Duas pesquisas inéditas no Brasil e lideradas por pesquisadores joinvilenses se propuseram a medir o custo do tratamento de pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC), em Joinville. Os estudos foram desenvolvidos dentro das dissertações de mestrado das acadêmicas da Universidade da Região de Joinville (Univille), Juliana Safanelli e Luana Gabriela Dalla Rosa Vieira, e envolveram o acompanhamento de gastos com 274 pacientes no Hospital Municipal São José e outras 173 pessoas em dois hospitais privados da cidade.

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O AVC é uma das doenças que mais mata no País e a principal causa de incapacidade no mundo. O AVC isquêmico e hemorrágico são os dois tipos principais de AVC. No isquêmico há obstrução do fluxo sanguíneo em uma artéria cerebral, e no hemorrágico, há ruptura do vaso e extravasamento de sangue para o cérebro. Em Joinville o serviço no tratamento da enfermidade é referência.

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A cidade foi a primeira a ter uma unidade de AVC e realizar, em serviço público, a trombectomia mecânica (técnica utilizada em casos específicos para remover o coágulo com um stent, sob orientação de imagem) e a trombólise endovenosa, que utiliza anticoagulante (trombolítico) para dissolver o coágulo e desobstruir a corrente sanguínea, com altas taxas de sucesso.

Além disso, Joinville possui um banco de dados custeado pela Secretaria da Saúde que permite armazenar dados por décadas, o que faz com que nenhum outro município brasileiro tenha um material compilado tão robusto e capaz de viabilizar pesquisas que alcancem resultados como os propostos pelos trabalhos das mestrandas.

Essa relação, aliada ao fato de que países de menor renda têm orçamentos apertados na área da Saúde e são escassos os dados sobre os custos do AVC, motivou os pesquisadores a realizar esta pesquisa no Brasil, especificamente em Joinville.

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A ideia de trabalhar o tema, conforme Juliana Safanelli e Luana Gabriela Dalla Rosa Vieira, surgiu como um desafio de acompanhar e contabilizar cada recurso investido em centenas de internações durante um ano inteiro. Os estudos foram realizados entre 2016 e 2017 pelas mestrandas e encerrados em junho do ano passado, tendo seus resultados transformados em artigos científicos validados e publicados em revista especializada em julho de 2019.

As principais conclusões

No Hospital Municipal, o custo unificado do tratamento do AVC nos 274 pacientes acima de 18 anos acompanhados por Juliana Safanelli, considerou o período de 1º de setembro de 2016 a 30 de agosto de 2017 e foi tabulado em dólar devido ao ajuste ao índice do deflator do produto interno bruto e à paridade do poder de compra.

O valor absoluto do tratamento da doença somou US$ 1.307.114 (cerca de R$ 4,13 milhões, à época, e R$ 5,35 milhões à cotação atual do dólar) no conjunto de pacientes avaliados, e o governo federal reembolsou o hospital em US$ 1.095.118 (em torno de R$ 3,46 milhões (2017) e R$ 4,49 milhões (2019)), porém existem outros mecanismos de custeio que auxiliam o hospital a diminuir este déficit. O custo médio do AVC por paciente a cada internação foi de US$ 7.470 (R$ 23,6 mil / R$ 30,6 mil) na unidade.

O estudo mostrou ainda que, diariamente, as despesas gerais para tratar a doença foram de, aproximadamente, US$ 400 (R$ 1,2 mil / R$ 1,6 mil), independente do tipo de AVC. Além disso, todos os custos aumentaram com o tempo de permanência no hospital e a gravidade clínica de cada caso. A pesquisa mostrou também que o tempo médio de internação foi de cerca de duas semanas para os AVCs mais graves e de cerca de 11 dias para os acometidos por AIT.

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A conclusão não é diferente quando conhecidos os resultados do tratamento de AVC nos dois hospitais privados (incluídos 27 planos de saúde), cujo custo médio dos 131 pacientes avaliados com AVC isquêmico foi de US$ 9.766 (R$ 30,8 mil / R$ 40 mil), enquanto o custo total da doença no ano alcançou US$ 1,8 milhão (R$ 5,7 milhões / R$ 7,3 milhões).

O trabalho prospectivo de Luana Vieira reforça que o AVC é uma doença cara e aponta que nessas unidades os custos do dano cerebral foram de três a dez vezes superiores aos tratamentos convencionais do AVC isquêmico. Para esse conjunto de internação, o tempo médio de permanência hospitalar foi de 11 dias para os AVCs maiores e de quatro dias para os atendimentos de AIT.

A importância destes estudos vão além de levantar os custos da doença, elas são as primeiras pesquisas a nível nacional e talvez uma das pioneiras entre os países de média e baixa renda, que avaliou o custo da reperfusão cerebral (trombectomia), procedimento que revolucionou o tratamento do AVC mundialmente nos últimos cinco anos e permite melhor qualidade de vida para inúmeros pacientes.

(in memoriam) Norberto Cabral, neurologista, pesquisador e professor de medicina da Univille, que orientou os projetos de mestrado de Juliana e Luana, concedeu entrevista sobre esta pesquisa ao jornal "A Notícia" no dia 5 de agosto, e faleceu em um trágico acidente no dia 27 de setembro

Métodos para obter os dados

A enfermeira Juliana Safanelli se dedicou a acompanhar diariamente os pacientes atendidos na Unidade de AVC do Hospital Municipal São José, hospital público e referência nacional no tratamento da doença. Já a médica neurologista infantil Luana Vieira fez o mesmo processo em dois hospitais privados de Joinville.

