Piora na balneabilidade das praias mais badaladas e uma epidemia de diarreia. A infeliz combinação tornou-se um problema impróprio para Santa Catarina na temporada de verão, que foi aguardada com otimismo pelo turismo por ser a primeira após o fim das restrições da pandemia. Os dois episódios ainda têm as causas investigadas, mas provocam reflexos na saúde, expõem fragilidades no saneamento básico e acendem alerta também na economia.

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Com ou sem relação entre os casos, a piora na balneabilidade vem sendo um problema enfrentado na temporada. Na primeira semana do ano, o Estado chegou a ter mais pontos impróprios do que próprios para banho nas praias analisadas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA-SC). A situação teve leve melhora na semana seguinte. O Estado tinha 51% dos locais analisados com condição favorável aos banhistas na sexta-feira (20) – novos levantamentos são divulgados às sextas-feiras. Ainda assim, o índice fica abaixo do patamar deste período dos últimos cinco anos e também da média histórica apontada pelo IMA, que costuma ser de quase 70% dos pontos próprios no verão.

Entre os casos que mais chamaram a atenção estão as praias de Canasvieiras e Jurerê, no Norte da Ilha, em Florianópolis. As chuvas destruíram uma barreira que bloqueava as águas do Rio do Brás, o que tornou os pontos das praias impróprios para banho. A prefeitura informa que faz uma série de inspeções em imóveis para combater ligações irregulares de esgoto, apontadas pela Casan como a principal causa do problema no local.

Problemas de balneabilidade em SC preocupam comércio e serviços

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Chuvas prejudicaram a balneabilidade

Segundo o IMA, a principal explicação para a piora na balneabilidade foram as chuvas de dezembro. Naquele mês, o Estado registrou enxurradas que deixaram dois mortos e rodovias bloqueadas em várias cidades. Florianópolis foi a capital do país em que mais choveu, com volume três vezes maior do que o esperado para o mês.

O responsável pela gerência de Laboratório e Medições Ambientais do IMA, Marlon Daniel da Silva, explica que a chuva potencializa o risco de contaminação no mar porque age como uma “vassoura” ao varrer sujeiras de ruas, galerias e tubulações. Segundo ele, em enxurradas, é comum que o volume de água entre e extrapole rede e estações de esgoto, prejudicando o tratamento e aumentando a quantidade de poluição no mar nos dias seguintes. Na avaliação dele, isso é visto como uma fragilidade a ser superada nos sistemas de saneamento.

– Para que se mitigue isso, além de existir o sistema de coleta, caixas de inspeção, estações elevatórias e de tratamento, você teria de ter condições de macrodrenagem, microdrenagem, manutenção de canais, galerias pluviais e rios, para não haver esses alagamentos que comprometem o sistema de coleta – pontua.

A situação no Estado fez o ecólogo marinho Paulo Horta enviar uma carta à nova ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, propondo a criação de um grupo com municípios, IMA e especialistas para discutir propostas de curto, médio e longo prazo.

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Entre as ideias, estaria a criação de um sistema de biorremediação com algas e plantas de manguezal para ajudar na remoção de substâncias do mar. Ele também chama a atenção para o fato de que as cidades precisam estar preparadas para as intempéries cada vez mais comuns.

– Um sistema de saneamento que não tem os devidos investimentos ou não está preparado para eventos climáticos é muito mais vulnerável – avalia.

Florianópolis vai financiar ligações a rede de esgoto por melhora na balneabilidade

Cobertura e ligações clandestinas estão entre os problemas

Estação em construção no bairro Ingleses, em Florianópolis, é investimento em andamento na área (Foto: Tiago Ghizoni, Diário Catarinense)

Após quase um mês do período de chuvas fortes de dezembro, no entanto, muitos pontos do Litoral continuam impróprios. Um dos motivos é porque os problemas de saneamento básico em algumas regiões também podem prejudicar a qualidade da água. Santa Catarina tem 27% dos habitantes com acesso a rede de coleta de esgoto, número menor do que a média da região Sul (46%) e nacional (55%).

