Um relojoeiro que ajustava a sua época, os costumes e as tradições de seu Estado em pinceladas magistrais. Transformou o branco em paixão, sofrimento em luz, felicidade em paisagens. Eternizou a divindade da heroína Anita Garibaldi, o drama dos caboclos da Guerra do Contestado e ícones do folclore regional.

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Assim como a bandeira do Divino, Willy Zumblick fez da arte o seu estandarte de vida. No curso do centenário do seu nascimento, celebrado no dia 26, fragmentos surpreendentes do cotidiano do grande artista tubaronense surgem para rememorar o legado fantástico que o tempo não consegue apagar. Acima de todas as glórias e as milhares de obras, Zumblick era um devoto apaixonado.

O acervo pessoal do pintor – confiado aos filhos desde a sua morte há cinco anos – não traz nenhuma tela ou escultura inédita, mas uma obra que remete à história particular da grandeza dos célebres contos de amor da literatura mundial. São poemas de despedida escritos por Willy e pela esposa, Célia. Um endereçado ao outro, mas que eles jamais leram.

O que os versos, encontrados nos pertences dos dois na casa na Rua José Ferreira Lima onde viveram no Centro de Tubarão, revelam é uma devoção mútua sem tamanho. Neles, o casal escreve mensagens de conforto na possibilidade da chegada da morte e juras de um encontro eterno. Zumblick acreditava que morreria antes da mulher. Porém, foi Célia quem partiu primeiro, três anos antes.

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A filha do casal Maria Elisa Zumblick foi quem encontrou a carta entre os pertences deixados pelo pai

Foto: Guto Kuerten / Agência RBS

O poema datilografado por Zumblick não está datado e repousava em uma caixa encontrada pela filha Maria Elisa Zumblick Gelosa. É um entre tantos endereçados à mulher, Célia, e um dos únicos que os familiares tornaram públicos. É o Zumblick poeta, preocupado com a solidão de Célia e fiel apaixonado.

Maria Elisa lembra que os irmãos se reuniram para ler a singela carta juntos:

– É difícil. Muito difícil. Uma saudade muito grande dos dois. Agradeço a vida que me deixaram – completa, com a voz embargada.

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Foram 68 anos de casamento, e quem partilhou do convívio de Willy e Célia lembra a cativante afinidade e carinho entre os dois. A filha relata a participação constante de Célia no processo criativo de Zumblick, de quem ele sempre buscava aconselhamentos e opiniões. A morte da esposa, lembra, representou uma perda devastadora para o pai e o início de sua própria partida:

– Quando a mãe faleceu, nós não iríamos contar. Mas quando chegamos, ele estava de paletó. Tinha escutado no rádio. A vida dele começou a definhar naquele dia.

Bilhetes, dedicatórias, poemas e as cartas foram encontradas nos pertences do casal e estão guardadas como forma de lembrança e carinho pelos familiares.

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Willy e Célia se conheceram ainda na adolescência, em Tubarão, onde noivaram. Mas ela teve que se mudar para Timbó por conta da transferência de emprego do pai. Nesse período, pouco os noivos se viram. Comunicavam-se por cartas e fotografias. Os raros encontros custavam ao jovem artista uma jornada de dois dias até o Médio Vale. Partia de barco de Laguna para desembarcar em Itajaí e depois seguir de ônibus até Timbó.

O casamento a levou para Tubarão. Nunca mais se separaram. Célia se dedicava à casa, aos filhos, à relojoaria e zelava pelos quadros expostos na residência escolhidos por ela. Para Lélia Pereira da Silva Nunes, escritora e amiga da família, eles se completavam e eram inseparáveis inclusive em eventos e festas populares. Por ocasião da grande enchente que assolou a região em 1974, Willy e Célia abrigaram mais de 40 pessoas. A escritora traz à tona a lembrança triste da desolação do artista diante da morte da mulher: ele estava sentado em frente à casa esperando a esposa que nunca mais voltaria.

Antes de partir, Célia também endereçou ao marido um bilhete que, segundo os filhos, não foi revelado ao pai por causa da fragilidade emocional de Zumblick diante da incrédula perda. Nele, a mulher exprime a gratidão pela vida partilhada e o amor inestimável ao parceiro a quem carinhosamente chama de “meu velho”.

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As mensagens que não chegaram aos seus destinatários se revelam afinadas no propósito dos dois apaixonados autores. Agora reunidas pelos filhos cumprem o desejo de vagarem na posteridade sem se separar.

Célia,

O poeta tem o dom da verdade, sabe descrever o mundo em versos, tem a alma sempre em liberdade, sente que vive em outro universo. Deve ser triste viver na solidão, mais triste é saber que vou te deixar.

Se nada da vida possa levar, tenha certeza, levo comigo o teu olhar, os filhos, o carinho, o prazer de amar

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Ao lado de Deus estarei a te esperar

Se lá em outros planos houver vida, prometo que irei te encontrar

Gritarei bem alto… querida…

No Céu vagaremos, sem nos separar.

Meu velho, essa casa foi a família que construímos com muito amor e dedicação dias após dias, cheia de carinhos de nossos filhos. Obrigado, meu Deus, por tudo isso que nos tem dado e abençoe até o dia final de nossas vidas. Abençoe senhor a minha casa e a mim também. Nossa casa… de verdade, doce lar que Deus nos deu, um lindo roseiral em flor, nossos filhos, tu e eu.