É em uma sala pequena, no 10º andar de um prédio antigo no Centro de Florianópolis, que se concentra todo o sistema operacional do transporte urbano da cidade. Para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o ponto-alvo da etapa mais importante de uma investigação.
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Ainda nesta semana, técnicos devem ocupar o local e permanecer lá por 15 dias em busca de informações que esclareçam a validade das concessões. Nesse pente-fino entram as complexas planilhas de custo – documentação atualizada mês a mês e que aponta prejuízo milionário às operadoras do serviço na Capital.
Quando os protestos por melhor transporte estouraram, em junho, manifestantes questionavam prefeitura sobre as planilhas para calcular a tarifa. Como nem mesmo o prefeito Cesar Souza Junior soube, na época, dizer se confiava nos documentos, as tais planilhas receberam novamente o carimbo de “caixa-preta”. Antes disso, em 2 de maio, o TCE havia aberto auditoria para apurar os números. A fase, até então, era de planejamento. Agora começam as buscas in loco.
Documentos a que o Diário Catarinense teve acesso mostram que as planilhas apontam prejuízo milionário às operadoras do sistema
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Pelas tabelas, as cinco empresas que operam em Florianópolis têm prejuízo de R$ 1,2 milhão ao mês. Isso porque o que se arrecada com passagens, segundo as planilhas, é menor do que o gasto para manter os ônibus circulando.
Os números de Florianópolis chamam a atenção não só por caracterizarem um sistema falido, mas também por serem bem diferentes da média nacional. Segundo a NTU, a Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano, que reúne 530 companhias, a média de lucro líquido fica entre 4% e 5% do que se arrecada.
– Todo mundo nos pergunta como as empresas se mantêm, já que operam no vermelho. Eu não sei dizer. Temos um sistema que vem de outras administrações, e nos baseamos nele. Não acreditamos nem desacreditamos nessas planilhas – diz Vinícius Cofferri, diretor de Transportes de Florianópolis.
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Com licitação, prefeitura promete fim às planilhas
Na dúvida, as planilhas tendem à extinção. Cofferri confirma licitação do transporte público para setembro e diz que com o novo processo a questionada tabela de custos deixará de existir. Ele explica que será usado um sistema de fluxo de caixa para analisar o resultado do sistema, o que permite a uma pessoa com o mínimo de conhecimento em contabilidade entender os cálculos.
Com a licitação também ficará estabelecido o índice de retorno menor para as empresas – a prefeitura deve fixar em 6%, enquanto hoje gira em torno de 12%. A taxa de retorno é um prêmio que o governo oferece a um investidor para que ele invista no serviço público em vez de deixar a quantia no banco.
Entidade Nacional prevê degradação do serviço
Diretor da NTU, Marcos Bicalho diz que quando há prejuízos se corre o risco de degradação do serviço. Ele explica que com o desequilíbrio de custos, a primeira medida é retardar a renovação da frota – o fundo de reserva para compra de novos veículos acaba fazendo parte da receita para compensar prejuízos.
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– É o primeiro sintoma do prejuízo – aponta Bicalho, sustentando que em grandes centros, como São Paulo, a remuneração das empresas é desassociada da cobrança ao usuário.
O Sindicato das Empresas do Transporte Urbano de Florianópolis (Setuf) foi procurado pela reportagem, mas como o presidente Waldir Gomes está em viagem, preferiu não se manifestar sobre o caso.
Passo a passo da investigação
Com a a conclusão da auditoria in loco, no setor de transportes da prefeitura, será elaborado um relatório preliminar. Os empresários, então, têm prazo para apresentar a defesa e contra-argumentar. É somente depois da análise da defesa que a diretoria técnica divulga o relatório conclusivo da auditoria. Até lá, os técnicos do TCE mantém a investigação sob sigilo.
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O documento é encaminhado para a análise do Ministério Público, que emite parecer para a elaboração de proposta de voto que será apreciada pelo Tribunal Pleno – órgão deliberativo do TCE, composto por sete conselheiros e dirigido pelo presidente do tribunal.
“Essas planilhas são uma caixa-preta” – Rafael Alcadipani, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas
Diário Catarinense – É possível empresas sobreviverem a prejuízos mensais milionários?
Rafael Alcadipani – Empresas podem ter prejuízos e conseguir lidar com isso, depende muito das condições da empresa em conseguir financiamento e outras variáveis que podem garantir a sobrevida.
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DC – Onde estaria o problema do atual sistema de transporte?
Alcadipani – O problema é quando esses prejuízos se tornam frequentes, como se observa em Florianópolis. Soa estranho, quase que como caridade por parte dos empresários. O que não é cabível ao capitalismo, já que uma empresa vive de lucro (mesmo prestando um serviço público). A situação é complicada e merece acompanhamento.
DC – Qual a sua opinião sobre os modelos de planilhas de custo do transporte?
Alcadipani – Essas planilhas do transporte público são uma verdadeira caixa-preta. E isso é em todo o país, não é uma exclusividade de Florianópolis. Vem de um sistema antigo de cálculo, complexas de se entender. E por serem confusas geram dúvidas, principalmente em casos de prejuízo milionário. Se isso for verdade, alguém está pagando essa conta. Primeiro precisa se ter certeza se isso é verdade e depois descobrir quem está pagando essa conta. O ideal é que seja feita uma auditoria independente, sem ligação com o governo