No comando há 24 dias da 7ª Regional da Polícia Militar, com sede em Blumenau, a tenente-coronel Claudete Lehmkuhl fala em entrevista ao Santa dos planos e de temas polêmicos. Ela é a primeira mulher a assumir um posto deste em Santa Catarina.

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CARREIRA

Quando terminei o ensino médio e entrei na universidade coincidentemente foi o ano em que foi divulgado o primeiro ingresso de mulheres na Polícia Militar (1983). Acabei me interessando pelo diferente, pela oportunidade. Até hoje não tenho parente na PM. Eu fiz vestibular para Física, mas entrei na academia da polícia, fiz os três anos e depois fiz Ciências Sociais e me especializei em Políticas Públicas. Entrei na primeira turma de oficiais mulheres. Na época, éramos cinco, mas nos formamos em três. Me identifiquei com a profissão e nunca questionei a possibilidade de sair da corporação. Lembro que por ser algo desconhecido, a preocupação dos meus pais era se eu ia me tornar um homem de uma hora pra outra (risos).

A função de comandante regional é uma função de coronel, de último posto, só que o comandante-geral (Paulo Henrique Hemm) achou por bem me dar a chance, mesmo sendo tenente-coronel. É um desafio. Minha missão é fazer com que os batalhões realmente consigam diminuir a criminalidade. Estou aqui com o objetivo de criar métodos e desenvolver ações que possam contribuir para isso. Acho que talvez seja minha última passagem na corporação.

DESAFIOS

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A 7ª Regional da Polícia Militar, com sede em Blumenau, tem 44 municípios e estou fazendo o levantamento da região. Hoje temos o registro de todas as ocorrências, não se admite distribuir o efetivo sem analisar fatos e dados. No dia 20 vou fazer uma reunião com os três batalhões (Blumenau, Brusque e Rio do Sul) para apresentar a realidade das unidades, as ocorrências de maior risco e as necessidades da comunidade para cada unidade desenvolver seu plano e trabalhar em cima de planejamento estratégico. Os comandantes também estão fazendo um levantamento das estruturas. Eu pretendo, como comandante, analisar se alguns bairros não necessitam de mais viaturas do que o uso das bases.

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Se nós temos defasagem de efetivo? Temos. Todo o Estado e talvez o país. Mas também temos problemas que fazem com que este efetivo não renda. Você prende a mesma pessoa 30, 40 vezes quando poderia se dedicar a outras ações. O cidadão precisa começar a exercer pressão sobre quem votou, leis precisam ser revistas. No tempo em que eu tinha efetivo maior, a PM trabalhava com fuscas. Hoje temos carros equipados, trabalhamos com tecnologias. Claro que efetivo para planejar de forma confortável é tudo que o comando deseja, mas cabe a ele analisar dados e situação para equacionar o efetivo. Para enfrentar a criminalidade e mostrar mais força é preciso unir todos da segurança: Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Militar e Guarda de Trânsito. Se o trabalho for feito de forma isolada, a sociedade perde. O gestor que não percebe que a união faz a força não é um bom gestor.

Quem é ela

Casada pela segunda vez, Claudete Lehmkuhl, 50 anos, é mãe de dois filhos, de 24 e 18. Ela fez parte da primeira turma de mulheres oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina e no próximo mês completa 32 anos de carreira. Natural de Santo Amaro da Imperatriz, mas moradora da Capital desde o início da vida militar, está no comando da 7º Regional da PM desde 22 de abril.

COMUNIDADE

O que eu vejo que a comunicação me ajudou (Claudete comandou por três anos a Comunicação da PM do Estado) foi entender o olhar da comunidade. Aprendi que nós, como instituição, muitas vezes temos que ter a humildade de perceber que precisamos mudar procedimentos para que o cidadão se sinta mais seguro. Eu consegui notar que é um excelente mecanismo para tirar os indicadores sobre o que a comunidade está precisando. Este foi meu maior crescimento nesta área.

