Fruto da explosão do rock brasileiro dos 1980, a Plebe Rude sempre se diferenciou por seu discurso de protesto político e social embalado por uma sonoridade simples e direta. Sexto trabalho de estúdio da banda, Nação Daltônica mantém a tradição e mostra porque o grupo brasiliense ainda merece ser ouvido.

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Após um intervalo de oito anos, Philippe Seabra (guitarra e voz), André X (baixo), integrantes originais da Plebe, acompanhados do veterano Clemente (guitarra e voz), líder da seminal banda punk rock paulista Inocentes, e do estreante Marcelo Capucci (bateria), entregam 10 faixas em apenas 36 minutos – sem firulas, como reza a cartilha do punk rock. O álbum começa muito bem com as empolgantes Retaliação – impulsionada por uma hipnótica percussão e letra que remete aos protestos de junho de 2013 – e Anos de Luta, potencial hit para as (poucas) rádios rock com discurso antialienação (“Das decisões que tomam por você/ E as opções que te deixam eleger/ Seu horizonte se esbarra na TV?”).

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Também há espaço para maior sofisticação em Sua História, que conta com participação da Orquestra Filarmônica de Praga. Talvez algumas letras de Nação Daltônica possam soar um pouco ingênuas ou óbvias em tempos dominados por ironia e cinismo, mas, como o próprio Seabra admite crer, “inocência é uma virtude”.

De todo modo, o grupo vive um de seus melhores momentos. A participação nas trilhas sonoras de filmes como Federal e Faroeste Caboclo e a representação da banda em Somos Tão Jovens e no documentário Rock Brasília, a Era de Ouro ajudou a expor a banda a uma nova audiência. Aproveitando a popularidade, projetos estão em curso para 2016, como um disco com artistas tocando músicas da Plebe, entre os quais Skank e Nação Zumbi, e um DVD com a Orquestra Sinfônica de Brasília.

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Em tempos de domínio do funk e sertanejo, um disco roqueiro como Nação Daltônica ainda consegue atrair o público jovem?

Desde os primórdios da popularização do rock no Brasil, sempre tinha alguma “coisa” rondando, tentando homogeneizar tudo. Seja axé, samba “moderno”, sertanejo e agora o fundo do poço, funk ostentação, exatamente o oposto de tudo o que pregamos nesses 30 anos. O disco acabou de sair, mas já deu para sentir o alívio de muita gente ao ver que nem todos da nossa geração foram atrás do ouro. Estamos em uma batalha cultural, e artistas como a Plebe têm que mostrar que vale a pena ter princípios. Por mais que insistam, não precisamos nivelar por baixo. Esse disco repete isso quase como um mantra. Ou isso, ou culturalmente estaremos condenados a consumir somente músicas que falam de “pegação”, livros de autoajuda e filmes com vampiros.

Plebe Rude é uma das poucas bandas que ainda investem em crítica social e política. Por que essa veia contestatória se perdeu?

O rock virou business. Pop é um mal necessário, e até eu gosto de um pop bem feitinho. Mas tem que ter contraponto. Precisa ser tudo tão pobre? Somos da geração que teve músicas do Arnaldo Antunes, Renato Russo, da Plebe Rude tocando no rádio. Era material de qualidade, letras densas, com propósito. Sou produtor de muitos artistas independentes (de Guaíba, produzi os Superguidis) e me frustra muito saber que poucos chegarão ao grande público. Tem muito artista bom por aí, mas infelizmente a promessa da democratização da internet não se cumpriu. Então, vamos “comemorar feito idiotas”, como o Renato cantava.

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As críticas presentes nos primeiros álbuns da banda mantêm uma atualidade impressionante.

A cada show, vemos mais jovens na plateia. E não a geração órfã da MTV, que perdeu o critério vendo clipes de artistas nacionais com mais senso de estética do que propriedade. São jovens tão inquietos quanto éramos em Brasília. Estávamos à sombra do governo militar, tínhamos que mandar músicas para a censura e, quando não estávamos apanhando de playboys, apanhávamos da polícia. As canções que marcaram a música popular brasileira, seja da Plebe, da Legião ou do Aborto Elétrico, vieram de um lugar único, uma mistura de isolamento cultural, acesso às malas diretas das embaixadas e hormônios de adolescente? Por isso, filmes com milhões de espectadores foram feitos a respeito, teses foram escritas, duas gerações influenciadas, milhares de disco vendidos? Alguma coisa a gente fez certo.

Desde 2004, a Plebe Rude conta com outro ícone do punk rock brasileiro, o Clemente.

Clemente é um dos alicerces do rock nacional: e é ele quem adorna a capa do livro BRock 80, do Arthur Dapieve, junto com Cazuza, Renato Russo e Herbert Vianna. Nós o conhecemos em 1983, quando fomos a São Paulo para um show na lendária casa punk Napalm. Clemente trabalhava lá e nos buscou na rodoviária. A amizade foi instantânea. E vale lembrar que foi ele quem escreveu, ainda adolescente: “Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a Asa Branca, atrasar o Trem das Onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer”. Quem não quer um cara desses na Plebe?