Aprimeira impressão que se tem ao chegar ao Planeta Atlântida – ao menos a primeira impressão deste repórter, sem longos veraneios no currículo e sem passagens anteriores pelo evento – é de que tudo o que se imaginava sobre o festival pode estar equivocado.

Continua depois da publicidade

O terreno da Saba, em Capão da Canoa, onde se realiza o Planeta, é cercado. É a primeira grande surpresa para quem só viu a multidão espalhada na frente do palco pela TV. A segunda é que o espaço é tão amplo que não parece de fato haver um muro em volta dele.

– A maior diferença até agora de estar aqui dentro é que tudo é muito grande. Na TV parecia menor, o palco é maior, os telões, o espaço em que o festival se espalha… – comenta Leonardo Borges, 17 anos, de Caxias do Sul.

Leonardo foi ao Planeta com a namorada, Cristine Vieira, 19 anos. Ambos começaram a sair juntos há um ano, depois de se conhecerem andando de bicicleta – são vizinhos de bairro. Naquele balé de descobertas de início de namoro, perceberam que partilhavam o mesmo gosto por sertanejo universitário e suas variações que se espraiam da moda de viola eletrificada a uma certa vertente da Tchê Music. Leonardo e Cristine, cada qual de seu canto, sempre quiseram ir ao festival, mas nunca haviam tido oportunidade – ele, envolvido com escola, trabalho ou outros planos familiares. Ela, pela linha dura do pai, que não a queria sozinha por lá.

– Agora finalmente conseguimos vir – comemorava ela.

Continua depois da publicidade

Festa em grupo

Apesar do apreço pela música de Luan Santana e Michel Teló, os destaques que ambos queriam ver, Cristine e Leonardo compartilham uma característica comum à maioria dos jovens presentes. Eles não estão ali necessariamente por uma ou outra atração, e sim pelo festival em si, pela multidão, pela “farra”, como se dizia antigamente (ou pela “zoeira”, dizem hoje), pela possibilidade de passar dois dias em um espaço de sociabilidade e festa. Correntes da sociologia e da pedagogia contemporânea (Marília Sposito, Maria Cecília Minayo, Marcelo Urresti, para ficar só na letra “m”) afirmam que a interação com o grupo de amigos, a turma de personalidades escolhidas como referência, é tão crucial (ou até mais) para a formação de um jovem quanto o tempo passado na escola ou mesmo em casa. No Planeta, por exemplo, muitos foram em grupos ou excursões, transformando a viagem em parte das férias, seja no início ou no fim.

– É uma boa forma de encerrar as férias e começar bem o ano – avaliava Lúcia Bristolin, 15 anos, que foi ao festival com a amiga Isabela Marquetti, 16 anos, ambas de Caxias. Lúcia volta às aulas na próxima semana.

– Já viemos no Planeta do ano passado para começar as nossas férias. Este ano, o festival vai ser o ponto culminante delas – dizia, por sua vez, Mariana Limberger, 19 anos.

A ida ao festival foi uma aventura de grupo (o jovem e o grupo, lembram?) empreendida por Mariana, pelo irmão Henrique Limberger, 20 anos, e pela namorada dele, Natália Flores, 18 anos. Os irmãos moram em Minas do Leão, enquanto Natália estuda Fisioterapia em Porto Alegre. Ao fim dos dois dias de shows, devem embarcar diretamente para Santa Catarina, circunstância inversa, contam eles, do festival do ano passado, quando, em férias no Estado vizinho, vieram diretamente para o festival. Neste ano, estavam bastante entusiasmados com a possibilidade de ver Charlie Brown Jr. e Capital Inicial, mas as duas bandas não puderam participar devido à mudança de datas do festival. Não tem problema, o trio veio assim mesmo. Muitos vêm pelo planeta, pela festa, pela multidão.

