Você está pensando em comprar uma empresa ou realizar uma fusão? Se sim, provavelmente as pessoas e a cultura organizacional não são sua maior preocupação neste momento. No entanto, que esses serão seu principal foco (e sua dor de cabeça) assim que a transação se concretizar.
Continua depois da publicidade
É o que acontece, quase invariavelmente, com a maioria dos executivos brasileiros depois de o negócio ser anunciado, tantos são os problemas gerados pelos recursos humanos e pela cultura corporativa.
Essa é uma das descobertas de uma pesquisa, finalizada em 2013 e publicada com exclusividade pela HSM Management, sobre os processos de fusões e aquisições no Brasil, realizada com 201 de nossas 500 maiores empresas.
O estudo foi conduzido pela consultora e professora Betania Tanure, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com a participação de Gisleine Bellini de Souza e Ana Luiza Albuquerque, e tem um aspecto interessante: Tanure havia feito a mesma pequisa em 2001, o que lhe possibilitou medir os aprendizados e a evolução de nossos executivos.
– Combinamos metodologias quantitativa e qualitativa e, nesta, focalizamos particularmente pessoas e cultura, que continuam a ser o maior problema de nossas fusões e aquisições, como há 12 anos – avalia Tanure.
Continua depois da publicidade
A especialista observa que, embora haja avanços em outros aspectos do processo, a comunidade empresarial brasileira aprendeu pouco em relação à dimensão de pessoas, liderança e cultura e não as valoriza devidamente.
Paulo Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas – que entre 2007 e 2011 incorporou a Varig e a WebJet -, é um dos líderes brasileiros, ainda raros, que reconhecem a importância do choque de culturas corporativas, classificando-o como o aspecto mais sensível e crítico dos processos de M&A, e que, por isso, merece mais atenção.
– É natural que, ao longo do tempo, as empresas desenvolvam culturas próprias e até conjuntos de idiossincrasias comportamentais. E esses conjuntos, existentes dos dois lados, acabam se conflitando na integração – avalia o executivo.
Entre 2001 e 2013, o Brasil vivenciou cerca de 7,8 mil fusões ou aquisições de empresas, de acordo com levantamento feito pela PricewaterhouseCoopers (PwC). O motivo mais frequente para essas operações é aumentar a participação no mercado, segundo estudo conduzido pela professora Betania Tanure, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 2001.
Continua depois da publicidade
Em nova pesquisa realizada em 2013, o resultado se repetiu. A novidade está na busca do aumento da linha de produtos, algo que ganhou importância e peso ao longo dos últimos anos. Na pesquisa anterior, ela era o sexto motivo mais frequente e passou a ser o segundo mais relevante na decisão sobre a aquisição ou fusão.
Também subiu na escala a entrada em novos mercados. Enquanto em 2001 esse era o sétimo motivo mais importante, passou a ser o terceiro em 2013. O quadro atual mostra que, além de serem os dois motivos mais frequentemente citados, a participação no mercado e a linha de produtos são também considerados os mais importantes para uma aquisição ou fusão.
Tanure ressalta a importância de ter clareza sobre os motivos que levam à aquisição ou à fusão das empresas, pois estes deveriam ter impacto significativo no processo de integração a ser adotado.
– As diferentes estratégias de integração, como assimilação, mescla, pluralidade, movimento reverso e transformação, devem ser adotadas não por impulso do comprador – afirma.
Continua depois da publicidade
Em relação a quem está vendendo a empresa, a pesquisa mostra que a questão financeira é o principal motivo para a negociação, mantendo a relevância que já havia aparecido na investigação realizada em 2001. A análise desse dado sob a perspectiva da pesquisa qualitativa revela que, quando a empresa decide pela venda, muitas vezes, a pressão da situação financeira já está muito grande.
Outra característica das transações retratada pelas pesquisas é que predominam as aquisições de empresas cujo faturamento é de no máximo 30% do da adquirente. Em 2001, 72% das aquisições tiveram esse perfil, enquanto em 2013 foram 67% das transações.
Tanure destaca que, apesar de atualmente as organizações usarem maior gama de instrumentos de financiamento para comprar empresas maiores, os resultados da pesquisa demonstram que há uma tendência à diminuição das oportunidades de mercado para as transações.
