lodo removidos, além de material orgânico em putrefação que estava no terreno, nos primeiros oito meses de trabalho.

COMO ERA ANTES

– Antiga fiscal da Famabi, atual superintendente adjunta, Andrea Felipe descreveu assim a situação encontrada antes do embargo de 2011: “Não sei como a Fatma licenciou aquilo. Restos de animais, descarte direto no solo. Era horrível”

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– Material orgânico em decomposição espalhado pelo terreno.

– Funcionários trabalhavam com mínimas condições

A COMUNIDADE

O presidente da Associação de Moradores da Estiva, Zani de Souza, acompanha o processo há anos e coleciona recortes de jornais e atas sobre o assunto. Ele desconhece o autor da última denúncia, mas afirma que o cheiro voltou a incomodar nos meses de agosto e setembro.

– Dependendo o horário do dia ou a direção do vento, não dá para aguentar. O cheiro é insuportável. Os novos donos até são bem intencionados, mas 3 mil pessoas da comunidade não podem pagar por 80 empregados – disse Zani.

A EMPRESA

Joares Albuquere diz que sofre perseguição por erros cometidos no passado. Ele cita a proximidade com o aterro sanitário em Tijuquinhas, para se defender do mau cheiro. É para lá que vai quase todo o lixo orgânico da Grande Florianópolis.

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– Fizemos uma pesquisa perguntando à comunidade o dia e hora em que o cheiro era mais forte. A maioria reclamou em dias que a fábrica ficou parada. Então, só pode ser má fé ou o cheiro vem de outro lugar e nós levamos a fama – diz.

Entenda o processo na fábrica ACV, a partir do principal fornecedor da matéria-prima, em Itajaí: a unidade da Gomes da Costa, multinacional espanhola de alimentos especializada em pescados: