Na página três do Jornal O Estado, edição de 29 de março de 1951, consta uma informação que deve mudar a história da Câmara Municipal de Florianópolis. Capaz de alterar a ordem que dá a Olga Brasil da Luz o primeiro lugar da Galeria Lilás, espaço de memória às mulheres que atuaram como vereadoras nos 350 anos da história do Parlamento. Além, claro, de aumentar de 13 para 14 os retratos na parede. Pela primeira vez, diz a matéria jornalística, uma mulher assumia uma cadeira na Câmara de Vereadores. Tratava-se de Eulina Marcelino (PSD), saudada naquela sessão por Osmar Cunha e Gercino Silva, líderes respectivamente, do PSD e da UDN.

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Ambos destacavam a atuação da colega, então diretora do Grupo Escolar José Boiteux, e recém-chegada para substituir Miguel Daux (PSD), que se afastava por motivo de viagem. Esta descoberta sobre a educadora catarinense, com elogiada atuação na rede pública estadual entre as décadas de 1920 e 1950, faz parte de uma pesquisa de Binah Ire Vieira Marcellino, bisneta de Eulina, bacharela em Arquivologia e mestra em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

No começo, explica Binah, o interesse era apenas curiosidade sobre os antepassados da família. Desde menina ela ouvia dos mais velhos que a mãe de Eulina, de nome Argentina, era filha de uma mulher negra escravizada e de um português. Ao ver fotografias da bisavó, a quem não conheceu pessoalmente, Binah considerou que as feições são de uma pessoa mestiça, e isso despertou-lhe também por conta do apagamento das origens e das tradições negras e indígenas da história das famílias brasileiras.

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No decorrer da pesquisa, Binah encontrou um dado relevante, além de já saber que havia uma escola em Riqueza, no Oeste do Estado, com o nome da bisavó. Eulina foi fundadora de uma associação de professores em 1947, junto à Antonieta de Barros, e outros professores. Foi quando a pesquisadora decidiu procurar Jeruse Romão, biógrafa de Antonieta. Elas foram pesquisando juntas na hemeroteca digital e encontraram mais menções sobre Eulina. Entre elas, a passagem pela escola normal, as nomeações como professora, a transferências de escolas e de cidades. 

– Até que encontrei o nome da minha bisavó listada entre candidatos à vereança em Florianópolis, em setembro de 1950 – conta a pesquisadora.

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Na sequência, a nota do jornal O Estado afirmando ser Eulina a primeira mulher a assumir como vereadora em Florianópolis, substituindo o colega de bancada Miguel Daux. Como vereadora, Eulina atuou enquanto suplente substituindo os vereadores Miguel Daux e Osmar Cunha em duas ocasiões diferentes. 

Esta referência, conta Binah, mudou um pouco o caráter da pesquisa e ampliou as possibilidades: 

– Minha ideia é não só reconstituir, ainda que de forma fragmentada, uma história de vida, mas também refletir sobre a questão racial levantada pelo caso da minha família e que se repete em muitas famílias interraciais brasileiras.

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Registro de Eulina, em 1920 (Foto: Arquivo Pessoal, Reprodução)

“Legislativo de SC precisa reconhecer Eulina”, diz especialista

A professora Jeruse Romão conta que a partir das pesquisas sobre a professora Antonieta de Barros foram surgindo outros nomes. Depois de publicar “Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil” (Editora Cais, 2021) passou a ser procurada por descendentes de professores.

– Voltei às minhas anotações e encontro Eulina, normalista e amiga de Antonieta, tendo atuado juntas em projetos na educação. As duas foram correligionárias no PSD. A grande revelação, nesse processo, foi como Eulina, que eu não sabia, bisneta de africana escravizada por parte de mãe, foi se apresentando. Ela ocupava um lugar importante na educação, mas revelou outros lugares: o da mulher na política. Em 1951, foi a única mulher da chapa do PSD.

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A biógrafa explica que, quando Eulina concorre à Câmara de Vereadores de Florianópolis, Antonieta era uma das dirigentes do diretório do PSD. 

– Imagino o tanto de experiências que elas trocaram. Antonieta, seguramente, viu Eulina na Câmara de Vereadores, já que Eulina assumiu um ano antes do falecimento de Antonieta, em 28 de março de 1952.

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Para Jeruse, o legislativo catarinense precisa reconhecer Eulina. Assim como outros nomes, como José Ribeiro, o primeiro vereador negro de Florianópolis, e Dilma do Espírito Santo (a primeira vereadora de Lauro Müller). Precisa, também, ampliar o olhar sobre Antonieta de Barros.

– Antonieta foi uma das primeiras mulheres negras eleitas no continente. Possivelmente, se não a primeira, já que a primeira mulher negra eleita para o congresso americano foi Shirley Chisholm, em 1968, a qual defendia a luta pelos direitos civis das mulheres, dos negros e dos pobres.

Olga Brasil, homenagem em plenário

Olga Brasil da Luz é considerada como a primeira mulher eleita a assumir como vereadora na Câmara Municipal de Florianópolis. Candidata à vereança, elegeu-se 4ª suplente da Câmara Municipal de Vereadores de Florianópolis, com 538 votos. Tomou posse no dia 14 de novembro de 1960, na 4ª Legislatura (1959-1963). Era do PSD e foi aluna de Antonieta de Barros. Como justa homenagem, o plenário da Câmara de Vereadores de Florianópolis leva o nome Vereadora Olga Brasil, e a foto de Olga presente na Galeria de Vereadoras.

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O advogado George Richard Daux é o único filho homem vivo de Miguel Daux, eleito vereador pelo PSD de 1950 a 1955. Menino na época em que Eulina Marcelino assumiu a vereança, George não tem lembranças daquela época. Mas considera que pelo perfil humanista do pai, a cedência ter sido um ato consciente e não fruto de um mero acordo político.

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– Meu pai tinha uma visão diferenciada, um homem com espírito público que gostava de ver as pessoas realizadas, e despido de qualquer preconceito – diz.

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George recorda que muitos entre os empregados da família, no comércio ou cinema, eram negros. Conforme ele, todos tratados igualmente e estimulados por Miguel ao crescimento pessoal diante das oportunidades que ele mesmo procurava oferecer.

Quem foi

Eulina Alves de Gouvêa Marcellino viveu 72 anos e foi contemporânea de mulheres importantes no cenário catarinense, como Antonieta de Barros, professora e primeira deputada negra do país. Confira detalhes da carreira de Eulina:

1900:

Nasce em 15 de abril. Em 1918, forma-se no curso Normal, em Florianópolis.

1921:

Casa-se em 29 julho com Elesbão Marcellino, em Taquaras. Dez anos depois, em 1931, assume a direção do Grupo Escolar Tibúrcio de Freitas, em Urussanga. Na cidade do sul catarinense, assume, em 1934, a direção da Escola Complementar anexa ao Grupo Escolar de Urussanga.

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1938:

Em 8 de fevereiro assume a direção do Grupo Escolar Francisco Tolentino, São José, na Grande Florianópolis. Em 1940, tornou-se auxiliar de inspeção da Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina. Em 13 de setembro de 1941, é nomeada diretora do Grupo Escolar José Boiteux, no Estreito, em Florianópolis.

1951:

Assume como suplente de vereadora em Florianópolis. Aposenta-se como professora em 1952. Um ano depois muda-se para Curitiba.

1972:

Faleceu em Curitiba, a 3 de dezembro, com 72 anos.

Confira 30 fatos sobre as Eleições 2022 no vídeo:

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