Planilhas que integram a ação penal que trata de corrupção nos Correios indicam que a multinacional alemã Siemens acertou pagamento de pelo menos R$ 150 mil em propina ao grupo do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) para obter um contrato com a empresa pública em 2005.
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Naquela época, Jefferson controlava politicamente os Correios. Foi em meio a denúncias de que estaria sendo beneficiado por desvios que o então deputado e também presidente do PTB decidiu denunciar o mensalão, esquema de pagamento de parlamentares que funcionou no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje, com o mandato cassado, Jefferson cumpre pena 7 anos e 14 dias no Rio de Janeiro por ter sido beneficiado pelo mesmo mensalão que delatou.
O contrato dos Correios que envolve a Siemens – que hoje também é alvo de investigações por causa do cartel que funcionou nos governos tucanos em São Paulo – tinha o valor de R$ 5,3 milhões. Ele foi firmado no governo Lula para fornecimento de sistemas eletrônicos de movimentação e triagem de carga.
As planilhas que indicam o pagamento de propina foram encontradas pela Polícia Federal após apreensão dos computadores do ex-diretor da estatal Maurício Marinho, pivô do escândalo, e de outro assessor de diretoria dos Correios. Além disso, e-mails apreendidos com lobistas que atuavam na estatal mostraram que o diretor da Siemens Luiz Cox negociou pagamento de “comissão” para obter contrato com a estatal.
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Os documentos integram ação penal em que Marinho e Jefferson são réus na Justiça Federal do Distrito Federal. O ex-deputado responde por formação de quadrilha e é acusado de ser “o chefe da estrutura criminosa” que atuava nos Correios e desviava dinheiro para o PTB. Marinho é acusado dos crimes de quadrilha e corrupção.
Os Correios também viram indícios de suborno em outro contrato com a Siemens, este de 2001, na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no valor de R$ 24,9 milhões. Neste contrato, as autoridades que investigaram o caso não conseguiram detectar o valor da propina. Na ocasião, os Correios eram presididos por Hassan Gebrin, indicado pelo então ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga. Pimenta hoje é o candidato tucano ao governo de Minas.
Conexão
Jefferson denunciou o mensalão depois que a revista Veja publicou, em maio de 2005, reportagem que abordava o esquema na estatal. A reportagem citava vídeo em que Maurício Marinho recebia R$ 3 mil de propina de um empresário. O funcionário dos Correios também revelava ser apadrinhado por Jefferson.
Três semanas depois, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Jefferson revelaria o mensalão. O ex-deputado alegaria ter visto digitais do ex-ministro José Dirceu, atualmente também preso, no vazamento do vídeo. Jefferson acreditava que o PT desejava de ocupar o espaço do PTB nos Correios, daí porque o partido, em seu entender, tentava rifá-lo incriminando um apadrinhado dele.
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Ainda em 2005, a Polícia Federal faria uma operação para desmontar o esquema na estatal. Além do material apreendido nos Correios, a polícia também aprendeu computadores de lobistas que, segundo o Ministério Público Federal, cooptavam empregados da estatal para obter informações privilegiadas sobre licitações e se associavam com empresas para fraudar as concorrências.
Os lobistas José Santos Fortuna e Clauzer Esteves, sócios da empresa Atrium, viriam a ser denunciados em outra ação penal também por desvio de dinheiro dos Correios. Em seus computadores, a PF encontrou e-mails trocados com o diretor da Siemens Luiz Cox, que assinou o contrato de 2005.
Em e-mail datado de 3 de julho de 2004, Cox -atualmente gerente de soluções inteligentes de tráfego da empresa – escreveu para os lobistas: “propomos reduzir o valor mínimo necessário para que participemos do processo de 5.4 para 5.3 (excluída a comissão, que neste caso poderia até ser um pouco maior se as devidas previdências forem tomadas”.
No material apreendido os lobistas também escreveram ter recebido “comissão” por ajudar a Siemens em negócios. “Fiz uma negociação com a Siemens. Ganhei uma comissão por ajuda-los em um negócio que precisava de uma intermediação”, escreveu um deles.
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Os Correios também encontraram documentos que mostravam troca de informações da Siemens com os lobistas sobre o contrato de 2001.
Empresa diz que recorreu contra decisão da estatal
Procurada, a Siemens informou que não comentaria o assunto. Nesta quinta-feira, 27, a empresa informou, em nota, que está recorrendo judicialmente da decisão dos Correios. “Uma proposta da Siemens de voluntariamente restringir seus negócios com a empresa por um período equivalente de tempo, que encerraria a disputa judicial, não foi aceita pela ECT”, informou a empresa alemã.
Os Correios afirmaram, em nota, que “as irregularidades em relação à Siemens foram detectadas pelos próprios Correios, por meio de seus mecanismos de fiscalização e controle interno”. “Os fatos foram apurados e os responsáveis, punidos”, afirmou a estatal. Além disso, ela declarou também que o ex-diretor Maurício Marinho foi demitido “em decorrência de processos de apuração interna”.
Em outro trecho, a nota diz que “outros fatos de 2005 também foram objeto de apuração interna, que resultou em mais de 30 demissões por justa causa”. Sobre providências, os Correios declararam ainda que, a partir do novo estatuto, “adotou práticas mais modernas de gestão corporativa e transparência”.
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O advogado Pinheiro Lemos, defensor de Roberto Jefferson, observou que os autos da ação penal em que o ex-deputado e Maurício Marinho são réus ainda estão “em fase de inquirição de testemunhas, fase de instrução processual”. Ele anotou que não tem conhecimento da planilha relativa ao contrato da Siemens com os Correios. A reportagem não localizou Maurício Marinho, Luiz Cox, José Santos Fortuna e nem Clauzer Esteves para comentar a relação deles com o caso que envolve os Correios.