Os investigados na segunda fase da Operação Presságio, presos preventivamente na quarta-feira (29), usavam notas fiscais frias emitidas por parentes e pessoas próximas e chegaram a pedir que alguns deles abrissem empresas no formato de Microempreendedor Individual (MEI) para que o suposto esquema tivesse continuidade. As informações são da investigação da Polícia Civil e constam no processo do caso, a que a reportagem da NSC teve acesso nesta sexta-feira (31).
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A investigação contra o grupo ligado ao ex-secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, Ed Pereira, tem duas principais frentes de apuração. A primeira é sobre a possível atuação dos investigados para favorecer empresas em contratos e licitações com o município. O principal caso citado é o edital para a instalação de oito estruturas metálicas temporárias para a Cidade do Samba, espaço onde ficam abrigados carros alegóricos de escolas de samba da Capital, entre o Centro Sul e a Passarela Nego Quirido, no Centro.
Nesse episódio, segundo a investigação da Polícia Civil, o então secretário Ed Pereira teria repassado ao ex-assessor Renê Raul Justino, então diretor da Fundação Franklin Cascaes, órgão ligado à secretaria, dois orçamentos de empresas diferentes e também um áudio com orientações sobre como deveria ser o termo de referência da contratação. Na gravação, incluída no processo, um sócio da empresa Tendas Catarinenses, dona de uma das propostas enviada por Ed Pereira ao assessor, daria orientação de não mencionar que a estrutura a ser contratada era de lona, afirmando que isso permitiria “tirar muita gente da parada”. O contrato no valor de R$ 980 mil por ano e prorrogável por até cinco anos, o que pode permitir que valor chegue a R$ 5,7 milhões, foi firmado com a Tendas Catarinenses.
Mas a maior parte da investigação apura supostos crimes de corrupção no repasse de verbas públicas a organizações sociais e em patrocínios da secretaria liderada por Ed Pereira a eventos esportivos. Nesse suposto esquema, que segundo a Polícia Civil seria comandado por Ed, o grupo investigado usaria notas fiscais frias, de serviços não prestados, mas emitidas por parentes e pessoas conhecidas dos envolvidos, para receber pagamentos de valores de entidades, beneficiadas com recursos da secretaria de Turismo, Cultura e Esporte.
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Após o pagamento desses comprovantes fraudulentos, essas quantias eram devolvidas pelas pessoas que emitiam as notas fiscais, e conforme a investigação seriam reunidas por Renê Raul Justino para beneficiar o ex-secretário Ed Pereira.
Em um trecho da investigação, a Polícia Civil pontua que as “as empresas fantasmas, que são criadas e controladas pelo grupo, efetuam a devolução do valor integral recebido na nota fiscal, já notas fraudulentas de empresas que não são controladas por eles, recebem 10% do valor da nota a título de comissão e efetuam a devolução dos outros 90%”.
Em um dos casos, Lucas Fagundes, também preso nesta semana na Operação Presságio e apontado como responsável por emitir notas fiscais para o esquema, dispõe-se a emitir uma nota fiscal após uma sondagem de Renê.
“Tens alguém pra tirar nota de 1500? Fica com 150”, escreveu o ex-assessor de Ed Pereira.
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Lucas aceitou a oferta e pediu que Renê informasse quais deveriam ser os dados de valores, associação e projeto beneficiado que deveriam constar na nota. Para a polícia, isso comprovaria que se tratam de notas frias e fraudulentas, que visariam o suposto desvio de recursos.
“(…) caso Lucas fosse o real prestador do serviço saberia todos esses dados para emissão”, diz um trecho do inquérito.
Corrida para criação de MEIs: “Ache laranjas”
Em determinado momento das supostas fraudes, os envolvidos teriam sido alertados de uma mudança na legislação que não permitiria mais o pagamento de projetos sociais beneficiados com recursos da prefeitura para notas fiscais avulsas, emitidas por pessoas físicas. Para que os pagamentos continuassem sendo feitos seria preciso que os contatos abrissem registros de Microempreendedor Individual (MEI). Em um áudio enviado a Cléber José Ferreira, contador que ajudaria Renê na busca por laranjas e na operação financeira do esquema, o ex-assessor de Ed Pereira teria pedido que “todos virassem MEIs”.
Ouça o áudio
“Cara já pega todo mundo que MEI, e quem não for MEI vai ter que ser, senão a gente vai ter que achar uns laranja aí (…). Cara todo mundo que não, todo mundo não vai ser mais aceita avulsa ta, então vamos ter que transformar todo mundo em MEI velho, f*. Todo mundo em MEI, vamos ter isso bonitinho quatro meses já resolve nossa vida, quatro meses já limpa o dinheiro que a gente precisa.”
