Dentro de uma pasta de plástico branca e com marcas deixadas pelo tempo, Osni Kistner carrega pela Rua XV de Novembro um sonho que ele considera impossível. De cima até embaixo, o homem de 63 anos caminha pelo “coração de Blumenau” com alguns textos nos braços e tenta comover, com os poemas que ele mesmo cria há cerca de quatro décadas, desconhecidos que encontra pelo trajeto. As palavras escritas à mão são vendidas pelo valor que as pessoas puderem oferecer por elas e, assim, seu Osni busca sobreviver da própria arte, dia após dia.
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A rotina é cansativa para quem já passou dos 60 anos, mas o amor pela literatura — e a necessidade de colocar um prato de comida na mesa — falam mais alto. Todas as tardes, o poeta de Blumenau segue para o mesmo destino para compartilhar com o mundo aquilo que começou apenas como um hobby e evoluiu com o passar do tempo.
— Sempre fui um bom aluno. Gostava mais das matérias teóricas, como Literatura. Na época, já tinha alguns poemas e autores favoritos. Aí depois tive a oportunidade de ler mais coisas, já que um amigo tinha uma biblioteca e aí devorei os livros — conta Osni.
O interesse pela arte fez com que, desde 1981, com 20 anos de idade, seu Osni escrevesse cerca de 2,5 mil poemas. E não há como negar que o homem de sorriso largo e palavras sensíveis entende do assunto.
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Ao citar sonetos de Vinicius de Moraes e refletir, em plena Rua XV, sobre a simplicidade de Casimiro de Abreu — renomados poetas brasileiros —, seu Osni revela que já tentou investir na publicação dos próprios textos, no entanto, considera um “sonho impossível” pelas condições financeiras atuais.
— A gente vive em um país pobre e, para parte da população, o livro seria um artigo supérfluo. Então também se torna algo meio impraticável — acrescenta.
Morador do bairro Garcia, o blumenauense vive atualmente com o irmão e batalha para seguir em frente diariamente. Por conta de problemas de saúde, seu Osni conta que nunca conseguiu se firmar em um emprego, apesar de já ter trabalhado como auxiliar de almoxarifado e vendedor.
Quando a mãe morreu, há cinco anos, o poeta precisou encontrar alguma alternativa para sobreviver, já que não teria como se sustentar sozinho. Foi nesse momento, então, que a arte ganhou ainda mais importância na vida dele.
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— Fiquei sem chão, porque ela era a minha família. A pessoa mais importante no mundo para mim. E aí comecei a pensar o que eu poderia fazer. Como já tinha vendido cópias de poemas uma ou duas vezes no passado, lembrei que essa poderia ser a saída — explica.

Quarenta reais — e bons encontros — para continuar lutando
Nos últimos cinco anos, as caminhadas pela Rua XV passaram a ser frequentes. Adepto ao papel e caneta, seu Osni faz questão de escrever o poema com as próprias mãos para, só depois, tirar cópias dos textos e tentar vendê-los pela cidade.
O cuidado e capricho na letra rendem, inclusive, elogios de quem cruza o caminho do poeta de Blumenau. Mas não só por isso. A sensibilidade do homem de mais de meio século de vida também surpreende aqueles que esbarram por ele e questionam de onde surge tamanha emoção em cada palavra.
Segundo seu Osni, porém, não é preciso ir muito longe para alcançar esse “dom”.
— A inspiração é algo mágico. Porque tu conversa com alguém, ouve uma frase, fala outra, vê uma imagem, escuta a letra de uma música e já surge aquela inspiração. Às vezes parece que a tua mão já sabe o que quer escrever. Ou, então, ela [a ideia] fica guardada por uma semana, um mês ou mais e, de repente, flui — explica.
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Seu Osni confessa, no entanto, que nem sempre se sentiu confortável para abordar pessoas na rua e compartilhar um pouco do próprio trabalho. Por temer a reação do próximo, ele já deixou de mostrar para o mundo o talento que adquiriu com o passar dos anos, relembra.
Hoje, porém, ele considera cada encontro uma oportunidade de fazer a diferença na vida da pessoa. Para seu Osni, levar a literatura até o próximo, emocionar desconhecidos e tentar tornar o dia de alguém um pouco melhor é o que dá entusiasmo para seguir em frente.

— Pela minha aparência, por ser muito magro, pensam que eu sou doente ou um morador de rua. Mas, na maioria das vezes, são momentos muito agradáveis, onde converso até meia hora com algumas pessoas. Às vezes a tarde não está muito boa, mas você encontra pela frente alguém que amou o teu trabalho, te recebeu com carinho… E só aquele encontro já valeu a pena — conta.
Por mais que o dinheiro seja importante para a sobrevivência dele, seu Osni decidiu cobrar um valor espontâneo por cada texto, onde a pessoa pode oferecer a quantia que quiser pelo poema. Nas folhas, ele deixa registrado o número do PIX (47996075844) para facilitar a transferência, próximo à assinatura de “Brother Osni”, como ele se denomina no meio artístico.
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Em média, o homem arrecada cerca de R$ 40 por tarde. Não é muito, confessa o poeta, mas é o que consegue enquanto se fortalece na fé de que dias melhores virão.
— Eu tenho andado demais e comido de menos. E aí acaba dando um desgaste por já ter 63 anos. Mas, eu estou plantando uma semente e quem sabe lá na frente vai ter uma colheita. Eu tenho esperança — finaliza.
*Sob supervisão de Augusto Ittner
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