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Partindo do pressuposto que a Polícia Militar existe para a segurança do cidadão e para o bem comum, a partir do momento que o cidadão de bem se sente desconfortável com as multas da fiscalização rigorosa da película veicular – porque no imaginário social ela é um fator de segurança – acabamos causando danos a este cidadão. No meu entendimento, é preciso uma campanha esclarecedora, no sentido de alertar que estes carros com películas escuras são comumente usados por marginais e por isso a necessidade de fiscalizar.

A segurança não depende só da Polícia Militar, e os conselhos de segurança auxiliam e indicam problemas existentes. Um dos projetos que pretendo implantar no comércio e na comunidade é o espaço urbano seguro. Dependendo do layout da loja a pessoa fica mais vulnerável aos assaltos. Dependendo da estrutura da sua casa, você também fica mais vulnerável. Elas são mais alvos de assaltos que as casas totalmente abertas e sem muro.

VIOLÊNCIA

Uma agressão não justifica a outra. Casos em que pessoas fizeram justiça com as próprias foram resultado de uma indignação social. Pela Constituição, a polícia deve prender, mas se você foi vítima e consegue dar voz de prisão e deter esta pessoa, você também pode. Mas sem colocar a pessoa em situação vexatória e sem agressão. Nada diferente de mim, como policial. Assim como não posso usar a força excessiva, a pessoa comum também não pode. Nestes casso há uma nítida demonstração de descontentamento, mas ao mesmo tempo a evidência de que a comunidade unida também tem resultado. não pode passar do papel de vítima ao de agressor, é preciso ter cuidado.

Nós sabemos que o melhor conselho é não reagir, o que preocupa é que acabamos criando um estatuto de boas maneiras para a vítima. A qualquer quebra deste manual, eles (criminosos) são impiedosos. Matam sem pena e sem dó. Isto me preocupa muito como gestora de segurança pública, esta frieza da criminalidade nos últimos tempos. Hoje por um fio a sua vida está em risco. Isto é assustador, é preciso uma análise sociológica mais profunda para entender por que estes marginais, além de causar sérios danos materiais ainda, por prazer, matam.

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VIDA X MACHISMO

Quem é vaidosa, é vaidosa. Não vai haver transformação por usar arma ou coturno. Agora, tem determinadas profissões que mudam a forma como você vê o mundo, acaba vendo tantos absurdos que fica de alguma forma, não menos sensível, mas mais resistente. Você aprende a ter controle emocional. Não vou dizer que eu não me descabele em casa. Aliás, esta é a parte mais difícil, sair do trabalho, fechar a porta e ir sem nada. Discurso para todo mundo sobre deixar os problemas no quartel, mas eu confesso que nunca consegui.

Quando nós (mulheres) entramos (na PM) houve uma distorção muito grande. Fizemos o curso em igualdade de condições, mas quando nos formamos fomos colocadas em quadro separado. A unificação (homens e mulheres) ocorreu em 1998, só que perdemos postos. Mas a partir da unificação houve uma aceitação institucional, direitos de condições e de igualdade. Tirado este incidente, vejo que a PM acolheu bem a mulher.

MAIORIDADE PENAL

Já fui membro do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente e vejo com muita preocupação o tema. Estamos indo pelo desespero e pelo caminho mais fácil. Ao tomar esta atitude, vamos colocar adolescentes junto de pessoas com maior potencial criminoso. Se você verificar, o entrave maior está porque o Estatuto da Criança e do Adolescente não é cumprido na totalidade. Como é que você pode dizer que a lei é falha, se está previsto que o adolescente pode ficar preso por três anos e se necessário isso ainda pode ser revisto? O prende e solta ocorre quando não há uma estrutura que o receba, e quando isto ocorre ele é colocado em liberdade. O estatuto prevê penalidades, só não há como pôr em prática. Assim como temos os adultos que também são presos e soltos.

Diminuir a maioridade penal não significa que muitos dos adolescentes não vão continuar sendo soltos. Sem falar que, de novo, ele vai ficar em uma estrutura que não o comporta. Assim como não temos estrutura para adolescentes, não temos para os adultos. Lamento que chegamos neste ponto, de pensar na redução da maioridade como solução.

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