João Simões Lopes Neto (1865 – 1916) foi mais do que o expoente do regionalismo gaúcho com seus Contos Gauchescos. Foi colaborador de jornais, fundador de clube de ciclismo, de sociedade protetora de animais e até se arriscou como cinegrafista. Agora, descobriu-se mais uma faceta: a de letrista.
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O achado se deu depois de Luis Borges, doutorando em Educação e autor de livros sobre Simões Lopes, revirar 14 mil folhas de jornais em busca de escritos perdidos. Ele localizou dois hinos: um com o papel rasgado, onde só se pode ler o título Hino do Jubileu da Imprensa Pelotense e a assinatura do autor. O outro completo. Datado de 27 de outubro de 1913, o texto foi reproduzido no jornal pelotense A Opinião Pública.
– É mais uma prova da versatilidade de Simões – afirma o professor da UFRGS Luís Augusto Fischer, um dos maiores especialistas na obra do autor.
A composição é dedicada à sociedade musical Euterpe Farroupilha, de São José do Norte, cidade próxima de Pelotas. A entidade já não existe, e não se sabe se a letra foi musicada.
– É provável que tenha sido feita a pedido de amigos, pois ele era muito envolvido com a comunidade – avalia Borges.
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Para os especialistas, há uma divisão clara em relação ao legado de Simões: os textos “de circunstância” e os regionalistas. Os últimos são aclamados por críticos e historiadores. Os primeiros são os anúncios, artigos e outros, alguns feitos por encomenda. Aí se encaixariam os dois hinos.
– Não há valor literário neles. Há uma diferença abissal entre um livro como Contos Gauchescos e textos que Simões Lopes escreveu ao sabor de solicitações _ destaca o doutor em Letras Flávio Loureiro Chaves, vencedor do prêmio Trezentas Onças, conferido pelo Instituto Simões Lopes Neto.
Apesar de os especialistas avaliarem a composição como “singela” e com métrica simples, há quem destaque o achado.
– Se não tem valor para a literatura, tem para a história cultural. Pode ser que revele uma faceta de ativista de Simões – diz a doutora em Letras e professora aposentada da UFRGS Maria Luiza de Carvalho Armando.
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Maria Luiza analisou outra obra de Simões, Casos do Romualdo, que era considerada menor, mas passou a ser respeitada após a análise com as “ferramentas certas”, como define a professora da Universidade Livre de Berlim Ligia Chiappini.
– Tem de acabar com o preconceito. O hino pode reservar surpresas – defende Ligia.
Luis Borges promete não só estudar seu achado, mas toda a poesia de Simões, em uma antologia a ser lançada em breve:
– Um autor com a estatura dele tem que ter a obra completa divulgada, inclusive aquilo que hoje não é considerado de primeira linha.
Confira letra inédita de Simões Lopes Neto
O hino faz uma exaltação à uma sociedade de música de São José do Norte em tom patriótico e cívico.
Solo
Como a força do pátrio Cruzeiro
É couraça da frágil bonina:
Nada impede que nome guerreiro
Seja palium da Arte Divina!…
Refrão
Eia! Euterpe Farroupilha!
Salve herança dos avós!
– Caridade – a tua filha,
Honrada aqui é, entre nós!
Nobre afã nos conduz, á porfia,
Para o Bem, o Belo, a Verdade,
Aos acordes da grave harmonia,
Entre os elos da doce Amizade!
– Eia! Euterpe Farroupilha! Etc!
Cesse a dor e que o lábio sorria!
O gemido… que aprenda a cantar
Seja a onda sonora – a Alegria -,
Que é a esmola melhor de se dar!
– Eia! Euterpe Farroupilha! (Idem ao de cima, refrão)
Irmanados na estrada da Vida,
Dividíamos a dor e o prazer:
E troquemos – coragem – na lida
Por – saudade – depois de morrer…
– Eia! (Idem)
Bendigamos a luz sublimada,
Os perfumes, a cor e o som!
Exalcemos a Pátria adorada,
Cada qual procurando ser bom!
– Eia! (Idem)