Além disso, apenas 32% do volume gerado é tratado. Os dados são do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), de 2021. O Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020, tem como meta alcançar 90% da população atendida por coleta e tratamento de esgoto, o que deve exigir investimentos da esfera pública. Algumas cidades apostam em obras para alcançar esse avanço. É o caso de uma nova estação de tratamento no bairro Ingleses, que pode melhorar a condição do Rio Capivari e, consequentemente, da principal praia do bairro. Segundo a Casan, os investimentos levarão Florianópolis a atingir 90% de cobertura até 2025. A prefeitura da Capital também promete um pacote de melhorias
nos sistemas de esgoto e drenagem (confira detalhes na tabela ao lado).

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Em nota, o Instituto Trata Brasil informou à reportagem que a falta de tratamento de esgoto é a principal forma de poluição das praias no país. Segundo a entidade, o volume de esgoto não tratado em Santa Catarina equivale ao despejo na natureza de cerca de 300 piscinas olímpicas de esgoto por dia. Um estudo recente do instituto mostrou que a universalização dos serviços de saneamento em SC poderia render ganhos de R$ 23,9 bilhões em um período de 35 anos, de 2021 a 2055. A receita viria da redução de internações do incremento no turismo.

Mas mesmo cidades ou áreas com ampla cobertura de saneamento básico enfrentam problemas em balneabilidade neste ano no Estado. Isso ocorre porque outras variantes também podem interferir no processo. A engenheira sanitarista Carolina Cabral, da Associação Catarinense de Engenheiros Sanitaristas e Ambientais (Acesa), afirma que no caso atual, a chuva de dezembro e as ligações irregulares foram a principal causa da piora na balneabilidade.

A especialista conta que às vezes o morador liga a saída de um banheiro ou residência à tubulação mais próxima, sem procurar saber se aquela é a rede adequada e qual será a consequência daquela ligação. Os problemas ocorrem tanto em saídas de esgoto conectadas ao sistema pluvial quanto da água da chuva na rede coletora de esgotamento. Isso mostra que a população tem papel importante para garantir o saneamento e boa qualidade das águas.

– Eu diria que em casos em que há rede de esgoto, esse comportamento explica (os problemas de balneabilidade). Uma das grandes chaves é essa, o papel do cidadão, e, claro, ele ser orientado e também fiscalizado – avalia.

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Surto de diarreia

Outro problema enfrentado na atual temporada é o surto de diarreia, registrado em oito cidades do litoral catarinense. Foram mais de 3 mil casos em Florianópolis, que está em epidemia, e 530 em Balneário Camboriú até esta semana, segundo dados dos municípios. Os registros aumentaram a procura por atendimento em unidades de saúde. A descoberta do que causou a onda de doenças intestinais ainda depende de resultados de exames que foram concentrados no Laboratório Central do Estado (Lacen-SC).

O órgão atribui a demora na conclusão dos testes a uma suposta lentidão das cidades no envio de amostras de pacientes, o que é negado pelas prefeituras. O Lacen diz ter como principal suspeita até agora justamente a condição das águas das praias, embora não descarte outras possibilidades, como alimentos contaminados. Prefeituras procuradas pela reportagem negam a relação entre a balneabilidade e os casos de diarreia.

No entanto, nesta sexta-feira (20), a prefeitura de Florianópolis informou que laudos preliminares apontam que a epidemia na Capital é causada pelo norovírus — transmitido pela ingestão de alimentos e bebidas contaminados, pela tosse de quem esteja doente e pelo contato com as mãos de quem carregue o agente causador. A investigação foi feita pelo Laboratório de Virologia Aplicada (LVA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com a BiomeHub.

A situação chegou a repercutir até mesmo na imprensa internacional. O jornal argentino “Clarín” publicou reportagem sobre o alto número de casos em Florianópolis, tradicional destino dos hermanos durante o verão.

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