A superintendência da Polícia Federal em Santa Catarina abriu investigação para apurar a prática dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso por parte do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, o concordiense Henrique Pizzolato, por conta de um passaporte que ele conseguiu retirar, em 2008, com os dados de um irmão morto 30 anos antes. O documento foi emitido na então recém-inaugurada delegacia da PF em Lages, na Serra.
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A superintendência da PF não dá detalhes da investigação, mas esclarece que o inquérito foi instaurado na última quarta-feira, um dia antes de o caso repercutir em todo o Brasil pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, e se limita apenas à falsidade documental de Pizzolato, sem ter relação com o processo do mensalão em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem do JN apurou que Pizzolato utilizou o nome e os dados do irmão Celso, morto em 1978, aos 23 anos, em um acidente de trânsito no Paraná, para retirar o passaporte. A fraude teria sido possível porque a morte de Celso nunca foi oficializada em Santa Catarina.
Assim, em novembro de 2007, logo após o STF ter iniciado o processo do mensalão, Pizzolato foi ao Instituto Geral de Perícias (IGP), em Florianópolis, e sem qualquer dificuldade retirou um documento de identidade com a sua foto e digital, mas com os dados do irmão Celso que, para fins legais, continuava vivo.
Com o RG novo, Pizzolato teria ido ao Rio de Janeiro, onde conseguiu o CPF e o título de eleitor, também em nome do irmão. Mas faltava ainda a cartada final e, teoricamente, a mais difícil: conseguir o passaporte.
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Em janeiro de 2008, com todos os documentos necessários e atualizados, Pizzolato foi a Lages retirar o passaporte. O delegado Nelson Napp, que chefiava a PF em Lages na ocasião e atualmente está em Criciúma, considera que Pizzolato arquitetou um plano profissional.
Napp lembra que, ao preencher o requerimento, o ex-diretor do Banco do Brasil declarou residência em Urubici, a 110 quilômetros de Lages. E como todos os documentos exigidos para a retirada do passaporte estavam corretos, ainda que com dados de um morto mas que, oficialmente, estava vivo, Pizzolato conseguiu o que queria.
– Não houve falha funcional ou desvio de conduta por parte de qualquer agente -, diz Napp.
A opinião do ex-chefe da PF em Lages é a mesma do atual, José Elói Werner Júnior. Ele estava em Dionísio Cerqueira na época, mas garante que os policiais não teriam como desconfiar da fraude, uma vez que todos os documentos foram emitidos por órgãos oficiais e não havia nenhum indício de falsificação.
– Não tinha como descobrir. Pelo sistema antigo, que havia em Lages na época, ele poderia ter retirado o passaporte em qualquer lugar do Brasil, pois toda a documentação estava em ordem. Tenho certeza que não houve negligência ou corrupção dentro da PF neste caso.
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Sistema defasado permitiu a retirada do passaporte falso
O ex e o atual chefe da Polícia Federal em Lages concordam também quanto às circunstâncias que possibilitaram a Henrique Pizzolato retirar o passaporte com os dados do irmão.
O delegado Nelson Napp lembra que, em janeiro de 2008, a delegacia de Lages, inaugurada apenas 15 meses antes em uma casa alugada às margens da BR-282, era a única da PF em Santa Catarina e provavelmente no Brasil que ainda emitia os passaportes pelo sistema antigo.
Os documentos exigidos eram os mesmos de hoje, mas a grande diferença é que antes não havia a coleta e muito menos o confronto das impressões digitais do requerente. Assim, os agentes apenas conferiam a documentação e, não havendo nenhuma restrição judicial, emitiam o passaporte.
– Além disso, o Pizzolato ainda nem era conhecido, e não teríamos como reconhecê-lo na delegacia -, diz Napp.
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Àquela época, comenta o delegado José Elói Werner Júnior, o novo sistema em implantação no país era instável e, por isso, muita gente procurava a delegacia de Lages para retirar o passaporte ao modo antigo. O processo demorava alguns dias a mais, mas era eficiente. Tanto que o órgão chegou a emitir 60 passaportes por dia. Atualmente, com o sistema interligado nacionalmente e o mesmo método em qualquer delegacia do país, a média caiu pela metade.
– Antes o cidadão chegava aqui e, se os documentos conferissem, ele pegava o passaporte. O sistema permitia falhas. Mas hoje é tudo online. Além de colhermos as digitais de todos os dedos da mão, a foto, a assinatura e a digital são impressas no documento. Até fragmentos de impressão digital são identificados pelo sistema. Quem procura fraude tem muita criatividade, mas posso garantir que agora é praticamente impossível falsificar o passaporte -, conclui o atual chefe da PF em Lages, dizendo que, se Pizzolato tentasse hoje fazer o que fez há seis anos, provavelmente seria preso em flagrante ainda na delegacia por falsidade ideológica.