Entre a utopia e a realidade

Por José Rodrigues da Rocha *

O Plano Diretor de Florianópolis está aprovado depois de uma bem articulada ação política dos poderes Executivo e Legislativo municipais debaixo de intenso fogo cruzado de protestos populares e ações judiciais que não foram suficientes para retardar ou promover uma discussão mais ampla e democrática do conjunto de novas medidas e instrumentos legais que a partir de agora nortearão o crescimento da cidade.

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Florianópolis com seus 450 mil habitantes aproximadamente está inserida num contexto urbano e geográfico de cerca de 1 milhão de habitantes composto pelos 23 e não somente 13 municípios de sua região metropolitana, o que impõe uma imperiosa necessidade de articulação política para integração intermunicipal para planejamento e implantação de obras públicas integradoras, mormente nos sistemas de mobilidade urbana, os quais são institucionalizadas através do Plano Diretor.

A materialização de um Plano Diretor vai se deparar quase sempre com um quadro conflitante: de um lado a necessidade de assegurar melhoria da qualidade de vida das populações, com inclusão social e universalização dos serviços públicos; e de outro lado a necessidade de conciliar o crescimento socioeconômico com a preservação do rico patrimônio ambiental visando a garantia à vida qualificada das futuras gerações, aqui traduzido por desenvolvimento sustentável.

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É preciso salientar que no processo de evolução urbana do Brasil, foi de fundamental importância o fortalecimento dos movimentos sociais iniciados a partir da década de 1960, os quais estabeleceram importantes bandeiras como a luta por habitação e desenvolvimento urbano, destacando-se a partir daí algumas conquistas estruturais: a inclusão dos artigos 182 e 183 na Constituição Federal de 1988 para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais das cidades e garantir o bem-estar de seus habitantes, instituindo o Plano Diretor como principal instrumento de gestão urbana das cidades; o Estatuto das Cidades, instituído pela Lei Federal 10.257/01, que dentre importantes medidas, limita o direito de propriedade individual, subordinando-o à função social da propriedade; a criação do Ministério das Cidades (2003); as Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais (a partir de 2003); o Conselho das Cidades (2004); a lei federal dos Consórcios Públicos (2005); e o marco regulatório do saneamento básico (2007).

Outro importante instrumento político e jurídico, capaz de reforçar as conquistas sociais e contribuir para a qualificação técnica de gestores urbanos com poder de estabelecer novos rumos que proporcionem uma progressiva qualificação dos espaços e das paisagens urbanas, foi a recente criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), por meio da Lei Federal 12.378/2010, fortalecendo as atribuições de arquitetos e urbanistas como principais atores do processo de planejamento urbano das cidades.

Lamentavelmente, apesar dos avanços sociais e institucionais conquistados até aqui, continua-se a orientar o crescimento das cidades através de ações políticas, interferência de obras e ou de infraestrutura sem planejamento integrado e contínuo e sem a consulta à sociedade em geral, obedecendo quase sempre à lógica dos interesses políticos e econômicos dominantes que fazem prevalecer suas prioridades junto a governantes e administradores públicos.

Nesse modelo ilógico e conflitante as cidades continuam se espraiando e se verticalizando com uma demanda sempre crescente por infraestrutura urbana, agravando cada vez mais a mobilidade irracional e dependente do veículo motorizado individual em detrimento de um transporte público humanizado.

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De outro lado, a cidade desejável, com transporte coletivo eficiente, com a universalização da acessibilidade, serviços públicos e eficiência energética, meio ambiente e construções em harmonia qualificando a vida e propiciando multiambientes de bem-estar à população – a cidade sustentável, social, econômica e ambientalmente falando -, continua sendo uma inexorável utopia.

* É arquiteto, urbanista, ex-diretor de Planejamento do Ipuf e Coordenador dos Planos Diretores dos Balneários (1985) e Distrito Sede (1997).