Passadas cerca de 48 horas desde o acidente aéreo envolvendo o avião Avro RJ85 da Lamia, fretado pela Chapecoense, especialistas de voo reiteram: com a distância a ser percorrida entre os aeroportos de partida e destino, o voo deveria ter tido uma pausa para reabastecimento antes de alcançar o Aeroporto Internacional José Maria, em Rio Negro, região metropolitana de Medellín.
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A conivência dos órgãos de controle aéreo de Bolívia e Colômbia com a falha que motivou a queda da aeronave deve ser revelada pelo plano de voos submetido pelo piloto Miguel Quiroga e pelo copiloto Ovar Goitia.
O plano do voo LMI-2933 ainda é um mistério. Procurada pela reportagem, a Direção Geral de Aeronáutica Civil da Bolívia não respondeu às solicitações para apresentação de uma cópia do documento. Em nota, o órgão informa que está “colaborando com a autoridade aeronáutica da Colômbia na investigação do acidente”.
A Aeronáutica Civil da Colômbia, por sua vez, disse não ter “informação direta do plano de voo”, pois é uma documentação que diz respeito a cada entidade e Estado, “neste caso, a Bolívia, que é de onde partiu o avião”.
Gustavo Vargas, representante da LaMia entrevistado pelo Página Siete, reconheceu que o plano original do voo incluía uma parada para reabastecimento em Bogotá.
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— O piloto é quem toma a decisão de não pousar, porque pensou que tinha combustível suficiente — afirmou.
De acordo com o funcionário, “no plano de voo havia a opção da aeronave parar em Cobija (fronteira boliviana com o Brasil), mas logo se falou da opção de Bogotá para reabastecer”.
O avião decolou às 20h18min, horário de Brasília, do aeroporto de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. A autonomia de voo da aeronave da La Mia RJ85 é de 2.965 quilômetros, segundo o próprio site da empresa, que estava fora do ar nesta quarta-feira.
Em linha reta (os voos obedecem a um mapa de vias aéreas estabelecidas pela aeronáutica, que nem sempre são retas), a distância entre os dois aeroportos é de 2.975 quilômetros. O trajeto não poderia ser feito em uma aeronave de médio porte, fabricada para voos domésticos regionais, sem nenhuma parada, atestam os instrutores de voo da Escola Voe Floripa, William Sanches e Marcus Vinicius de Oliveira.
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O próprio site da La Mia traz uma confusão de dados a respeito da aeronave, informando que a autonomia de voo é de 3h30min. No entanto, segundo os cálculos do especialista em segurança de voo, comandante Carlos Camacho, considerando a velocidade de cruzeiro de 750 Km/h, seriam aproximadamente 4h, se não houvesse imprevistos pelo caminho.

Pelos registros do radar, enquanto o transponder enviou sinal, o voo durou 4h37min, isso porque em 80% do tempo ele trafegou entre 670 Km/h e atingiu apenas uma vez o máximo de 700 km/h, seis minutos antes de desviar a rota e fazer círculos no ar, à espera da conclusão do pouso do avião da Viva Colômbia, que havia declarado vazamento de combustível e pediu prioridade para aterrissar.
Um voo para o trajeto Santa Cruz de la Sierra-Rio Negro (Medellín) equivale a uma viagem do Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, ao Eduardo Gomes, em Manaus. Logo, segundo Camacho, houve irresponsabilidade do piloto Miguel Quiroga e do copiloto Ovar Goitia.
Para fazer um trajeto com essa distância, a aeronave deveria ter capacidade de armazenamento de combustível de pelo menos 5h30min – uma hora a mais de voo –, o que equivaleria poder voar quase duas vezes a distância de um aeroporto mais próximo, como o de Bogotá, por exemplo, caso não fosse possível pousar em Rio Negro.
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Essas recomendações são previstas em normas da Organização Internacional de Aviação Civil (Icao, na sigla em inglês). Como não havia possibilidade de armazenar mais combustível nessa aeronave, somente uma pausa para reabastecimento seria a opção prudente, defendem especialistas.

