As dificuldades enfrentadas por pesquisadores brasileiros vêm sendo tema de debate no país: o assunto se destacou com o combate à pandemia de coronavírus e o anúncio de cortes orçamentários destinados a universidades federais brasileiras – no começo de maio, chamou atenção a notícia de que a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) poderia fechar por dificuldades financeiras; e, nesta quinta-feira (20), a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) confirmou que terá, em 2021, o menor orçamento desde 2012. O tema também dominou as redes sociais por uma via inusitada: a participação, no BBB 21, do doutorando em Economia Gilberto Nogueira, que diversas vezes fez comentários a respeito da situação da pesquisa e da educação no Brasil.
Continua depois da publicidade
É nesse contexto que o florianopolitano Thiago Ouriques Machado organiza uma campanha de financiamento coletivo para viajar à Inglaterra, onde foi selecionado para uma vaga de Pesquisador Associado na Universidade de Birmingham. Engenheiro químico, Thiago fez sua graduação, mestrado e doutorado na UFSC, e trabalha com polímeros, popularmente generalizados como “plásticos”.
– Dentro da área de polímeros, eu trabalho com materiais de fontes renováveis, como óleos vegetais, rejeitos da indústria de papel e celulose e da agroindrústria – explica Thiago. – Esses materiais ambientalmente mais amigáveis são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, até por existir a possibilidade de se substituir parcialmente ou totalmente os materiais poliméricos advindos de fontes fósseis.
> Toxina paralisante que pode ser letal é identificada na Lagoa do Peri, em Florianópolis
Quando terminou o doutorado, Thiago tentou uma bolsa de pós-doutorado financiada pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); mas a pandemia causou o adiamento ou cancelamento dos concursos existentes para professor universitário. Órgãos de fomento, como o CNPq e a própria CAPES, também sofreram cortes no orçamento, o que diminui o financiamento de bolsas de pesquisa.
Continua depois da publicidade
– Ainda no meio da pandemia, em agosto de 2020, minha bolsa de pós-doutorado chegou ao fim – ele conta. – Na época, eu ainda estava otimista. Eu tinha aplicado para diversos editais de bolsas e financiamento para os projetos de pesquisa que escrevi; e os professores que me orientaram no doutorado e me supervisionaram no pós-doc escreveram outros projetos em que eu aparecia no elenco de pesquisadores participantes. Todos esses projetos foram aprovados no escrutínio técnico, mas indeferidos devido ao reduzido orçamento do CNPq e da CAPES, que só tem capacidade de financiar uma fração ínfima dos projetos aprovados tecnicamente. Isso foi desesperador. É uma situação que todo pesquisador no Brasil teme.
Thiago passou a procurar vagas em outras universidades brasileiras, mas, segundo ele, as ofertas não eram muitas – foi aí que veio a ideia de se inscrever também para vagas no exterior.
> Aluna da UFSC vence prêmio nacional com projeto para antecipar casos graves de Covid
– Em um mês, eu achei mais de vinte vagas, todas na minha área – diz o pesquisador. – Passei um mês inteiro me dedicando só a isso, mandando meu CV, minha carta de interesse ou motivação. Uma das diferenças entre o Brasil e a Europa é que, aqui, nós somos vistos ainda como estudantes. Lá, o pesquisador ou cientista é um profissional. A nossa formação, na verdade, acaba no doutorado, que é o título acadêmico mais alto que se pode obter. No pós-doutorado, o pesquisador não está mais em formação, mas aqui a gente ainda depende de bolsa. Lá eu vou receber salário, ter direitos trabalhistas, pagar imposto de renda e tudo mais.
No processo seletivo para a vaga, Thiago foi entrevistado a respeito de seus conhecimentos específicos da área, e também para avaliar se se encaixa no grupo de pesquisa com o qual irá trabalhar. No momento, ele aguarda o contato do RH com os documentos necessários para a retirada do visto de trabalho – e, paralelamente, se organiza com a parte financeira, para conseguir o dinheiro necessário para custear visto, prova de proficiência em inglês, seguro saúde, passagens de avião e o período de quarentena obrigatória no Reino Unido, em função da pandemia de coronavírus. A meta é arrecadar R$ 25 mil até o final de julho.
Continua depois da publicidade
Sobre a situação da pesquisa científica no Brasil, Thiago diz que o problema tem uma origem antiga, mas que as dificuldades se agravaram nos últimos anos:
– O que nós temos observado é um ataque descarado às universidades públicas e à ciência em si – afirma. – As universidades públicas são produtoras de mais de 90% do conhecimento e ciência gerados no Brasil. Sem essas instituições e os pesquisadores que nelas exercem seu trabalho, a ciência brasileira para! Todo mundo perde com isso. Nós formamos muitos cientistas altamente qualificados; o problema é que eles são mais valorizados no exterior do que aqui. A sociedade não valoriza o trabalho do pesquisador porque é refém de um governo que não investe em educação de base. Não tem como valorizar e entender o que é ciência se o cidadão ou cidadã não teve a oportunidade de ter uma educação de qualidade.
– As ciências são a melhor forma de entender a realidade; elas buscam entender os fatos, quais os mecanismos por trás do funcionamento da natureza, da sociedade e do ser humano – Thiago prossegue. – É característica de governos com veia autoritária atacar essas instituições e a ciência, e negar a verdade para desenvolver uma narrativa própria e mentirosa. Eu segui o caminho da ciência pelo meu interesse em entender o universo, o que ainda me motiva. É uma curiosidade que a gente vê nas crianças, cientistas natas. Quando era criança e vi que as ciências tinham as respostas para as minhas perguntas, eu me apaixonei. E quando a gente cresce, percebe que toda a ciência e tecnologia que temos hoje são resultado de um esforço coletivo de milhões de cientistas ao longo de séculos. Eu quero contribuir para isso também.
Continua depois da publicidade
Para visualizar e contribuir com o financiamento, acesse o site da campanha.
> Documentário Ciano acompanha expedição de pesquisa sobre as baleias jubartes