Alguns poucos funcionários dando expediente. Dos nove vereadores, seis tiveram a prisão decretada. Dois estão no presídio e quatro são foragidos da Justiça, cujo paradeiro a própria polícia desconhece.
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Há 19 dias não há sessão na Câmara de Vereadores de Ponte Alta, na Serra. O motivo é a falta de quórum provocada por uma devassa da Polícia Civil na prestação de contas das diárias dos parlamentares.
Quem não está preso tratou de fugir da pequena cidade de 4.894 habitantes que fica nas margens da BR-116 e é conhecida como a terra da moranga.
As suspeitas são que vereadores, ex-veradores e ex-suplentes esquentavam notas de hoteis em viagens. Em cerca de dois anos, teriam sido desviados dos cofres públicos R$ 102 mil, em 178 pagamentos indevidos.
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Na prática, a fraude consistia em uma peregrinação a Florianópolis para reuniões com deputados. Antes de retornar no mesmo dia – quando as viagens existiam -, a regra era pegar notas fiscais em branco de hoteis da Grande Florianópolis. Depois, tratavam de preencher as pernoites, pois assim o valor da diária subia de R$ 350 para R$ 700.
A polícia diz que os vereadores acabaram se incriminando ao fraudar datas e horários. Acontece que, conforme a investigação, alguns políticos deixaram rastros de que estavam em Ponte Alta na data informada como se estivessem nas viagens fora e que afirmavam ser em busca de recursos.
O problema é que acabaram sendo incriminados pelos próprios donos de hoteis, ouvidos pela polícia, que não titubearam em informar que jamais hospedaram vereadores da cidade nas referidas datas.
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Um dos hoteis cujas notas fiscais foram apreendidas é um dormitório que fica no Centro de Florianópolis, conhecido como ponto para rápidos encontros amorosos.
– O gerente me confidenciou que ali ninguém dorme, é só para rápidos programas – afirmou o delegado Fabiano Schmitt, da vizinha Correia Pinto, onde correu a investigação policial e agora irá tramitar ação penal contra 14 agentes públicos.
Os crimes são peculato (quando o servidor público apropria-se de dinheiro, valor ou bem móvel em razão do cargo), quadrilha e falsidade ideológica.
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Em Ponte Alta, a última reunião dos vereadores na casa aconteceu no dia 23 de abril. No dia 29, uma segunda-feira, véspera da sessão realizada na terça-feira quatro vezes ao mês, a notícia das prisões fez esvaziar o espaço e encher de dúvidas a população sobre o destino da política local e dos parlamentares.
Na próxima terça-feira, dia de sessão, há quem acredite na retomada dos trabalhos. Para isso, suplentes terão de ser convocados. O único projeto em pauta é a reforma do Código de Vigilância Sanitária local.
A decisão mais esperada fora do Legislativo municipal é se os vereadores que restaram e os que assumirão seguirão ou não a ordem judicial para abrir processo de cassação dos alvos da polícia.
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Quem são os foragidos
O DC esteve na casa dos quatro foragidos na sexta-feira. Entre eles está o atual presidente da Câmara, Claudemir Pereira dos Santos (PMDB), que também é motorista da Prefeitura. A polícia o relata no inquérito como um dos que mais recebeu diárias indevidas: foram 21 viagens entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012.
– Estão crucificando os seis atuais vereadores, mas são 14 indiciados. O Claudemir é inocente, vai provar que são problemas da administração passada da Câmara. Ele ajudou muita gente nas viagens, conseguiu cadeiras de rodas a deficientes – garante o irmão, Gilson Pereira.
Também está sumido o vereador Amauri Fracaro (PT), integrante do Movimento dos Sem Terra, que mora no assentamento Anita Garibaldi, interior de Ponte Alta. Amigos da área rural mostram-se surpresos com o seu suposto envolvimento.
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Horácio Moraes (PMDB), outro foragido, fez 20 deslocamentos suspeitos a Capital. Uma tia comentou na frente de sua casa que uma hora ele vai se apresentar e esclarecer tudo.
– Não sabemos onde ele está – garantiu.