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Segundo a Polícia Civil, pelo menos oito empresas individuais foram criadas pelo próprio Renê Raul Justino, com auxílio de Cléber José Ferreira e de acordo com a investigação sob comando de Ed Pereira. Para a polícia, a medida teria o “único intuito de fraudar os processos de prestações de contas de projetos sociais e eventos patrocinados pela SMTCE [Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte] e acobertar o desvio de recursos públicos”.
A mudança no suposto esquema também fez Renê apelar para Cléber para ampliar a rede de pessoas que poderiam emitir notas fiscais frias para manter a alegada rede de desvio de recursos.
“Ache laranjas. Tem minha sogra. Vou ter mais dois”, escreveu Renê, em mensagem de texto.
Na resposta, Cleber também teria se disposto a ajudar:
“Vou colocar meus 2 irmãos e 1 cunhado”.

O caminho dos pagamentos
O caminho, segundo o que é descrito pelos investigadores, seria o seguinte: associações e organizações sociais que possuem projetos sociais e esportivos recebiam recursos de incentivo da secretaria comandada por Ed. Empresas fantasmas e pessoas próximas acionadas por Renê e Cléber emitiriam notas fiscais frias e fraudulentas, referentes a serviços que segundo a polícia nunca haviam sido prestados, com descrições como assessoria de imprensa, fotografia ou serviços administrativos, em nomes desses projetos sociais ou esportivos das entidades.
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Depois que os pagamentos aos supostos serviços eram feitos, os responsáveis por emitir a nota fiscal devolveriam parte ou todo o dinheiro ao grupo investigado. A polícia explica que em alguns casos esses valores eram devolvidos em espécie, e em outros por transferências via Pix.
“Após essas pessoas recebem o pagamento referente às notas emitidas os valores são em regra sacados em espécie, e em casos esporádicos transferidos por meio de transferência bancária para RENÊ, prática essa proibida por ED PEREIRA, conforme demonstrado mais à frente, porém, por circunstâncias alheias à vontade dos investigados se torna necessária por vezes”.
Veja imagens da primeira fase da Operação Presságio, de janeiro
Possíveis rastros preocupavam ex-secretário, diz polícia
Ainda segundo o inquérito da Polícia Civil, os possíveis rastros deixados pelas movimentações financeiras seriam motivo de preocupação para o então secretário Ed Pereira.
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Em uma mensagem trocada com Renê, Ed teria afirmado que na noite anterior ficou “até meia-noite para resolver os pix” e alertado Renê: “Então cuide com a bucha que vem”, escreveu.
Ainda por mensagem, Ed responde: “Alguém ou fala tudo ou tu tens robô no seu pc”, ao que Renê rebate: “Troquei de pc recentmente”.
Em seguida, Ed responde:
“Já sei irmão tamo quebrando a cabeça, a bomba é grande se pegarem mesmo uma transferência na sua conta”.

A investigação também cita um áudio para afirmar que Ed Pereira seria o responsável por comandar o grupo investigado. Na gravação, Renê cobra do contador Cléber mais agilidade no pagamento das notas frias e na posterior devolução de recursos.
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Ouça o áudio
“Além das notas, as devoluções, cara! Eu preciso fechar, mano. Oh, tá muito atrasado, Cleber. Preciso de dinheiro, cara! O Ed vai me f*** a vida, brother. Pelo amor de Deus!”, afirmou Renê, segundo a investigação.
Nesta sexta-feira, a Justiça negou um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de Ed Pereira. Ele e os outros três presos nesta semana permanecem em prisão preventiva.
Contrapontos
A prefeitura de Florianópolis informou à reportagem da NSC que segue colaborando com as investigações da Polícia Civil e disponibilizou acesso ilimitado ao sistema de transparência de projetos de organizações sociais.
O advogado de Ed Pereira, Claudio Gastão da Rosa Filho, afirmou ainda na quinta-feira que seguia estudando o inquérito e que “todas as medidas legais serão tomadas no momento oportuno”. A advogada de Lucas Fabundes, Zenilda Edwirgen Cardoso, também apontou que está analisando o conteúdo dos autos e que no momento não tem nada a declarar.
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O advogado Francisco Ferreira, que representa as defesas de Renê Raul Justino e de Cleber José Ferreira, afirmou que vai entrar com pedido de habeas corpus na segunda-feira (3) para tentar a revogação das prisões preventivas.
A defesa da empresa Tendas Catarinenses sustentou que o empresário é idôneo e também afirmaram que estão pedindo a liberação do acesso aos autos junto aos órgãos competentes. Também disse que o empresário está à disposição e irá contribuir para o esclarecimento dos fatos.
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