A pergunta será feita em algum momento por quem se descobre traído por aquele que ama. Por quê? O que faltou?

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Essa também é a pergunta feita já no título do novo livro da antropóloga Mirian Goldenberg: Por que Homens e Mulheres Traem?. Em busca de respostas, Mirian realizou uma pesquisa com 1.279 homens e mulheres das camadas médias cariocas, de nível universitário e idades entre 18 e 50 anos. A primeira constatação é que, ao menos no discurso, a traição é uma prática frequente: dos entrevistados, 60% dos homens e 47% das mulheres admitiram já ter traído alguma vez na vida.

Mas segue a pergunta: por quê? Com a experiência de quem se dedica há duas décadas a comprender temas como sexualidade e novas conjugalidades na cultura brasileira, a professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro consegue desconstruir o lugar-comum e iluminar um tema tão antigo quanto palpitante. Estão lá, claro, as desculpas clássicas, como a velha máxima da “natureza masculina”. Mas a pesquisadora vai além da figura do homem que se julga poligâmico por natureza (embora ele exista, como mostra o estudo) e detalha outras razões que levam à infidelidade, sinalizando mudanças de costumes: mulheres alegando falta de intimidade com o marido e o desejo de se sentirem desejadas, e homens justificando a infidelidade por conta de crise no casamento, ou sofrendo por serem traídos.

– Há muita coisa nova que mostra que a igualdade entre os gêneros é muito maior hoje do que há 30 anos. A própria desculpa da “natureza masculina” já não pega tanto: há fatores sociais que explicam a traição, não biológicos. As mulheres mudaram muito e já não entram nessa, embora sigam usando as desculpas delas, de que a culpa é do marido. Mas os homens, daqui a pouco, vão dizer: “Se não estou te satisfazendo, vamos nos separar”. Quem trai tem que lidar com aquele que escolheu para viver.

Uma missão mais difícil hoje: em tempos de maior liberdade de escolha, diz Mirian, a descoberta de uma traição tem ainda mais poder para destruir o casamento. Confira nas páginas a seguir a entrevista com Mirian Goldenberg e os depoimentos de homens e mulheres contando por que traíram.

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Por que eles traem

Entre as justificativas mais comuns dos 444 homens entrevistados, estão variantes para “natureza masculina” (genética, vocação, “sou fiel a mim mesmo”…), questões circunstanciais (oportunidade, Carnaval, “Não dizer não a uma cantada”), meas-culpas (burrice, imaturidade, vaidade, fraqueza), necessidade de (se) comparar (“Para descobrir se era melhor que minha esposa”, “Competição com os Amigos”) e ainda crise pessoal ou no casamento.

Por que elas traem

Das razões mais apontadas pelas 835 entrevistadas (quase o dobro dos homens), variações de uma mesma nota: insatisfação com o parceiro, carência e desejo de se sentir desejada e especial. A parte da lista iniciada por “falta de” tem 25 variantes, de intimidade a romance.

A “outra” e única

Não só a esposa, a outra também exige fidelidade. Na pesquisa, todas afirmam que seus amantes não têm mais relações sexuais com a mulher. Na cama e no desejo do parceiro casado, elas se sentem as únicas, o que serve também para justificar a situação.

Não há o “outro”

Muito se fala da outra, mas pouco ou nada do “outro”. Mirian Goldenberg explica: não existe a figura do outro na nossa cultura, apenas do homem que faz outro de corno.

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– Ele é o poderoso, o que vai dizer com orgulho “Estou transando com a mulher do fulano”. E está com várias outras, sem esperar um telefonema dela, passivo, no sábado à noite.

Poligâmicos X monogâmicos

Na pesquisa, despontaram dois grupos de homens: os poligâmicos, que criticam a hipocrisia da sociedade por tentar regular a natureza masculina, e os monogâmicos, para quem a fidelidade é uma necessidade amorosa. Mas alguns ditos monogâmicos são infiéis. O que muda é a desculpa, observa Mirian:

– O poligâmico diz que não pode trair sua natureza, e o monogâmico alega crise pessoal ou do casamento. A diferença é que o poligâmico trai mesmo amando e desejando a esposa, e o monogâmico, não.