Plano de voo poderia ter contemplado parada
O comandante da aeronave deveria ter apresentado o plano de voo na sala de tráfego em Santa Cruz de la Sierra. Na opinião de Camacho, o planejamento correto deveria ser: decolar em Santa Cruz de La Sierra, pousar em Bogotá, abastecer e então prosseguir para Rio Negro.
Seria possível ainda fazer dois planos para apresentar ao sistema de controle de voos colombiano: um para pousar em Bogotá e outro para a rota Bogotá-Rio Negro. Se o plano for negado pelas autoridades, o avião não terá autorização para decolar.
– Se eles entregaram nessas condições, o órgão de controle recebedor de plano de voos lá em Santa Cruz de La Sierra autorizou e aprovou. Mas, se eles apresentaram plano de voo indo direto para Medellín, o Estado boliviano é cúmplice, coautor desse acidente – afirma Camacho.
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Mas mesmo não tendo sido o país que recebeu o plano de voo, autoridades da Colômbia também poderiam ser responsabilizados, segundo o especialista:
– Se a Colômbia também recebeu esse plano de voo direto, ela é coautora do acidente. Além disso, se ela recebeu um plano descrevendo uma pausa em Bogotá ou outro lugar para abastecer, mas o avião não parou, alguém autorizou o cancelamento do plano de voo. Novamente, o Estado colombiano será coautor ativo em qualquer ação que venha ser demandada pelos parentes dos que foram vitimados – argumenta Camacho.
Além disso, conforme explicam os instrutores de voo da Escola Voe Floripa, William Sanches e Marcus Vinicius de Oliveira, o plano de voo deve assinalar opções de aeroportos próximos para solicitar pouso em caso de impossibilidade de acessar à pista do destino.
– Com essas informações que a gente tem, não faz sentido fazer essa rota direto. Seria tolo e insensato. Teria de parar no meio e abastecer, para ter essa reserva que a regulamentação brasileira e internacional exigem; Porque ninguém tem certeza que o aeroporto estará aberto quando chegar lá. Por isso tem de ter a reserva – explica Oliveira.
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– É uma alternativa para prosseguir em mau tempo ou emergência. Por exemplo, está lá em Medellín, em pista pequena, está com fogo na turbina, tem que ir para uma pista grande, beleza. A gente tem tanto de combustível para alternar e seguir para outro aeroporto. Então é esse planejamento que fica agora dependendo da investigação – complementa Sanches.
Apesar de haver informações desencontradas nas publicações, um representante da Lamia teria admitido à imprensa colombiana que houve desrespeito ao plano de voo inicial, que seria parar em Bogotá.
O avião da Chapecoense saiu de Santa Cruz de La Sierra, na bolívia, as 20:18 (hora de Brasilia) de segunda-feira. Deveria pousar as 0h50 de terça no aeroporto de Medellin. Mas entre as 0h42 e 0h55, ele desvia da rota e faz dois circulos e meio no ar até nao ser mais avistado pelo radar.
O Airbus da empresa Viva Colômbia, naquele mesmo instante pedia prioridade para pousar. Ele saiu as 23h28min de Bogotá e seguiria sem escalas para San Andres, no Caribe. Mas ao cruzar a fronteira com o Panamá, fez uma acentuada curva à direita para voltar à Colômbia e seguir para Medellín, que estava fora do roteiro.
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Exatamente as 0h45min, os dois aviões se aproximam no radar, com 3 mil metros de altitude de diferença. É quando o Viva Colômbia inicia o pouso e o da Chapecoense começa a fazer círculos no ar. Três minutos depois que o viva Colômbia pousa, o avião com o time catarinense some do radar.
Desviar a rota, esperar o pouso no ar fez o avião gastar mais de 10 minutos além do planejado. Do ponto onde estava fazendo círculos, faltavam apenas 6 minutos para pousar.
Na noite desta quarta, a Aeronáutica colombiana confirmou que a causa do acidente foi falta de combustível. Segundo o Secretário Nacional de Segurança Aérea da Colômbia, Freddy Bonilla, o piloto do avião Avro RJ85, da empresa Lamia, pediu “prioridade” para pousar às 21h48min (horário da Colômbia, 0h48min de terça, no de Brasília). Mas somente às 21h52min (0h52min) usou a frase “May Day, May Day”, que significa “emergência e prioridade imediata” por falta de combustível.