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Os métodos utilizados pelas duas para obter o custo do tratamento na cidade foram os mesmos e envolveram uma lista minuciosa contendo todos os gastos médicos e não médicos dos pacientes diagnosticados com AVC ou Acidente Isquêmico Transitório (AIT), situação em que o paciente sente sintomas do AVC mas não chega a ter uma lesão cerebral e consegue se recuperar completamente em questão de horas.

— Primeiro fizemos um checklist com tudo o que estava envolvido no custo do paciente, desde a entrada no hospital até a alta hospitalar. Isto incluiu exames; medicação; alimentação; equipe médica; energia elétrica, consumo de água; leito; gasto do acompanhante; equipe administrativa, de segurança e limpeza. Depois de estudar como computar estes custos, todos os dias, visitávamos os hospitais e anotávamos o que era gasto. Se o paciente permanecia 30 dias internado, monitorávamos os seus custos durante os 30 dias — conta Luana.

Finalizado cada caso, os valores coletados pela pesquisadora eram somados e os dados eram cruzados com a conta hospitalar do paciente para equalizar o resultado. No setor público, igualmente nesta fase de estudo, Juliana comparou as contas finais de cada paciente com os dados do departamento de contabilidade do hospital municipal.

Os resultados consideraram os custos por tipo de AVC e tratamento, além do tempo de permanência. No São José houve ainda o comparativo dos custos hospitalares com o reembolso do Ministério da Saúde por meio da tabela unificada de tratamentos do Sistema Único de Saúde (SUS).

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Retorno social com a pesquisa

Para os especialistas, saber o custo da doença é importante para o gestor, para o paciente e seus familiares, denotando o impacto do investimento realizado. Mais do que isso, demonstrou que o tempo de internação tem relação direta com o custo hospitalar, conferindo a necessidade de mais agilidade na investigação da origem da doença.

Os estudos das joinvilenses também poderiam servir, por exemplo, de ponto de partida para um estudo mais complexo e que visasse mensurar a relação de custo-efetividade do tratamento de acidente vascular cerebral. Um estudo como este poderia comprovar se o investimento para tratar a doença é suficiente, por exemplo.

No ponto de vista de Juliana Safanelli, muitos dos pacientes chegam ao hospital já com estado de saúde agravado devido à demora para perceber os sintomas da doença ou mesmo porque não procuram de imediato o serviço de referência. E isso pode ser outra contribuição da pesquisa, pois quanto antes o paciente identificar os sinais do AVC e procurar o hospital de referência, maiores serão as chances de reverter ou não ter sequelas, o que também influencia no tempo de internação e número de intervenções e complicações.

A enfermeira Greice Flores Torbes Lenke, que coordena a Unidade de AVC do Hospital Municipal São José, explica que hoje há uma ação integrada entre o hospital, as unidades básicas de saúde e serviços de socorro para que os profissionais da área ou de atendimento percebam de imediato se a pessoa está sofrendo um AVC mesmo se ela buscar ajuda nos postos de saúde municipais.

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Segundo ela, essa integração possibilita reduzir o tempo de espera por socorro e aumenta as chances de boa recuperação, podendo impactar também nos recursos demandados para tratar a doença.

— Saber o custo e a dimensão dos investimentos aplicados no tratamento faz a diferença, mostra o quanto é dispendioso este gasto e como eles podem ser reduzidos, por exemplo, se revertermos o impacto do custo intra-hospitalar na atenção primária. Com esses dados podemos, de repente, comparar o custo do tratamento e o que é investido nas ações de prevenção dos fatores de risco que desencadeiam o AVC. Será que não é mais barato prevenir antes do que ter um custo muito mais alto por paciente quando ele é acometido por um AVC? — reflete Greice.

Atendimento de referência

O Hospital Municipal São José é referência regional no tratamento de pessoas acometidas por Acidente Vascular Cerebral (AVC) devido à agilidade e eficiência nos diagnósticos e tratamento. Uma ala completamente renovada do hospital abriga a Unidade de AVC, onde atua uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psicólogos. Ao todo, são 21 leitos na ala, gratuitos e disponíveis para atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS).

Da chegada ao pronto-socorro à internação é tudo muito rápido e isso é crucial porque o quanto antes ocorrer a resposta ao paciente, maiores as chances de plena recuperação. Logo na entrada os profissionais estão preparados para identificar os sinais de AVC e iniciar os procedimentos para quem precisa dentre os cerca de 30 a 50 pacientes que, em média, dão entrada diariamente no hospital com suspeita de AVC.

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De acordo com Greice Lenke, primeiro é realizado a classificação de risco do paciente e, logo na sequência, o mesmo passa por uma tomografia, ao passo em que é comunicado o neurologista de plantão. O médico avalia em tempo real o quadro de saúde do paciente e decide os procedimentos que serão efetuados em cada caso.

— Em questão de minutos os exames de detecção do que pode ter causado o AVC são realizados e a resposta é imediata.

Além do procedimento com trombolítico, em casos específicos é feita a trombectomia (técnica autorizada apenas no Hospital São José e em um hospital paulista), realizada na hemodinâmica com uso de um cateter, na qual, de forma mecânica, o neurorradiologista faz a retirada desses trombos.

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