ENTREVISTA

Em entrevista por telefone, desde o Rio, Mirian Goldenberg comenta a pesquisa que apresenta no livro Por que Homens e Mulheres Traem:

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Donna – Os números da sua pesquisa impressionam: 60% dos homens e 47% das mulheres dizem já ter traído. Isso lhe surpreendeu?

Mirian Goldenberg – Não. Primeiro, porque estou trabalhando com o discurso sobre traição: não sei se efetivamente 60% dos homens e 47% das mulheres já traíram. Isso é o que eles dizem. Segundo, homens parecem trair mais não só numericamente, mas mais frequentemente. A pergunta feita é “Você já traiu alguma vez na vida?” e não “Você está traindo agora?”. Homens traem mais e com mais mulheres ao longo da vida. As mulheres já traíram alguma vez, não quer dizer que tanto ou com tantos homens. Só que o significado da traição é diferente para homens e mulheres: elas podem se sentir traindo apenas por ter dado um beijo. Traem por sentir alguma falta, não necessariamente de sexo.

Donna – Na lista das razões mais comuns por que as entrevistadas traem, chama a atenção que grande parte começa com “falta de…”.

Mirian – A falta delas é de um tipo de comunicação, de atenção, de intimidade, de que precisa para se sentir em uma relação de verdade. Não é uma falta sexual. Por um lado, é essa falta de intimidade, e por outro, de se sentirem romanticamente – não apenas sexualmente – desejadas. Poderia ser pelo marido, que não faz mais isso. Com a desculpa do casamento, as pessoas fazem coisas horríveis com o outro, não só vestir a pior roupa, como ficar com a pior cara e tratar do pior jeito. Muita gente trai por isso: para ser o seu melhor, o mais sedutor, charmoso e bonito que não consegue ser com a esposa e o marido.

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Donna – No livro, as mulheres reclamam mais intimidade, e os homens, mais compreensão. Em que momento se dá esse desencontro?

Mirian – Um exemplo é o da mulher de 60 anos que transa com o cara de 40. Encontrei muitas mulheres nessa faixa com amantes mais jovens, e é óbvio que o que eles estão buscando não é o sexo, mas um espaço onde se sintam de novo admirados, ouvidos. A mulher (do homem citado acima) está sempre mal-humorada, dizendo que ele não faz o que deveria. Muitos homens se sentem assim no casamento, e as mulheres estão realmente exigindo como nunca. E muitos encontram na amante aquela coisa mais gostosa e tranquila, principalmente quando é uma mulher que estava sem parceiro e está feliz porque encontrou um cara a fim de ficar com ela. Tem gente que acha: “É um retrocesso, então a mulher tem que ser submissa”. Mas essas mulheres que encontrei não são submissas, estão escolhendo ter uma relação com homens casados e querendo agradá-los porque querem esse homem. É uma escolha.

Donna – A senhora desmitifica no livro a imagem da amante como a “destruidora de lares”.

Mirian – Sim, ela não é essa mulher que todo mundo diz, fatal, economicamente dependente, que está sugando o dinheiro dele. Encontrei mulheres comuns, que vivem com muito sofrimento o fato de não serem únicas e que têm a ilusão de que são únicas (no desejo do homem). E encontrei mulheres traindo muito longe do estereótipo de “Oh, está enganando o marido, como é canalha”. E mostro também homens que não traem, homens que ficam sem saber o que fazer com essa nova mulher poderosa, homens que sofrem por uma traição ou por trair. O livro quebra muitos estereótipos não só da traição, mas do casamento. De certa forma, muitas vezes, os homens e as mulheres não são culpados pela traição. O casamento mudou, e as pessoas seguem pensando que permanece o mesmo.

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Donna – À luz da traição, como repensar o casamento?

Mirian – As pessoas acreditam que o casamento pode ser aquela coisa segura, estável, mas não é mais isso. Depois do divórcio, da independência econômica da mulher, da igualdade maior de gênero e do comportamento sexual mais livre, as pessoas que se casam têm que prestar muita atenção: se é aquele parceiro que querem, têm que investir de outra forma. A traição tem um significado bem diferente de há 30 anos, quando não havia o divórcio, a mulher era dependente, e era legítimo o homem trair.

Donna – Que significado?

Mirian – Hoje, a traição tem um peso maior e destrói muito facilmente um casamento. A mulher, principalmente, como mostra a pesquisa, é a que menos aceita ser traída. A fidelidade passou a ser o valor maior do casamento. Por quê? As pessoas podem escolher mais e, quando escolhem, aquele parceiro tem a expectativa de ser único.