Continua depois da publicidade

Rock e pagode

A vontade dos jovens presentes, contudo, não é necessariamente a de se diluir na massa. Dentro do conjunto da multidão, cada pequeno grupo mantém uma identidade de gosto, responsável pela fluidez do público no espaço do festival, que expande-se e muda de lugar como óleo na água. Explica-se. Diferentemente de um festival ao modelo “clássico”, com um grande palco para o qual confluem todos os olhares, o Planeta Atlântida é organizado, como muitos outros eventos semelhantes, em núcleos distribuídos ao redor de palcos alternativos para os quais afluem aqueles que não são necessariamente identificados com o que estiver passando no espaço principal. Há lounges de marcas patrocinadoras, espaços de música eletrônica e palcos menores, mais distantes do centro dos acontecimentos, mas que reúnem grupos tão grandes que não se poderia chamá-los de “colaterais”. Alguns deles, durante boa parte do primeiro dia, foram o porto para aqueles menos afeitos às tendências radiofônicas contemporâneas.

– O Planeta já foi mais rock, já teve mais opções de som mais pesado – comentou Vanderlei Dallemole, 26 anos, presente no festival em companhia de um grupo de amigos vindos de Flores da Cunha.

Contrariando uma máxima não escrita, Vanderlei estava lá para ver os Raimundos vestindo uma camiseta preta dos… Raimundos – a regra informal, satirizada no filme Detroit Rock City, sobre três amigos a caminho de um show do Kiss, é “nunca usar a camiseta da banda no show da própria banda, e sim a de outra banda qualquer”. Dallemole argumenta, com uma certa dose de razão, que exceções são válidas em casos de festivais coletivos.

Os Raimundos tocaram no Palco Pretinho Convida, e foram responsáveis por fazer parte do público se deslocar pela Saba. Enquanto um bom número de expectadores ainda chegava ao espaço e corria para não perder o início do Sorriso Maroto, uma massa mais afeita a guitarras e distorções se deslocava no sentido contrário, para acompanhar o som dos Raimundos – talvez prevendo a competição, Bruno Cardoso, vocalista do Sorriso Maroto, subiu ao palco usando uma camiseta dos Rolling Stones, que, no zoom no telão, podia se ver que era autografada pelos roqueiros ingleses. Ao mesmo tempo, Digão, dos Raimundos, em seu palco, instava o público a abrir um espaço amplo no meio da multidão para dar mais segurança à “roda de pogo”.

Continua depois da publicidade

Ainda nas primeiras horas, outras ondas de deslocamento haviam levado muitos espectadores do show da Fresno para o palco em que a Comunidade Nin-Jitsu entoava seus hits locais. Enquanto isso, muitos que recém haviam chegado se dirigiam para o palco principal, onde os Racionais entoavam seus raps que, tocando pouco no rádio, tinham as letras cantadas junto por parte da multidão.

– Isso é bom no Planeta. Sempre dá para achar um lugar em que tu te sinta bem e curta um som que te agrade – comentava Natália Flores.

À moda gaúcha

Com um perfil tão diverso de jovens rodando pela Saba, o que os unifica é a presença no festival. Há roqueiros de moicano pra cima, como Rafael Limberger, amigo do Vanderlei lá de Flores da Cunha (e sem relação de parentesco com os já mencionados irmãos Limberger de Minas do Leão), e moças como a gabrielense Lucieli Marques, 21 anos, cabelo pintado de cor-de-rosa e louca para ver Planet Hemp e Ivete Sangalo.

Mas como se dizia, muitos dos rituais de sociabilidade dos jovens estão associados a reuniões de diversão conjunta. E numa reunião deste tamanho, nem foi muito difícil consolidar o grupo como uma comunidade logo de início. Bastou Neto Fagundes subir ao palco para entoar o Hino Rio-Grandense ao lado do guitarrista Rafa Schüler que a multidão logo estava dedicada a se provar uma comunidade, cantando a plenos pulmões e, à tradicional moda gaúcha, chamando os mais tímidos para cantar junto quase a pescoções. Identidade regional é coisa séria no Planeta.

Continua depois da publicidade

Momento de catarse coletiva, o hino preparou o terreno para os que pularam ao som de Racionais ou se agitaram com todos os músculos com Ivete Sangalo.

Alguns voltarão no ano que vem, sejam os artistas os mesmos ou alguma nova atração do momento.

No festival, os planetários querem mesmo é a festa.