O despertador toca depois das seis da manhã. Você levanta da sua cama, toma banho no chuveiro quente, veste a roupa razoavelmente nova, toma café da manhã e sai de sua casa – que acha que supre as suas necessidades – para ir trabalhar. Corre para o ponto pegar o ônibus ou entra no seu carro e alguns metros na frente para no congestionamento. Buzinas começam o dia. Talvez deixa os filhos na escola antes de seguir caminho. Escuta no rádio ou lê no jornal as notícias com o escândalo político da vez, que pautam a conversa durante o dia e dão um ar desagradável para a cidade. Ao fim do expediente, mais trânsito. Para no mercado e compra o produto da promoção do dia (fora dela está caro demais). Chegar em casa é o alívio, o terreno seguro.

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Essa rotina nem tão fictícia é a de muitos blumenauenses que se consideram razoavelmente contentes e felizes com sua vida pessoal, amorosa e social, mas que demonstram um descontentamento forte em relação a cidade em que vivem. Esse perfil ficou evidente na pesquisa do Projeto Focus, feita por alunos do curso de Publicidade e Propaganda da Furb, que tentou identificar como anda a felicidade dos blumenauenses, tanto no âmbito pessoal quanto profissional, além do seu grau da satisfação com a cidade em si. As coletas foram feitas neste mês com 400 pessoas de 16 anos ou mais.

Ednei Fiedler, nascido e criado em Blumenau, se enquadra nessa tendência. O corretor de imóveis de 41 anos diz que está satisfeito com a sua vida. É sócio em seu próprio negócio e diz que, mesmo com a crise econômica, levanta a cabeça e batalha todos os dias para estar feliz com a sua vida profissional. Casado, pai de dois filhos, tem na família seu laço forte e campo de segurança em meio às turbulências do lugar onde vive.

– Segurança pública é um grande problema de Blumenau. Em casa, nas ruas… A falta de policiamento nos deixa inseguros. A administração pública também peca na falta de investimentos para tornar a cidade melhor para as pessoas, como na mobilidade urbana. É uma novela para fazer qualquer obra. A sensação que fica é que antigamente as coisas funcionavam melhor – avalia o blumenauense.

De acordo com a pesquisa, mais de 78% das pessoas disseram estar satisfeitas ou muito satisfeitas com o seu trabalho, 87% com a sua família, 80% com a moradia, 76% com a saúde, 82% com as amizades, 68% com a espiritualidade e 72% com a vida afetiva. Pelo outro lado, menos da metade disse estar contente com as finanças, tempo livre e atividades físicas.

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Se o perfil do morador de Blumenau parece estar satisfeito com a vida pessoal, independentemente da idade, estado civil ou renda, quando o assunto é a cidade a história muda. Entre as mesmas 400 pessoas, 68% estão insatisfeitas ou muito insatisfeitas com o transporte e a mobilidade urbana em Blumenau, 55% com a proteção ao meio ambiente, 69% com a situação política, 61% com a situação econômica, 75% com os impostos e tributos, 76% com a segurança pública e 57% com o custo de vida. Em resumo, em nenhum dos sete itens avaliados o número de blumenauenses satisfeitos com a cidade foi maior que o de insatisfeitos. E no âmbito pessoal, parte dos itens com o maior número de insatisfeitos também envolveram a relação com a cidade, como o lazer e a vida cultural.

Os desafios para contornar os problemas do cotidiano

De acordo com a análise da doutora em psicologia e professora da Furb, Catarina Gewehr, o perfil ressaltado dentro da pesquisa mostra uma conta que não fecha:

– De fato, parece que se a pessoa está bem na vida social e com a família, está bem num geral. Mas não é bem assim. A conta não fecha, não dá para dizer que está feliz mas indignado com a cidade – avalia.

Ela explica que a hipótese é de que as pessoas dizem estar razoavelmente bem porque encontram soluções para contornar os problemas da cidade. Para tornar a vida possível, buscam soluções, mas acabam contornando os problemas de forma individual. Para escapar do trânsito, dorme meia hora a menos e sai mais cedo de casa, faz curvas na rotina para conseguir tornar o cotidiano suportável.

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– Assim o território da sua casa é o mais seguro, enquanto a cidade em si é hostil, pois você passa o dia nela fazendo curvas para contornar problemas. As pessoas fazem um esforço para suportar o nível de instabilidade da cidade, e uma hora não aguentam mais. Isso ajuda a provar por que Blumenau é a cidade em Santa Catarina que mais consome psicotrópicos (como os antidepressivos). A conta não fecha e no fim a pessoa precisa de algo para suprir – explica.