Donna – Justamente por haver mais liberdade de escolha, por que permanecer em uniões insatisfatórias em vez de se separar?

Mirian – Há o valor social de ter um casamento: você se sente mais poderosa tendo um marido do que sem. Há o medo da solidão: há um estigma quanto a ser sozinho no Brasil. E a ideia de família é ainda muito forte aqui, diferentemente de outras culturas. Mas, como mostra a pesquisa, a tendência é que se separem em uma traição.

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HOMENS E MULHERES RESPONDEM

Por que eu traí?

Dois homens e duas mulheres contam os motivos que os levaram a ser infiéis

Coração disponível

Aposentada de 62 anos, casada há 40, mãe de dois filhos e avó de quatro netos

“A primeira vez que tive uma relação fora do casamento foi há quase 20 anos, e o motivo acredito que seja o mesmo para todas as mulheres, a carência afetiva. A gente não trai porque quer trair, porque quer se vingar, nada disso. É uma questão de disponibilidade do coração, no momento em que tu tens uma carência muito grande, tem a ver com a rotina, problemas, enfim…

E aí, às vezes, surge uma oportunidade. Não saí de casa à procura de alguém, foi uma coincidência. Começou como uma amizade no trabalho. Depois, não éramos mais colegas de trabalho e aí rolou. Acabou sendo um amor que durou mais de 10 anos. Fui muito cuidadosa e discreta: a preocupação é não expor a família e não fazer com que outros sofram. E era uma relação com um homem também casado, e isso facilita, por a gente viver a mesma situação, de não poder sair a toda hora, de ter compromissos familiares… Faz com que a relação possa perdurar. Acabou terminando, porque ele se separou e quis viver algo que eu não podia. Escolhi meu marido, porque temos raízes, uma história familiar, filhos. É difícil ter certeza de que com essa outra pessoa eu seria feliz. Preferi manter aquilo que já conheço.

Custei a esquecê-lo. Passou muito tempo, e encontrei uma outra pessoa no bairro onde moro, por meio de amigos comuns. Começou com uma amizade e, neste ano, de repente, o coração voltou a viver. É claro que a gente pensa muito se vale a pena, mas a mulher precisa de carinho sempre. E a convivência durante anos de casamento acaba com qualquer tipo de vida afetiva, ainda mais quando temos um parceiro que não acha importante cultivar a intimidade ou namorar para deixar a vida a dois mais apimentada. O coração fica disponível.

Esse outro homem também é casado e tenho com ele uma relação diferente da anterior: não há uma paixão. O que há, na minha idade, é se sentir desejada, admirada, ter algo que levante a autoestima e rejuvenesça. Volta a sensação de que alguém tem tesão por ti e volta o teu tesão também. Para outras pessoas nessa situação, diria que, se alguém está com uma carência muito grande, mas ainda tem uma vontade de viver, amor para dar… a vida é tão curta, se a oportunidade surge, por que não vivenciar?”

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Um grande investimento

Publicitária, 37 anos, casada há 10 anos, mãe de uma menina

“Quando o relacionamento começou a ficar monótono, reencontrei um amigo de infância, e surgiu um encantamento, lembranças do passado. Houve a vontade de matar uma curiosidade de adolescente, de quando éramos namoradinhos.

Foi divertidíssimo. Para dizer a verdade, foi importante para minha vida e mudou até o relacionamento dentro da minha casa. Era uma aventura. A cada momento me lembrava dele, das investidas, do flerte, e comecei a sorrir de novo, o que me valorizou mais como pessoa e como mulher. Fui fazer ginástica, cuidar de mim.

A minha resposta para por que homens e mulheres traem é que a vida deve estar muito chata e tu queres dar um colorido. E isso, naquele momento, me deixou mais bonita e mais feliz. Com o meu marido, estava tudo acomodado, rotineiro. Faltava aquilo que tu encontras num amante: planejar o encontro, te enfeitar para a pessoa, o que não existia mais no casamento. Aquela coisa de passar o dia inteiro bonita para todo mundo e, quando o teu marido chega em casa, te encontra de pijama. E isso mudou muito. Meu marido me encontrou diferente, como uma pessoa que estava se valorizando, que sentia tesão, o que foi bom para meu casamento.