Mais consciência do processo
A pesquisas também mostra a evolução que ocorreu na percepção dos executivos sobre os processos de integração entre as empresas envolvidas nas transações de fusão ou aquisição.
Continua depois da publicidade
Em 2001, quando havia menor experiência no País com esse tipo de transação, 52% consideravam que o processo de integração ocorria “naturalmente”, isto é, sem a necessidade de um planejamento. Para Tanure, essa visão leva as empresas a não fazer conscientemente a gestão do processo.
A pesquisa de 2013 revelou uma importante evolução: as empresas reconhecem mais a necessidade do planejamento do processo de integração. Agora, 84% dos executivos entendem que ele deve ser planejado, ante 48% em 2001, e apenas 16% ainda acreditam que ele ocorra “naturalmente”.
– As experiências complexas de integração que as empresas viveram em aquisições anteriores certamente contribuíram para isso – analisa Tanure.
Pessoas ainda são entraves aos resultados
Pessoas e cultura organizacional são consideradas o principal entrave das integrações, apesar de não serem elencadas como os fatores mais importantes antes de o processo ser iniciado.
Continua depois da publicidade
Esse dado já havia aparecido na pesquisa de 2001, quando 68% dos executivos apontaram a questão como o principal problema desse tipo de operação. Dessa vez, ela foi indicada como o mais importante entrave por 72% dos entrevistados.
Também é mais generalizada a constatação de que a integração cultural entre as empresas é mais complexa do que se espera. Em 2001, 22% apontaram isso. Agora, 35% a consideraram mais complicada. Assim, os dois maiores entraves que mais impactam no resultado da aquisição são os mesmos de 12 anos atrás: diferenças entre culturas e aceitação dos funcionários.
Por outro lado, houve melhoras em relação à compatibilidade de sistemas de controle. Isso mostra, segundo Tanure, que há avanços no modo de lidar com o lado racional, mas que o chamado lado soft continua a ser o principal desafio dos processos de integração.
Paulo Ricardo Tomazelli, diretor-executivo da Gerdau Aços Brasil, participou de processos de aquisição e fusão envolvendo empresas brasileiras e estrangeiras. Para ele, o fator cultural deve ser sempre trabalhado com prioridade e velocidade, com comunicação eficaz e prática visível sustentando a comunicação.
Continua depois da publicidade
O bem-sucedido case da Gerdau
A Gerdau tem uma experiência bem-sucedida de integração de unidades industriais adquiridas na América Latina. Em um dos países da região em que começou a operar, a empresa conseguiu superar as diferenças culturais e contar com a adesão de quase 100% dos colaboradores durante o período de integração, lembra Paulo Ricardo Tomazelli, diretor-executivo da Gerdau Aços Brasil.
Segundo o executivo, as questões foram resolvidas por meio de diálogo aberto, face a face, com os 350 funcionários da usina. A Gerdau também investiu na melhoria das condições de trabalho e de segurança e na adoção da prática da meritocracia de maneira efetiva.
Prevalece o modelo de assimilação
Entre os modelos de integração adotados pelas empresas, continua a predominar na prática o da “assimilação” (60%), seguido pelo da “mescla” (23%). No discurso oficial, no entanto, as organizações afirmam que a “mescla” é o modelo por elas adotado.
Na estratégia da “assimilação”, há clara predominância do jeito de ser e de fazer da empresa adquirente. Para Tanure, tal dissonância entre discurso e prática é um dos grandes problemas na gestão das pessoas e da cultura, constituindo um potencial destruidor de valor.
Continua depois da publicidade
– Muitas vezes, mata-se o que se comprou por desconhecimento e pelo ego dos compradores. No discurso, a escolha do modelo de integração foi intencional para 80% dos entrevistados. No entanto, a pesquisa qualitativa demonstra que a decisão deliberada e intencional sobre o modelo é menos frequente.
A pesquisa de 2013 ainda mostra que os processos de comunicação passaram a ser mais valorizados nas integrações. O lado bom disso é o reconhecimento de que ela é fator crucial no processo. Já o lado ruim é os executivos acreditarem que somente com o processo de comunicação as pessoas estarão mobilizadas para a integração.