O pai do vereador Daniel Angelo de Souza (PP) afirmou que toda a família está nervosa com a situação e não sabe para onde o filho foi.
A polícia suspeita que os foragidos estejam recebendo guarida na região. A reportagem apurou que parte deles teria ido para Londrina, no Paraná. Os quatro estariam confiantes em habeas corpus do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que até agora negou uma das liminares.
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Problemas de infraestrutura
As ruas de Ponte Alta são na maioria de chão batido. Há dificuldades na infraestrutura até de escolas e na saúde, situações comuns pelo interior do Estado. A escola estadual Irmã Gertrudes continua com parte de uma sala de aula interditada por causa de um tornado que atingiu o município em dezembro.
Na sexta-feira, o DC encontrou turma de alunos tendo aula na calçada em frente ao colégio. O espaço em que deveria estar provisoriamente é um ginásio, mas devido ao frio o grupo levou as carteiras para a rua, onde a aula era realizada. No mesmo dia, a única ambulância da Prefeitura estava na oficina para conserto.
– Outro dia precisei de medicamento para minha mãe e pedi ajuda a um dos vereadores, que negou. A coisa está feia e a gente vê esse desvio de diárias como? Com revolta sim – disparou um morador, que não quis ser identificado.
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ENTREVISTA: Geraldo Correa Bastos, juiz que decretou as prisões
Diário Catarinense: Por que não saíram as prisões de todos os envolvidos e apenas de seis?
Geraldo Correa: O delegado havia pedido a prisão de 10. O MP se manifestou e ratificou o pedido de prisão preventiva somente em relação a seis e entendi que ele estava com a razão. Esses quatro são suplentes. Pode que agora com a prisão desses seis, se eventualmente assumirem, a mesma decisão poderá ser utilizada.
DC: Para não haver manobra de provas?
Geraldo: Exatamente. São três hipóteses de preventiva. Havia provas de indícios de autoria e provas da existência do crime. Foi decretada por conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal.
DC: Ficou evidente que era prática corriqueira dos vereadores usufruirem de diárias?
Geraldo: Por que conveniência da instrução criminal? Justamente porque o crime ocorreu no ambiente de trabalho deles. Eles soltos certamente – ou se acredita – que possivelmente iam voltar a delinquir.
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DC: Havia algum resultado dessas viagens a Florianópolis?
Geraldo: Essa prática vinha ocorrido há dois anos. Agora, os detalhes ainda serão apurados durante a instrução.
DC: Daqui para a frente começa o julgamento então?
Geraldo: Como é crime contra funcionário público os réus devem ser notificados primeiro para apresentar resposta em 15 dias. Então na realidade a denúncia ainda não foi recebida, mas apresentada e foram notificados os réus. Depois, o juiz decide se a recebe ou não, se para todos ou alguns.
ENTREVISTA: Fabiano Schmitt, delegado responsável pela investigação
DC: Como surgiu essa investigação?
Fabiano Schmitt: Em setembro do ano passado por testemunho velado. Houve busca e apreensão. Com base nesses documentos apreendidos começamos a investigação.
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DC: Ficou demonstrado que os vereadores recebiam diárias indevidas?
Fabiano: Existe farta prova documental no inquérito, de mais de três mil folhas em que se demonstra que todo o procedimento de diárias formulado pelos vereadores era falso. Tanto os roteiros de viagens quanto as notas fiscais eram preenchidos de maneira falsa no sentido de maquiar uma situação que não ocorreu.
DC: As viagens não existiam?
Fabiano: A maioria das viagens de fato não se sucederam.
DC: Que justificativas eles apresentavam?
Fabiano: Que os vereadores se deslocariam para a Grande Florianópolis para conversar com deputados e para tratar de assuntos do município com órgãos estatais.
DC: Essa prática de burla era geral?
Fabiano: Todos os investigados, que são 15, todos eles que são 15, tinham essa conduta, no sentido de compensar o salário por intermédio de diárias.
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DC: E os foragidos?
Fabiano: Temos que dar cumprimento. Estamos monitorando e contamos com a ajuda da comunidade (181). As informações que temos recebidos estamos monitorando e indo atrás.