Planos de saúde têm exigido em alguns estados o consentimento de maridos para autorizarem o procedimento de inserção de DIU (dispositivo intrauterino), um método contraceptivo, em mulheres casadas. É o caso de três cooperativas de São Paulo e Minas Gerais, em que os formulários para aquisição do material exigem assinatura do companheiro. Em Santa Catarina também se procurou saber se há essa imposição.

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Sem se identificar, a reportagem da Folha entrou em contato por telefone com as três cooperativas da seguradora para confirmar a informação, que consta nos Termos de Consentimento para inserção do contraceptivo. 

A informação de que não era possível realizar o procedimento sem o consentimento do cônjuge foi confirmada pela central de atendimento ao cliente das três unidades.
Via assessoria de imprensa, as unidades de Divinópolis e Ourinhos informaram que abandonaram a exigência após o contato da reportagem. Já a cooperativa de João Monlevade nega a exigência e afirma que apenas recomenda compartilhar o termo, por isso o espaço para a assinatura do companheiro.

Já em Santa Catarina, o formulário de autorização na Unimed exige somente a assinatura de médicos ginecologistas. No Estado, nem se quer são solicitadas informações sobre os cônjuges.

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O termo necessário para o implante cobra somente critérios relacionados à saúde da cliente que, segundo destaca a cooperativa, “são embasados em conhecimentos recentemente publicados e aceitos pela comunidade científica, podendo estar sujeitos a mudanças conforme o surgimento de novos dados ou diretrizes fornecidas em medicina baseada em evidência”.

Os questionamentos do requisito buscam saber sobre possíveis doenças da mulher, como endometriose e tuberculose, quais foram os outros métodos contraceptivos usados até então, idade, entre outras perguntas.

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O Diário Catarinense ainda procurou, sem se identificar, informações sobre uma possível exigência através da central de atendimento da Grande Florianópolis, que passou as mesmas informações prestadas pelo formulário: apenas é necessária a autorização médica. 

O Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina foi procurado para comentar, mas informou que não se manifestaria sobre o tema porque a situação não é de sua competência.

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Não há informações sobre se houve pedido de autorização em anos anteriores em SC, mas outras cooperativas da Unimed chegaram a exigir a assinatura do cônjuge no passado, antes de atualizaram o seu modo de operação. É o caso da Sul Capixaba, que atende 30 municípios no Espírito Santo. 

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O que é DIU e como funciona

O DIU é um dispositivo no formato de T que é introduzido na mulher através do colo do útero e tem como principal objetivo impedir a gravidez. A médica ginecologista Graciela Morgado explica que há dois tipos de dispositivos: os não hormonais e os hormonais. Os não hormonais, que são aqueles de cobre e prata, são utilizados para a contracepção. O hormonal é amplamente usado no tratamento dos sintomas de doenças crônicas como a endometriose.

A ginecologista afirma que a exigência do consentimento do cônjuge pode diminuir a qualidade de vida de mulheres com doenças para as quais o DIU é uma alternativa, uma vez que os homens passam a participar da decisão.

– Há um prejuízo na independência dessa mulher que vai realizar um tratamento que vai promover qualidade de vida, pois ela passa a depender de um parceiro que talvez não entenda sua dor”, diz. “O DIU não causa uma infertilidade como a laqueadura, então não precisaria do parceiro para colocar como método contraceptivo.

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Legislação

Para exigir a assinatura do marido, as seguradoras se amparam na lei 9.263 de 1996, que dispõe sobre o planejamento familiar. Ela estabelece que a realização de laqueadura tubária ou vasectomia deve ser feita somente com “consentimento expresso de ambos os cônjuges”, em homens e mulheres capazes e maiores de 25 anos ou com pelo menos dois filhos vivos. 

A legislação é alvo constante de críticas por exigir o consentimento do parceiro nos casos de esterilização cirúrgica de pessoas casadas. A exigência da lei, porém, não contempla métodos contraceptivos reversíveis como o DIU. 

Heidi Florêncio Neves, professora de direito penal da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), afirma que esse é um uso indevido da lei, que viola a autonomia da paciente:

– A lei diz que, em casos de esterilização voluntária, é preciso consentimento do cônjuge. Não é o caso do DIU, então não se aplica.

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A professora diz que as mulheres lesadas pela exigência podem entrar na Justiça para fazer com que a seguradora cubra o procedimento. 

Antropóloga e professora da UnB (Universidade de Brasília) Débora Diniz afirma que a participação dos homens nesse processo decisório representa a alienação da autonomia reprodutiva das mulheres:

– Há uma falsa presunção de que os corpos das mulheres, no que toca o seu aspecto reprodutivo, sempre dizem respeito aos homens aos quais elas são vinculadas”, afirma. “Isso pode não só agravar a situação de mulheres que vivem em violência como agravar uma visão de que as mulheres são propriedade dos homens.

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Unimed do Brasil

A Unimed do Brasil, representante nacional do Sistema Unimed, afirma que não adota qualquer orientação ou diretriz nacional que exija o consentimento do cônjuge para inserção do DIU.

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Segundo a seguradora, o padrão estabelecido no sistema é a orientação do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual a paciente reconhece que foi suficientemente orientada sobre o procedimento e que apenas ela e o médico responsável assinam.

A reportagem perguntou se a partir desses casos novas orientações seriam fornecidas, uma vez que poderiam existir outras instâncias de exigência equivocada entre as 342 cooperativas pelo Brasil, mas não obteve resposta.

*Por Victoria Damasceno

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