Não pude dar continuidade àquele relacionamento, ou teria me incomodado. Ele também era casado, e a gente acabaria se separando. E não era isso que eu queria nem ele. Amo meu marido. Mas esse cara ficou na minha vida, como um amigo. A gente se vê eventualmente, e daí dá um friozinho na barriga. Mas temos de fazer opções, não dá para ter tudo.

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Foi algo que tinha de acontecer: como se fosse um grande investimento na minha vida. E agora estou em um momento bom e não sinto vontade de repetir a experiência. Mas, se sentir, não vou deixar de fazer. Não acho que seja proibido.”

Insatisfação no casamento

Contador, 55 anos, casado há 25, pai de dois filhos

“Desde os primeiros anos de casamento, foram alguns casos. A relação não estava mais satisfatória, quando se espera uma maior atenção e não tem, o que leva a uma desesperança.

Muitas pessoas perguntam: então, por que não te separas? A resposta ouvi também de amigas que estão em uma situação difícil por décadas: há uma série de valores dentro de um casamento no papel… Envolve muita coisa. Nem digo a partilha de bens, mas a questão de o que a família vai pensar, os parentes tanto de um lado quanto de outro, os filhos, os amigos, o ambiente profissional… E um certo comodismo. Sempre tem algo de bom na relação, principalmente quando há filhos.

Os casos que tive são relações circunstanciais, e o que me trazem é principalmente o aspecto sexual. Logo no início do meu casamento, ela já não demonstrava interesse. Sempre procurei mais do que fui procurado, e isso acaba, com o tempo, cansando. Como um amigo disse, não dá para esmolar o amor. O sexo, realmente, não é tudo. Quando falta, mas há carinho, dedicação, tu sentes que a outra pessoa segue apaixonada, isso já satisfaz… Mas quando tudo começa a diminuir, quando uma parte procura e não obtém, vai procurar fora. Até hoje é assim, embora no meu casamento não haja brigas. Partilhamos as coisas boas e ruins, é uma relação estável. Ainda tenho tesão pela minha mulher, embora essa relação seja esporádica e muito mecânica.

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Algumas vezes, me sinto culpado (por traí-la), mas não totalmente. Há momentos em que saio do trabalho e, o que seria o ideal? Querer chegar em casa logo, por estar morrendo de saudades da mulher, querer transar, criar um clima. E o que acontece, muitas vezes, é que nem tenho vontade de ir direto para casa. Penso: “Vou chegar lá e encontrar aquele clima frio, ‘oi’, ‘oi’, como se a gente tivesse se visto há 10 minutos”. Não é o que eu gostaria que fosse. Queria aquilo que há alguns anos existiu.”

Natureza do ser humano

Historiador, 30 anos, mora junto há cinco, pai de um menino

“Nunca fui fiel em nenhum relacionamento. Acho que trair não é da natureza do homem, e sim da natureza do ser humano. Viajo bastante e vejo muitas mulheres traírem também, assim como eu mesmo já fiquei em congressos com mulher casada.

Tive muitos casos (durante o relacionamento atual), mesmo no começo, quando a gente namorava. Até que me apaixonei por outra pessoa na faculdade. Tivemos um caso de praticamente um ano, e quase terminei meu relacionamento – minha mulher desconfia até hoje, mas sempre consegui negar. Não me separei porque nunca deixei de gostar dela.

Ainda na faculdade tive mais uma amante, há cerca de um ano. Nesse caso, havia duas ao mesmo tempo: acabei tendo a amante da amante, mas elas acabaram descobrindo uma da outra. Amante gosta de ser a única, e, quando não é, acaba não dando certo.

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No momento, não tenho ninguém além da minha mulher, mas estou sempre conhecendo muita gente, me interesso em ficar com outras pessoas. Acho que é mais pelo ego, não sei explicar… Às vezes, o casamento parece meio parado, sem graça, daí tu acabas tendo um outro relacionamento e te sentes mais motivado. Aquele clima de ficar escondendo algo, de perigo, de risco, acho que preciso disso.

Mas acredito que meu casamento vá muito longe ainda, a menos que minha mulher descubra algo ou aconteça alguma coisa. Sou feliz com ela. Minha mulher sempre esteve em primeiro lugar, e isso nunca mudou.”